Para os habitantes do Hemisfério Norte, onde tiveram origem quase todas as festas e comemorações sazonais do mundo ocidental, a correspondência das estações é oposta. Assim, quando durante o solstício do verão se comemora a festa do sol, com as fogueiras de São João no Hemisfério Norte, com todo acerto, no Brasil comemoramos o mesmo acontecimento, se bem que aqui estejamos no inverno. Trata-se de uma dependência à tradição cultural boreal.
Apesar das imagens solares de Cristo estarem em geral associadas ao levante do sol, os cultos solares não foram totalmente assimilados pelo cristianismo. Convém recordar aqui a profecia de Zacarias, pai de São João Batista, anunciando a chegada de Jesus: “Deus trouxe do alto a visita do sol levante, com a finalidade de iluminar aqueles que estão nas trevas e nas sombras do norte”. Assim os primeiros cristãos viram a imagem profética de Cristo no sol, como anuncia o livro de Malaquias. Todavia, é na liturgia e no culto católicos que iremos encontrar os sinais de uma mitologia solar. Com efeito, no momento das orações a Deus, os cristãos voltavam-se para o leste, em direção ao nascer do sol. Por esse motivo, as primeiras igrejas adotaram a tradição dos templos gregos e romanos, que tinham sua fachada voltada para o nascente. Mais tarde, percebeu-se que essa disposição tornava muito difícil o posicionamento, nas igrejas, dos fiéis que vinham orar e dos sacerdotes que oficiavam as missas. Em consequência, desde o início do século IV, não se orientaram mais as fachadas, e sim os absides – cabeceira das catedrais católicas, onde fica o altar-mor – que passaram a ser dirigidas para o levante.
Durante os primeiros ritos de batismo, o sacerdote começava sua ação voltado para o oeste, com o objetivo de recusar o demônio, que dominava o poente, lado mais próximo à noite. No fim, da cerimônia batismal, voltava-se para o leste, onde surge o dia, que estava associado à imagem de Cristo. Não existe dúvida que o cristianismo soube integrar-se às festas pagãs, aproveitando os hábitos e tradições dos povos primitivos para lhes dar uma nova roupagem conveniente aos seus objetivos religiosos. Na realidade, os dirigentes cristãos tiveram muito mais sucesso com o solstício do inverno, instante em que o sol atinge o ponto mais baixo de seu curso no céu, em substituir as celebrações pagãs desse momento pela natividade de Cristo, do que com o solstício de verão. Na realidade, em 24 de junho, o cristianismo festeja o nascimento de São João Batista, que batizou Jesus. Existe uma lenda que sugere que esse evento precedeu em um ano o de Cristo, pois a mensagem de um anunciou a chegada do outro. Assim, situados no momento de dois solstícios, a celebração desses nascimentos dividem o ano em duas partes iguais. Para justificar a data de 24 de junho, a Igreja usou de uma imagem solar, quando, falando de Jesus, do qual se dizia o precursor, São João Batista teria dito: “Necessário que ele cresça para que venha a diminuir”, numa referência ao fato dos dias diminuírem após o solstício do verão.
No século passado, na Franca, era hábito, ao pôr-do-sol do dia 23 de junho, cada habitante da cidade levar lenhas para uma enorme pirâmide de gravetos que se construía na praça principal. Ao anoitecer, o pároco de igreja mais próxima chegava em procissão e ateava fogo à pirâmide de madeira. Os chefes de família passavam pelas chamas um ramo de flores que, na manhã seguinte, antes da aurora, era colocado na porta do estábulo. Só depois desse ritual, os jovens podiam dançar ao redor do fogo e, em seguida, saltar por cima das brasas, cujos restos eram levados para casa. No dia seguinte, ao anoitecer, levavam para o alto de uma colina um enorme cilindro de palha. Com uma longa vara, guiavam o cilindro em chamas, durante a sua descida. Quando a roda de fogo passava, as mulheres e as moças que haviam ficado em casa à espera, gritavam saudando os homens e o fogo.
Nas regiões montanhosas, é hábito ainda subir, antes da aurora, no dia 24 de junho, aos pontos mais elevados das colinas, para esperar o nascer do sol. Quando o astro aparece, grita-se de alegria. Nos vales vizinhos, os sinos das igrejas começam a soar, acordando toda a população. Os que estavam esperando a chegada do sol, nas colinas, voltam para as cidades com ramos de ervas aromáticas as quais atribuem virtudes de cura aos doentes.
As tradições folclóricas das festas de São João, em 24 de junho, possuem até hoje ecos mais pagãos e místicos que todas as outras.
A bibliografia de Mourão
RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO nasceu a 25 de maio de 1935, no Rio. Publicou seus primeiros artigos de divulgação científica na revista Ciência Popular (1952). Entrou em 1956 na Universidade do Estado da Guanabara, onde obteve, em 1960, os títulos de bacharel e licenciado em Física pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras.
Em 1960 publicou seu primeiro trabalho sobre estrelas duplas visuais. No ano seguinte, foi convidado pela União Astronômica Internacional e pela Academia de Ciências dos EUA para participar do Simpósio sobre Estrelas Duplas Visuais realizado em Berkeley, Califórnia, EUA. Ainda em 1960, publicou o seu primeiro livro: Astronomia Popular, edição especial da revista Ciência Popular. Em julho de 1967, obteve o título de doutor pela Universidade de Paris. Em dezembro desse ano voltou para o Brasil, reassumindo suas funções como astrônomo no Observatório Nacional e de pesquisador no Conselho Nacional de Pesquisa. Em março do ano seguinte, foi nomeado astrônomo-chefe da Divisão de Equatoriais.
Mourão elaborou todos os verbetes sobre Astronomia e Astronáutica do Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1975 e 1986) de Aurélio Buarque de Holanda. Coordenou os setores de Matemática e Astronomia da Enciclopédia Mirador Internacional, publicada em 1975 pela Enciclopédia Britânica do Brasil. Nessa obra, além dos verbetes monográficos sobre Astronomia, redigiu e desenhou uma uranografia com mais de vinte e seis pranchas. Em 1977, produziu a série Céu do Brasil, programas radiofônicos produzidos para o Projeto Minerva, onde associava fenômenos e conceitos astronômicos, poesia, folclore e música popular brasileira.
Obteve em 1978, pelo conjunto de seus trabalhos, o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. As suas principais contribuições astronômicas foram efetuadas no campo das estrelas duplas, asteróides, cometas e estudos das técnicas de astrometria fotográfica. Possui mais de uma centena de artigos de pesquisas publicados em diversas revistas internacionais especializadas em Astronomia e mais de mil ensaios publicados em livros, revistas e jornais. Além disso, já publicou mais de quarenta livros, aos quais se somam cerca de quarenta livros já editados.
O asteróide 2590, descoberto em 22 de maio de 1980, foi batizado com o nome Mourão. Segundo o registro feito em 2 de julho de 1985, no Minor Planet Circular, o nome desse asteróide “é uma homenagem ao astrônomo R.R. de Freitas Mourão, conhecido por seu trabalho sobre estrelas duplas, pequenos planetas e cometas”. Em maio de 1994 foi eleito membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Em janeiro de 1995, foi eleito membro-titular do Pen Clube, pelo conjunto de seus ensaios científico literários. Em 9 de novembro de 1995, foi eleito para sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio.