Rotulagem de transgênicos é questionada

O decreto sobre a Lei n.º 14.861/2005, assinado no último dia 22 pelo governador Roberto Requião, e que daria prazo de dois meses para que o empresariado indique nos rótulos a presença de Organismos Vivos Modificados (OVMs) em seus produtos, está causando polêmica e muita confusão entre entidades representativas do setor de alimentos. Caso a lei venha a vigorar – isso ainda não é possível porque há contra ela uma ação direta de inconstitucionalidade tramitando no Supremo Tribunal Federal -, o que se sabe, apenas, é que o reflexo dos custos de separação e rotulagem vão doer no bolso do consumidor. Ainda assim, ao que parece, o comprador já formou sua opinião: acha importante saber o que existe no alimento que leva para casa.

Os problemas em torno da lei se resumem, principalmente, no desencontro com o que determina a legislação federal. A Lei n.º 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança, e o Decreto Federal n.º 4.680/2003 estabelecem que somente os produtos que contenham mais de 1% de OVMs em sua composição devem conter a informação nos rótulos. Já a lei estadual não cita referências a porcentagens, o que dá a entender que em qualquer quantidade os transgênicos terão de ser indicados. Um dos setores que se preocupa com a questão é o do óleo de soja. No processamento do grão, farelo e óleo são separados, mas é no farelo que fica concentrado o DNA do produto, ou seja, onde estaria a modificação genética. "O que pode ficar no óleo é apenas residual, uma quantidade muito pequena, menos que 0,1%. Colocar no rótulo poderia até confundir o consumidor, dando a ele uma desinformação", explica o secretário executivo da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Fábio Trigueirinho.

O símbolo escolhido para identificar o produto transgênico – a letra T dentro de um triângulo amarelo – também tem conotação negativa, acredita. "Parece uma coisa perigosa, pode causar uma percepção inadequada ao consumidor", diz. O empresariado defende ainda que a soja transgênica só foi liberada para comercialização no País após pesquisas minuciosas por parte da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que monitora produtos do tipo no País. "É consumida nos EUA há dez anos e não se tem notícia de nenhum problema à saúde e ao meio ambiente", defende Trigueirinho. A associação atesta que, caso a lei venha a vigorar no Paraná, as empresas irão cumpri-las, mas o custo, fatalmente, resultará no preço final do produto.

É a mesma análise que fazem as federações da Indústria e da Agricultura do Estado do Paraná (Fiep e Faep). Para a Fiep, o tema gera "conflito de normas nos âmbitos federal e estadual". O posicionamento oficial divulgado pela federação diz ainda que "sob o ponto de vista da comercialização, vai provocar um grande embaraço para as indústrias do setor, elevando substancialmente seus custos e praticamente inviabilizando a operação logística, o que afetará os preços para o consumidor". O mesmo alega o assessor da diretoria da Faep, Carlos Augusto Albuquerque, acrescentando ainda que os custos adicionais por conta da rotulagem nos produtos paranaenses implicaria em perda da competitividade com produtores não afetados pela lei. "Por isso é inviável. O Paraná não pode ser uma república independente", resume.

O governador Roberto Requião já teceu duras críticas aos posicionamentos contrários à lei estadual. Recentemente, disse que "a não-rotulagem é uma afronta ao consumidor. Se traduz na falta de liberdade da pessoa saber o que está comprando".

Pesquisas com a tecnologia continuam

Quem se posiciona a favor dos transgênicos afirma que a liberação do uso só pode ser feita mediante resultados de pesquisas e análises no que se refere à segurança ambiental e à saúde humana e animal. Para o professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fábio de Oliveira Pedrosa, o desenvolvimento de tecnologia transgênica em diversos produtos é um processo irreversível. "E não só as multinacionais estão envolvidas, mas as instituições nacionais, internacionais e até governamentais", afirmou.

Ele atesta que até mesmo vacinas são hoje produzidas a base de produtos transgênicos, e que estes oferecem vantagens, como uso de menos agrotóxicos e maior controle sobre ervas daninhas. "Os transgênicos devem ser usados para um determinado fim, como obter variedades adaptadas para o Brasil", explica. Uma dessas variedades, cita, é a cana resistente à seca.

Segundo o professor, só foram identificados problemas com transgênicos até hoje em animais experimentais. "Já aconteceu de ratos se intoxicarem. Mas a partir daí abandona-se aquela modificação", diz. Quanto às conseqüências em longo prazo para o consumo humano, Pedrosa admite que, da mesma forma que outros produtos que ingerimos hoje, como os agrotóxicos, podem levar tempo para se ter uma noção exata. "Pode ser que demore até cem anos para descobrirmos. Por isso é importante a observação", ressalta.

Já movimentos ligados a agricultores, como a Via Campesina, além de organizações não-governamentais, justificam suas críticas aos transgênicos em cima dessa incerteza e nos interesses de multinacionais envolvidas neste tipo de produção. (LM)

Mercado de rações deve sentir impacto

Um setor que deverá sentir a lei da rotulagem, caso venha a vigorar, é o de rações. É que essas são feitas a base do farelo, justamente onde se concentra a proteína da soja ou do milho e onde fica a identificação genética. O que o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sidirações) questiona, no entanto, é como o elemento transgênico influencia no animal para que esse tenha de ser rotulado, caso alimentado com ração que contenha transgênicos – lembrando que, de acordo com a lei, carnes e embutidos de animais que tenham sido alimentados com ração a base de grãos transgênicos também terão de ser rotulados. "Nenhum alimento ingerido transfere código genético para outro, não existe detecção de transgeníase num animal que consumiu produto transgênico. Sendo assim, teria de rotular?", indaga o supervisor técnico do sindicato, Ricardo Luiz Zucas. Ele afirma que, contabilizando todas as etapas do processo de produção das rações, fazer a rotulagem para apenas um estado sairia caro. "A solução seria colocar o T em tudo, mas ficaria discriminatório", acredita.

Fiscalização

Ainda segundo Ricardo Zucas, os custos para adaptação viriam não apenas da parte privada, mas também da pública, que precisaria investir em pessoal e treinamento para a fiscalização. "E como vai se fiscalizar isso?", pergunta ainda. A Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab) informa apenas que, junto com a Secretaria da Saúde e o Procon, está estudando como cada um dos órgãos irá fiscalizar.

Escolha

Apesar das dificuldades que o empresariado enfrentaria para rotular produtos em um prazo considerado curto, quem está ligado às corporações que pesquisam transgênicos, assim como o governo, acredita que indicar ao consumidor é primordial. Recentemente, durante a 8.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8), o representante da Croplife International – instituição que representa multinacionais pesquisadoras de modificações genéticas em plantas, como a Syngenta -, Michael Leader, afirmou que "a rotulagem não é assunto de segurança; é, sim, uma escolha do consumidor". Mas a afirmativa foi feita em meio a uma pergunta: "Hoje, você sabe quais produtos compra no supermercado que contêm transgênicos e em que porcentagem contêm?". (LM)

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