Não é de hoje que a BR-277, na região da Serra do Mar do Paraná, traz à tona questionamentos sobre o porquê de não haver alternativas à rodovia que se tornou um gargalo logístico de profundo impacto sobre o escoamento da produção agrícola.
Bloqueios e limitações de tráfego na estrada, seja por problemas estruturais da via ou instabilidade de encostas, acontecem há anos. E, a cada vez, levantam uma enxurrada de reclamações e inseguranças quanto à dependência da rodovia como único acesso para veículos de carga ao Porto de Paranaguá.
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Projetos para desafogar a BR-277 e criar novos caminhos e meios de alcançar o porto existem. Entre eles, estariam a construção do traçado da BR-101 no Paraná e a execução de um outro trajeto chamado Corredor Logístico Sul.
Mas o pleito pela BR-101 tem tantos anos quanto os problemas da estrada, com perspectivas de sair do papel, com sorte, no médio a longo prazo. E mesmo a sugestão do Corredor Logístico Sul, mais recente, ainda precisaria do pontapé inicial dos estudos de viabilidade para ser efetivada.
O que especialistas e usuários das estradas têm por unanimidade é que, se nada for feito já, o problema pode ficar incontornável. Especialmente de outubro de 2022 para cá, a BR-277 tem dado trabalho e gerado insegurança para quem depende da estrada para ir ao litoral.
De atrasos e prejuízos para a descida de cargas ao porto a danos ao setor do turismo, a rodovia carrega as consequências de deslizamentos de encostas, afundamentos do asfalto, obras que se estendem por meses com operações de limitação de tráfego, longos trechos com buracos e, para coroar a situação, a demora na licitação para eleger uma nova concessionária para administrar o trecho – o que limita as condições de monitoramento e intervenções.
BR-101 no Paraná
Das alternativas rodoviárias à BR-277 para acesso de veículos de carga ao porto, a mais comumente falada seria a execução do traçado da BR-101 cortando o Paraná, única unidade da federação no litoral ainda não cortada pela rodovia que liga o Brasil de norte a sul.
Originalmente, o traçado começaria na divisa com Santa Catarina, em Garuva, cortaria a Serra do Mar, passando pelas comunidades de Cubatão até Marta (pontos A a E do infográfico abaixo) e, de lá, se conectaria à BR-116 (rodovia Régis Bittencourt), até a divisa com São Paulo. Uma discussão que se estende desde a década de 1980, com diversas idas e vindas.
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Desde então se percebia que a implantação do trecho seria de alto custo e causaria impactos ambientais significativos ao longo dos 155 quilômetros da rodovia, especialmente nas áreas que cortariam a serra. Problema que, hoje, já teria condições de ser superado, para o professor Eduardo Ratton, do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“No passado havia dificuldades para construir com alternativas que não agredissem a natureza, mas hoje temos tecnologia para isso. O processo de construção tradicional evoluiu e há soluções menos agressivas para as questões ambientais. A engenharia tem meios de construir de forma adequada, minimizando e compensando os impactos inevitáveis. Coloco como ponto de decisão esse fato porque é isso que tem sido obstáculo na viabilização desse projeto”, enfatiza.
Estudos que nunca evoluíram para projetos
O fato é que a BR-101 no Paraná nunca saiu da fase dos estudos preliminares para avançar a um projeto palpável. Em 2007, o Departamento de Infraestrutura de Transportes do Paraná (Dnit-PR) encomendou o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para avaliar a construção. Mesmo hoje o departamento não informa a conclusão do estudo daquele ano.
Em 2014, o governo do Paraná entrou no jogo e encaminhou um pedido de licença prévia para a obra ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Dois anos depois, foi lançada uma convocatória para estudar a viabilidade da implantação, mas, por falta de obtenção de recursos para financiar o projeto, a única empresa que se candidatou ao pleito desistiu da empreitada.
A partir daí, o Estado saiu de cena e os estudos seguiram nas mãos do Dnit. E o órgão informa que, no momento, “trabalha na elaboração do denominado Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA)”. O Dnit não fornece mais detalhes sobre o projeto, já que, segundo o órgão, “os documentos são parte dos estudos preparatórios licitatórios, portanto sigilosos, exceto para órgãos de controle, até o final da licitação pretendida pela Administração”.
Mas enfatiza que não há projeto ou qualquer estimativa para construir a BR-101 no Paraná. Trata-se apenas de um estudo que visa a elaborar o melhor traçado, sem implicar na contratação dos demais passos na sequência.
Algo que, na opinião de Ratton, é inconcebível na atual condição logística do Paraná e de outros estados, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo e Santa Catarina, que escoam suas produções para o Porto de Paranaguá, o segundo terminal em exportações do País. Com alternativas de acesso ao litoral, o impacto na outra ponta se daria também na segurança dos usuários das estradas, já sobrecarregadas, e até mesmo nas tarifas dos novos pedágios.
“Se diminui o uso sobre uma determinada rodovia (no caso, a BR-277) também se compensa a arrecadação menor com custos de conservação e operacional menores. Isso sem falar na redução de acidentes. O nosso crescimento de cargas é muito grande, os portos vão continuar crescendo e, sem alternativas, eles não têm como aumentar sua capacidade”.
O Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Paraná (Setcepar) acompanha desde 2007 o andamento dos estudos para o traçado da BR-101 no Paraná. Mas também não tem informações sobre a evolução do processo. “Não se tem notícia ou retorno de que ponto está (o estudo) e o que foi feito de fato. Mas o que sabemos é que precisaria ser tudo revisto, até porque as necessidades teriam que ser totalmente atualizadas”, antecipa o presidente do sindicato, Silvio Kasnodzei.
Além do sindicato, o Instituto Democracia e Liberdade (IDL), entidade sem fins lucrativos que trabalha em projetos para o desenvolvimento do Estado, também luta por alternativas. “Se chover na Serra do Mar metade do que choveu no litoral Norte de São Paulo, a BR-277 pode ficar totalmente fechada por meses, ou até anos, impedindo o acesso de caminhões ao porto e praticamente isolando os municípios do litoral”, prevê Edson Ramon, presidente do IDL.
O projeto viabilizado pelo instituto, batizado Porto de Paranaguá pede Socorro, prevê a construção do trecho paranaense da BR-101 como uma necessidade urgente. A entidade está buscando agenda com o Ministério dos Transportes para apresentar o projeto.
Além do Dnit, a Gazeta do Povo também consultou o ministério para saber se o projeto é viável e se há possibilidade desse investimento, mas não obteve resposta até o momento desta publicação.
Mais uma opção rodoviária no litoral paranaense
Com o entrave para a execução da BR-101 no Paraná se estendendo por décadas, há que se cogitar uma terceira via para contornar a situação de forma mais agilizada e criar novas alternativas à BR-277. Segundo o gerente de Assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), João Mohr, o Corredor Logístico Sul seria a alternativa.
“Dez anos atrás houve uma chuva muito forte em que desmoronaram barreiras e pontes foram destruídas na BR-277. Ficamos sem acesso ao porto até que elas fossem reconstruídas em regime emergencial. Teve indústrias que, estando com peças em Paranaguá, contrataram aviões para não parar a linha de produção. E naquela época tínhamos pedágios. Isso mostra que não é só essa questão, o que nós precisamos é de alternativas de acesso”, defende Mohr.
A proposta do corredor foi formulada pelo Instituto de Engenharia do Paraná (IEP), em um pleito que reúne a Fiep e o Movimento Pró-Paraná. A alternativa sugere contornar a Baía de Guaratuba com a rodovia, aproveitando parte do traçado que já é uma estrada de terra de 22 quilômetros, entre o município de Garuva e o distrito de Cubatão (pontos A e B do infográfico) e, de lá, continuar o traçado no trecho de 23 quilômetros que se estende entre Cubatão e Colônia Pereira (ponto C do mapa). Ali, a rodovia encontraria a PR-508 (rodovia Alexandra-Matinhos), já duplicada e que necessitaria de reforços estruturais para suportar caminhões mais pesados.
Opções rodoviárias para o litoral do Paraná
Seria uma espécie de binário envolvendo as duas rodovias, BRs 277 e 376. “No caso de interditar a BR-277, o caminhão que desceria por lá vai pela BR-376 e pode acessar essa estrada. E serve também como solução para o caso de interditar a BR-376, fazendo o caminho contrário”, destaca o gerente da Fiep.
Nelson Luiz Gomez, presidente do IEP, defende que o Corredor Logístico Sul seria a forma de resolver o problema de acesso ao porto, sem impactar em tráfego pesado dentro de Guaratuba, no litoral, mesmo depois da construção da ponte que vai ligar a cidade ao município de Matinhos – hoje conectados somente por ferry boat, com limitação de veículos até 26 toneladas.
“O trecho que passaria entre Cubatão e Colônia Pereira cortaria uma parte do Parque Estadual de Saint Hilaire, mas a estrada seria enclausurada para que os veículos não tivessem acesso à região e não danificassem o parque. A proposta é cercar a estrada, sem permissão de comércios e postos no entorno. E com passagens subterrâneas para animais”, descreve Gomez.
A obra incluiria um túnel de cerca de 200 metros e tem custo estimado em R$ 650 milhões, se feita em pista dupla. Já o traçado originalmente pensado para o que seria a BR-101 no Paraná incluiria um túnel de 3 quilômetros, a custos bem mais altos (estima-se que o traçado todo custaria pelo menos R$ 1,5 bilhão).
Os custos para implantar o corredor logístico quase coincidem com os prejuízos que somente o setor do agronegócio teve com as interrupções e a falta de alternativas às BRs 277 e 376 nos últimos meses. Se somados ao que os transportadores acumularam em prejuízos, o valor começa a ficar mais próximo da obra da BR-101.
“Sabemos que no transporte acumulamos prejuízos da monta de R$ 400 milhões com os problemas das rodovias, envolvendo todos os custos das operações do setor, inclusive o ônus de ter que transportar por outros locais. Para o agro, passa de R$ 600 milhões (o prejuízo). E a gente está falando de dois segmentos apenas, imagine se somar o setor do turismo no litoral”, avalia Silvio Kasnodzei, do Setcepar.
“O que estamos pedindo é que se faça um EVTEA J (com análise de viabilidade jurídica). Não adianta só ter o estudo técnico e ambiental e esbarrar em alguma lei que emperre o projeto”, explica Nelson Gomez, do IEP. O EVTEA é pré-requisito para que, depois, seja feito o projeto básico, origine-se a licitação e finalmente se chegue ao projeto executivo para concretizar a obra.
O IEP espera que os governos federal e estadual olhem com atenção para o caso e viabilizem o estudo, que custa entre R$ 3 e 5 milhões e leva pelo menos um ano para ficar pronto. Um detalhe é que no traçado do corredor entre Garuva e Cubatão estão cerca de 3 quilômetros que passam dentro do estado de Santa Catarina. “Em tese quem deveria fazer é o Dnit, mas o maior interessado é o Paraná, que tem dependência total de exportação do porto”, avalia Gomez. Portanto, independente da alçada, a expectativa é que as alternativas rodoviárias tenham andamento.
Da parte do governo do Paraná, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PR) informa que “não conta atualmente com previsão de implantar nova rodovia na região do litoral, estando seus esforços concentrados na conservação e manutenção de pavimentos e obras de arte especiais das rodovias estaduais da região, bem como na implantação da nova Ponte de Guaratuba, atualmente em fase de obtenção de licença ambiental”.
Considerando as iniciativas discutidas em anos anteriores, o DER acredita que a implantação da BR-101, iniciativa do governo federal ligando o município catarinense de Garuva até a BR-277, e a BR-277 até a BR-116, seria a alternativa mais viável para garantir o escoamento da produção até o Porto de Paranaguá e desafogar as rodovias federais que cruzam o litoral com propósito semelhante, não sobrecarregando as rodovias estaduais litorâneas.
Condições do trecho entre Curitiba e Paranaguá
No que se refere às manutenções na BR-277 no trecho que conecta Curitiba a Paranaguá, o Dnit informa que segue monitorando a situação do pavimento e da sinalização do segmento. Nas obras do km 42, onde houve o deslizamento de encosta em outubro do ano passado, o órgão iniciou a instalação de telas e o guincho que era usado nas obras no local foi retirado no último dia 28. O Dnit promete recuperar as pistas nas duas faixas que estão bloqueadas antes da liberação. No km 41, onde quem atua é o DER-PR, a instalação da tela de contenção também segue em fase final e deve ser concluída até abril.
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Já nas obras no km 33, onde houve o afundamento do asfalto no início de março, o departamento fará contratação de emergência de empresa especializada em serviços de contenção de aterro em rocha e solo grampeado. Para as obras no km 42 foram gastos R$ 1,7 milhão; já no km 33 não se tem estimativa ainda do quanto deve ser aplicado.
Quanto aos buracos na pista, o Dnit atesta que foram motivados pelas chuvas e que os serviços de tapa-buracos emergenciais iniciaram no último dia 17. O departamento informa que determinou à empresa contratada que tape todos os buracos do segmento e realize serviços de recuperação estrutural em todo o pavimento, os quais devem começar em abril.
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