Apesar de o abandono, principalmente de idosos, ser uma prática comum nos hospitais e unidades de saúde de Curitiba, algumas famílias fazem o caminho contrário daqueles que não querem carregar o peso de ter um enfermo sob sua responsabilidade dentro de casa. E numa batalha longa e dolorosa buscam dar uma vida mais digna ao parente com alta, mas que ainda precisa de cuidados especiais. A falta de condição econômica e infraestrutura para receber o familiar é o pesadelo dessas famílias.

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Sílvia, como será chamada a filha de um idoso que está no Hospital das Clínicas desde março deste ano, tem sofrido na pele a dificuldade de ter um familiar com alta, mas sem condições de cuidá-lo.

Auxiliar de serviços gerais, ela cria sozinha o filho de 11 anos com pouco mais de um salário mínimo de renda ao mês. A maior parte do dinheiro é usada para pagar o aluguel da casa de três cômodos. Filha única, ela não tem para quem apelar para que ajude nos cuidados com o pai, que está restrito a uma cama há cinco meses, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). “A família da minha mãe não quer saber dele pelo passado violento que teve contra ela. Não tenho mais ninguém para me ajudar. Mas não posso levar esta mágoa, tudo isso ficou para trás, preciso cuidar dele”, conta Silvia.

Mas o drama da assistente vai muito além da preocupação em não ter alguém para ajuda-la e agora tem de enfrentar o sofrimento de ver o estado de saúde do pai se agravar. “Ele está com infecção hospitalar, agora não pode mais sair de lá. Deveriam ter feito algo quando ele ainda estava bom. Agora já e tarde. A única coisa que posso fazer é esperar”, lamenta a Silvia.

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Sem ter com quem contar, Silvia se sentiu pressionada para tirar o pai do HC. Ela conta que chegou a se reunir com médicos, enfermeiros e assistentes sociais para mostrar que não tinha condições. E diz ter se sentido ofendida por não acreditarem. “Fui à FAS (Fundação de Assistência Social), falei com a assistência social do HC, mas nada foi feito. Bati de porta em porta nos asilos e ninguém tinha uma vaga. Agora meu pai está lá, num estado que nem dá para reconhecer”, conta, emocionada.

Na busca por um lugar para o pai, Sílvia colocou em risco o próprio emprego. Há apenas oito meses trabalhando em uma creche, ela precisou se ausentar vários dias desde que ele foi internado. “Quase perdi o emprego e como iria fazer depois? Só tenho oito meses lá e se perco saio sem direito ao seguro desemprego, sem nada e com meu filho para criar”, afirma Sílvia.

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Em desespero, temendo até mesmo pelo filho, Silvia admite que chegou a ser grosseira com a equipe do HC. “Falei: ‘Podem me levem presa, mas vão ter dois trabalhos. Primeiro vão ter que achar um lar para meu filho e o outro de me levar para cadeia, porque a minha situação não vai mudar’. Não tinha o que eu fazer”, diz Sílvia.

E sem encontrar uma saída e com o pai em estado grave, Sílvia agora aguarda angustiada o que o futuro lhe reserva, sem saber se terá o pai com boa saúde novamente ou se só vai poder retirá-lo do hospital sem vida. “Só me resta esperar. Por tudo que ele tem sofrido, isso seria um descanso para ele. Que me perdoem por falar assim, mas seria mesmo um descanso por tudo que já aconteceu a ele neste tempo”, admite.

Promotor avisa: “Só sai pra lugar melhor”

Apenas retirar o pai de Sílvia do leito do HC por já estar de alta não seria trabalho difícil para o promotor da Defesa dos Direitos do Idoso, Mario Luiz Ramidoff. Mas acompanhando casos ligados a idosos diariamente – só neste ano foram 4 mil atendimentos na 2.ª Promotoria, onde atua – Ramidoff é cauteloso ao tratar o assunto.

O primeiro passo é acompanhar a realidade da família. Para ele, a negligência e o aband,ono são as últimas hipóteses a serem levadas em conta. O caminho até chegar à conclusão do que está fazendo a família deixar o idoso em um leito hospitalar é longo. “Eu poderia simplesmente mandar tirar o idoso de lá, mas aí seria a mesma coisa que deixá-lo abandonado no hospital, mas em outro lugar. Só vai sair do hospital para receber tratamento melhor”, explica.

Mas o abandono de idosos em hospitais é apenas uma das vertentes que o promotor atende. Segundo Ramidoff, hoje, 16% da população de Curitiba é formada por idosos e o trabalho para que todos tenham seus direitos preservados é árduo. “Este ano, só nos três primeiros meses, que geralmente são mais tranquilos, foram 1.600 atendimentos. Isso contando apenas a minha promotoria, porque são duas de Defesa do Idoso”, explica.

E entre as batalhas de Ramidoff está a busca pelo atendimento a idosos depois que deixam as unidades de saúde. “Atendemos desde o idoso que vem aqui só para tomar um café, até casos de negligência, abandono, violência. E fazemos uma ação preventiva, com audiências no Ministério Público e em outras entidades”, comenta o promotor. (EF)

Leia amanhã mais reportagens da série “Deixados pra trás”, que mostra o drama de pacientes abandonados nos hospitais de Curitiba.