Saúde dos caminhoneiros preocupa

Eles cruzam o Brasil todos os dias, levando aos grandes e pequenos centros carregamentos que giram a economia e fazem funcionar a sociedade. Se pararem, o País estaciona junto. Mas e a saúde do caminhoneiro, como anda? As autoridades estão notando que a classe tem apresentado problemas comuns, relacionados às horas maldormidas, má alimentação, sedentarismo e estresse. A preocupação, agora, é cuidar para que a qualidade de vida dessa categoria, muitas vezes sofrida, melhore gradativamente a fim de que haja mais dignidade no exercício da função e para que acidentes sejam evitados nas estradas brasileiras.

Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) dão conta que, de 25 mil caminhoneiros examinados durante os comandos de saúde preventivos nas estradas entre os anos de 2002 e 2006, 66% trabalham em excesso. Para se ter uma idéia, 30,5% deles responderam à polícia que passam de 12 a 14 horas seguidas ao volante, fator que leva ao consumo de medicamentos estimulantes e os conhecidos rebites, muito comuns entre a categoria e facilmente encontrados nos postos e lanchonetes de beira de estrada. Servem para manter a pessoa acordada, mas podem repentinamente perder o efeito e fazê-la desmaiar de repente, além de poder ocasionar paradas cardíacas e lesões cerebrais.

O estresse de horas atentos à rodovia e ainda o fator emocional, como dias ou até meses longe da família, além da pressão para a entrega da carga, levam o caminhoneiro a se refugiar de diversas formas. Uma delas é na bebida, fator decisivo para ocasionar acidentes: é assustador, mas 47% deles responderam que consomem álcool regularmente. Número que quase acompanha a percentagem que já se envolveu em acidentes alguma vez: 38,6%.

A comida, no caso dessa categoria, também pode ser vilã. 75% dos 25 mil caminhoneiros avaliados durante esses anos estão acima do peso normal, de acordo com o Índice de Massa Corpórea (IMC) calculado para cada um. O dado é conseqüência de alimentação pesada, rica em gorduras, acompanhada do sedentarismo. Conseqüentemente, muitos correm riso de desenvolver o diabetes (26% têm hiperglicemia) e colesterol alto ou no limite do aceitável não é novidade entre eles (21% estão acima do ideal). Além desses fatores, a hipertensão, muitas vezes sem o conhecimento do caminhoneiro, leva-o perto de um acidente vascular cerebral (AVC) sem que ao menos se dê conta do perigo: 34,6% deles têm pressão arterial alta e, conforme relatam os profissionais de saúde que os acompanham, eles não sabiam do fato ao fazer os exames.

Paraná

O Estado tem a terceira maior frota de caminhões do País, por isso, os comandos realizados por aqui são amostras importantes de como anda a saúde de boa parte dos caminhoneiros brasileiros. No Paraná, boa parte das estatísticas acompanha os resultados extraídos em nível nacional, o que para o chefe da Seção de Policiamento e Fiscalização da 7.ª Superintendência da PRF, Gilson Cortiano, demonstra necessidade de atenção à saúde e bem-estar de quem está circulando. "Percebemos que esses fatores refletem diretamente em segurança nas estradas. Eles compõem uma parcela da sociedade muito castigada. Já tivemos o caso de um motorista que, com 33 anos, nunca havia ido a um médico", exemplifica o inspetor, contando que a maioria deles não freqüenta médicos em função do dia-a-dia da profissão. "E essa situação está ligada à conjuntura econômica. Eles têm de correr para conseguir tirar um dinheiro razoável", evidencia. Correria que, geralmente, resulta em má qualidade de vida e perigo para a vida deles e de quem circula pelas estradas. "Por isso, quando não é possível seguir viagem, retemos o caminhão e pedimos que solicite outra pessoa para buscá-lo. Além de fiscalizar, cabe a nós evitar acidentes e cumprir com essa responsabilidade social", acredita o policial.

PRF faz comandos preventivos

Os comandos preventivos da PRF, que levam apoio de diversas entidades, entre elas o Sistema Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat), são realizados mensalmente em todo o território nacional. A idéia é promover um mutirão que dá oportunidade ao caminhoneiro de se cuidar e à polícia de avaliar as condições de quem comanda boa parte do tráfego das estradas.

Experiência que, para o médico da PRF/PR, especialista em medicina de tráfego, Joseph Kayal, tem evidenciado os fatores que causam tantos problemas de saúde. "Depende das viagens acumuladas, da cobrança do patrão, mas a saúde do caminhoneiro está feia também por falta de conscientização", avalia. "Já examinamos um motorista que estava dirigindo há 22 horas e só tinha tido duas de repouso." As conseqüências em casos como este podem ser distúrbios neurais, fadiga, nervosismo, ansiedade, depressão, problemas sexuais e estresse, além de aumentarem os riscos de distúrbios gastrointestinais e problemas cardiovasculares. A atenção também fica comprometida com o trabalho prolongado, aumentando o risco de acidentes. (LM)

Sindicam e Fenacam querem limitação de tempo ao volante

O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros do Paraná (Sindicam-PR) e da Federação Nacional dos Caminhoneiros (Fenacam), Diumar Bueno, luta para que o Projeto de Lei n.º 2.660 de 1996, que trata da limitação do tempo ao volante para o caminhoneiro, tenha logo o aval da Câmara dos Deputados para ser sancionado pelo presidente. "Estamos pedindo agilidade nos trâmites", reivindica.

O PL já passou no Senado e voltou à Câmara depois de mudanças no texto. Basta, agora, que os deputados o aprovem para a sanção. O mesmo estabelece que a cada quatro horas dirigindo o motorista tenha no mínimo meia hora de descanso. Depois de oito horas ao volante, o período de repouso se estende para quatro horas, ou, caso o motorista resolva estender a jornada de trabalho para doze horas, tenha direito a tempo ininterrupto para dormir e se recuperar. "Os caminhoneiros se posicionam a favor, mas muitos empresários se opõem", afirma o presidente do sindicato. O motivo seria a necessidade de repasse de motoristas em trechos muito longos.

O problema é que, segundo Diumar, os caminhoneiros se submetem a longas horas na estrada porque, além do prazo que têm para entrega das cargas, recebem premiações extras quanto mais cedo chegarem. "O preço do frete fica lá embaixo, mas se forem rápidos podem ganhar mais. Além disso, qualquer problema no caminhão, como um pneu furado, o que não é incomum com as estradas no estado em que estão, é motivo para que o caminhoneiro passe ainda mais horas dirigindo para não se atrasar", enfatiza Bueno. (LM)

Sono é um dos principais perigos

O sindicalista também passou alguns anos da vida na boléia. Ele exemplifica com sua experiência o perigo do sono ao volante. "Durante uma viagem, dormi só quatro horas em duas noites. Estava no meu extremo. Era madrugada e eu apaguei sem perceber. De repente, comecei a sonhar com uma luz e um barulho que vinham aumentando gradativamente. Estava na pista contrária e o caminhão que vinha contra mim soltou a buzina e deu todos os sinais possíveis para me acordar. Foi por muito pouco que uma tragédia não aconteceu. Na mesma hora, parei no canto da estrada, agradeci a Deus e nunca mais me submeti a isso", recorda.

Histórias como a dele não são raras. O caminhoneiro Marcos Paulo Zella, que dirige há cinco anos, conta que também aprendeu a lição depois de um acidente. "Já cheguei a virar a noite na estrada. Numa dessas, aconteceu um acidente porque não soube respeitar meus limites. Dormi ao volante e bati na traseira de um carro. Felizmente, ninguém se feriu gravemente", lembra.

As histórias retomam a polêmica dos rebites. Os caminhoneiros dificilmente assumem o uso, mas as conversas denunciam que as drogas estão presentes no meio deles. (LM)

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