Restrição da Anvisa causa polêmica

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicará em breve nova regulamentação para restrição dos horários de veiculação das propagandas de bebidas alcoólicas em rádio e televisão. Das 8h às 20h, prevê o texto, nada de comercial de cerveja, vinhos e outros fermentados. A determinação é polêmica e está gerando descontentamento entre fabricantes e publicitários, mas aponta para certa satisfação de quem acredita que o consumo excessivo de álcool está diretamente ligado à exposição que o produto tem na mídia.  

A gerente de monitoramento e fiscalização de propaganda da Anvisa, Maria José Delgado Fagundes, explica que a resolução, em fase final de ajustes, é parte integrante da Política Nacional sobre o Álcool, um conjunto de medidas para prevenir o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e ampliar o acesso a tratamento para pessoas dependentes. ?Essa proposta foi construída com base na lei n.º 9.294 (de 1996) e no código de ética do Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária). Fizemos consulta pública que ficou disponível para avaliação social até 17 de março?, conta.

A participação popular resultou em 157 contribuições. Destas, 51 apontaram para proibição total da propaganda de bebidas alcoólicas, 58 foram a favor de regulamentação para esse tipo de publicidade e 17 contra. Houve ainda 23 posicionamentos de natureza diversa, dois pedindo a prorrogação do prazo e seis a favor da exclusão dos vinhos do mercado publicitário. ?Percebemos a inclinação da sociedade para a regulamentação. Temos lei que garante a publicidade, mas a própria legislação aponta que os produtos que possam causar dano à saúde devem sofrer restrições. É isso que estamos fazendo?, conclui.

Apesar de fabricantes de cerveja e publicitários questionarem a atribuição legal da Anvisa para legislar sobre a questão, a agência insiste que está agindo dentro do que prevê a Constituição. Por isso, a diretoria colegiada deve votar a resolução já nos próximos dias. Entretanto, o inciso que deve restringir o horário ainda pode sofrer modificações, admite Maria José. ?É muito polêmico e ainda tem de passar por aprovação final da auditoria colegiada?, diz.

Além disso, o texto inclui frases de advertência quanto aos possíveis efeitos do álcool para a saúde em campanhas publicitárias, inclusive as de pontos de venda. No que se refere à exclusão da publicidade de bebidas alcoólicas como a cerveja, também solicitada pela participação popular, a gerente adianta que, por enquanto, não será possível. ?Apenas regulamentamos o que já está previsto em lei, mas hoje se caminha para pensarmos melhor a legislação. A 9.294 é muito rígida para tabaco; no entanto, a parte de bebidas precisa ser melhorada, assim como foi feito para o cigarro. Acredito que esse é o caminho a ser ajustado?, prevê.

Pequenos vêem oportunidade na crise

Há fabricantes que acreditam que a restrição de horários para propagandas de bebidas na TV e rádio não seja tão ruim assim. Um exemplo é o diretor de marketing da cervejaria paranaense Colônia, Luís Cláudio dos Santos. ?Deve até beneficiar as marcas menores, como nós, que trabalham mais o corpo a corpo e a propaganda no ponto de venda. A mídia de massa acaba beneficiando as marcas mais fortes e, dessa forma, a restrição pode significar até mais competitividade?, avalia.

Ele acredita ainda que a restrição pode levar o setor a investir mais na criatividade, inovando em produtos, segmentação de público e intensificando o trabalho em canais específicos de comunicação, como os próprios bares. ?O Brasil tem muito espaço para desenvolver propaganda de cerveja. Nosso mercado é grande e, em vez de reclamar, temos de ver as oportunidades que se abrem?, opina.

À frente do marketing de outra pequena produtora paranaense, a Spoller, o gerente Marcelo Barreto não vê dessa forma. ?Não pega na veiculação direta do nosso material, que é trabalhado mais nos pontos de venda, mas atrapalha no sentido de impor limitações caso venhamos um dia anunciar nesses veículos?, afirma. No entanto, ele não vê a restrição como algo que prejudique de forma crucial o setor. ?Mesmo não tendo como evitar a restrição, dá para se comunicar. Tem-se apenas que fazer o encaixe na grade de mídia e o público você acaba atingindo de qualquer forma. Pode não ser tão bom quanto antes, mas a ferramenta de mídia continua sendo funcional.?

Divergências entre médicos e fabricantes

O psiquiatra especialista em dependência química Marco Antônio Bessa – que representou o Conselho Regional de Medicina do Paraná nas audiências que discutiram a regulamentação – acredita que a restrição de horário é medida tímida, mas importante. ?Qualquer país sério do mundo tem controle de propagandas do tipo; em alguns, a restrição é total, como na maior parte da Europa e dos Estados Unidos?, exemplifica.

Para ele, a propaganda estimula, sim, o consumo – caso contrário não se investiriam cifras milionárias neste segmento. ?No Brasil, o problema maior é com a de cerveja, que também não tem controle de conteúdo. A mensagem que passam é que a bebida é saudável, usando a imagem de pessoas reconhecidas socialmente e bem-sucedidas do ponto de vista atlético e material.? Por isso, o médico acredita que, apesar da regulamentação de horário ser passo importante, está longe de ser suficiente. ?Lutamos pela restrição total da propaganda de bebida alcoólica. Isso não significa proibir a venda, mas o estímulo.?

Não é o que pensa o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), Marcos Mesquita. ?Não há estudos que demonstrem ligação direta entre publicidade de cervejas e o uso abusivo de bebida alcoólica. Todos nós reconhecemos que abusar é indevido e o uso ilegal por crianças e adolescentes é crime. Mas não há problema que adultos que bebam com moderação e responsabilidade tenham liberdade de escolha da marca e do consumo por meio da publicidade.? Além disso, para Mesquita, proibir que os comerciais veiculem das 8h às 20h não é garantia que menores deixem de ter acesso à propaganda.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo