Direitos burlados

Reunião discute situação de trabalhadores haitianos na construção

Uma audiência no Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) em Curitiba vai discutir, a partir das 14h de hoje, a situação dos trabalhadores haitianos na construção civil do Estado. A audiência foi motivada por denúncias recebidas no ano passado, que motivaram a abertura de uma investigação, que constatou irregularidades com esses imigrantes. Muitos deles não tiveram seus direitos trabalhistas honrados pelas empresas de construção civil, que teriam deixado de pagar verbas rescisórias e não deram condições de segurança e saúde no trabalho.

Cinco empresas de construção civil e o Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil (Sintracon) foram convocados para discutir o problema. A expectativa do procurador do trabalho Alberto Emiliano de Oliveira Neto, que vai mediar a sessão, é a de que a partir de hoje haja a regularização da situação trabalhista destes imigrantes.

Estima-se que Curitiba e a Região Metropolitana abriguem cerca de 2.500 haitianos, número que vem crescendo a cada mês. Boa parte deles, que veio ao Brasil em busca de melhores condições de vida, esteja trabalhando na construção civil. Só nas obras da Arena da Baixada para a Copa do Mundo, por exemplo, que empregou cerca de mil trabalhadores diversos, 65 operários eram haitianos.

A denúncia, que culminou com a audiência hoje teria sido feita pelo Sintracon. Segundo uma entrevista que o presidente da entidade deu ao jornal espanhol El País, em fevereiro, uma média de 15 haitianos comparecem ao sindicato, semanalmente, para denunciar baixos salários, precariedade de alojamentos e falta de segurança.

Nádia Floriani, advogada da organização não-governamental Casa Latino Americana (Casla) e também presidente da Comissão dos Direitos dos Refugiados e Imigrantes da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR), explicou que uma das grandes barreiras destes imigrantes aqui é o idioma e a falta de conhecimento da cultura e legislação local. Muitos patrões se aproveitam disto para deixar de cumprir com as obrigações trabalhistas em relação aos imigrantes.

Os problemas mais comuns, constatados pela Casla, são de remuneração muito abaixo dos outros trabalhadores brasileiros, não pagamento de verbas rescisórias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), 13.º salário, entre outros. Estes patrões também estariam faltando com sua responsabilidade de promover segurança e saúde no trabalho, deixando de fornecer equipamentos, orientações e verificações de saúde.

Outro grande problema são as terceirizações e até quarteirização de obras, o que torna o vínculo empregatício desses trabalhadores bastante frágil.

Nível superior

A maioria dos haitianos que busca trabalho no Brasil, diz Nádia, vai para a construção civil, atividade que geralmente os paga melhor. Mas o impressionante é que, entre os operários, existem alguns graduados (advogados, engenheiros, jornalistas, etc.), que se sujeitam ao subemprego no Brasil, por ser bem melhor remunerados que uma vaga superior no seu país de origem. Isso quando há vagas por lá, já que desde a devastação pelo terremoto, em 2012, emprego tem sido coisa rara. Os haitianos começaram a chegar por aqui em 2010, mas o movimento imigratório se tornou maior depois do desastre natural.

No Norte do Paraná, diz Nádia Floriani, presidente da Casa Latino Americana (Casla), muitos trabalham em marmorarias e no setor têxtil. Depois de um ou dois anos trabalhando no Brasil, muitos haitianos conseguiram trazer as suas famílias para cá, o que fez o número de imigrantes daquele país ficar mais visível pelas ruas. Em Curitiba, não é difícil ver grupos de haitianos pelo Centro.

Cici,ro Back
Jean: “Aqui tem água e emprego”.

Pouco dinheiro aqui é muito por lá

Apesar dos baixos salários pagos aos haitianos por aqui, que ocupam os empregos com as menores rendas, muitos dos imigrantes são felizes e gratos com o que conseguiram no Brasil. É o caso de Jean André Augustin, 27 anos, que começou a trabalhar na empresa Poliservice em janeiro, como auxiliar de serviços gerais.

Sua dedicação ao trabalho já lhe rendeu uma promoção. Em maio, ele passou a atuar como auxiliar de expedição, ganhando pelo menos 50% a mais do que ganhava antes. “Ele cumpre certinho os horários, aceita tudo o que pedimos para ele e as orientações, é atencioso e até corrige os colegas que estão fazendo errado o serviço”, diz o atual chefe de Jean, Celso Schmitz, que não descarta melhorar o salário do imigrante daqui a alguns meses, por causa da dedicação do funcionário.

Jean conta que, mesmo antes do terremoto que devastou o Haiti, em 2012, a situação lá já era muito ruim. Ele diz que passou muita fome, não tinha água para beber, não tinha emprego disponível e a criminalidade era muito alta. “Lá, o comércio fecha às 17h. Às 18h, você não vê mais ninguém na rua. Todo mundo se recolhe. É violento”, diz Jean, falando um português bom, mas que mistura palavras do francês e do espanhol. “Ele já melhorou bastante”, comenta Celso.

Por causa de tantas condições precárias, Jean decidiu morar na República Dominicana, país que divide a mesma ilha que o Haiti. Lá ficou por cinco anos, mas não consegui tantas melhoras. Continuou sofrendo com a fome, a violência e o preconceito da polícia.

Ano passado, ele veio ao Brasil e morou por um ano no Amazonas. Mas acabou vindo atrás de alguns familiares, que já estavam residindo e trabalhando em Curitiba. “Aqui eu como direto, tomo água, tem emprego, tem dinheiro”, disse Jean, que foi elogiado por sua supervisora anterior, Eliane. “Ele cumpria bem suas tarefas. Era pontual. Nunca tive problemas com ele”, relatou.

Jean quer buscar outros familiares que ficaram no Haiti. Agora ele tem tranquilidade em pensar no longo prazo da sua vida, revelando que pretende envelhecer no Brasil e ver seus netos crescendo felizes por aqui.

Veja na edição de amanhã a situação precária da maioria dos haitianos e o que algumas entidades têm feito em defesa desses imigrantes.

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