Realocação quarenta anos depois em Paranaguá

Há cerca de 40 anos, as famílias que moram nas vilas Becker e no Canal do Anhaia, no entorno do porto de Paranaguá, na região considerada de risco por abrigar empresas que trabalham com produtos perigosos, estão constantemente em perigo.

E para piorar, a determinação da Justiça de que elas devem ser retiradas do local não fez efeito até agora e, somente na semana passada, o governo do Estado anunciou um plano de realocação.

Porém, nenhum morador da região acredita, pois como eles mesmos dizem, já faz tantos anos que a história se estende que ninguém mais crê em mudanças. A grande maioria das famílias não quer ser realocada e exige indenização caso sejam retiradas do local.

Se não bastasse a explosão no navio Vicuña há mais de cinco anos – que até hoje deixa marcas, como casas rachadas, por exemplo, e o medo das pessoas – a situação foi agravada há cerca de duas semanas, quando um vazamento no Terminal Público de Álcool mais uma vez assustou quem mora no local.

Luís Carlos Alves, morador da Vila Becker, afirma que sua família não aceita deixar o local para ir morar no bairro Porto Seguro o local disponibilizado para a realocação. Ele diz que a região não tem a infraestrutura que há na Vila Becker.

“A minoria das pessoas que vive aqui quer ir para lá, a maioria quer indenização. Quando as casas foram montadas aqui ninguém falou nada, mas agora que a região tem valor o governo está em cima”, reclamou.

Para Davi Alves da Silva, que mora há 40 anos na Vila Becker e diz não acreditar nas mudanças, sair de sua casa só é possível se a proposta for atrativa. “Na época, o próprio porto cedia as casas para os moradores. Agora querem dizer que temos pouco tempo de moradia, é um absurdo. A verdade é que essa região é uma mina de ouro para eles, por isso querem que a gente saia”, indigna-se. Darlo Marques, que mora no Canal do Anhaia, não quer nem ouvir falar de realocação. “Eu quero uma indenização justa para sair daqui”, afirma.

A representante da Associação da Vila Becker, Simone Leone, deixou claro a posição da comunidade. “Não é que a gente não queira sair daqui. Não concordamos é com o método da retirada, pois cada morador quer uma coisa. Não exigimos milhões, queremos apenas ter o direito de escolha. As pessoas querem uma indenização justa, todos têm uma história aqui”, afirma.

Muitos moradores dizem ter medo de viver em uma área de risco, outros não se importam, pois afirmam “já ter se acostumado”. Para Simone, não há preocupação com os moradores, mas apenas com o lucro, já que a região é de área de expansão do porto. “Se eles se preocupassem com a gente iriam nos tirar daqui primeiro e só depois fazer o terminal de álcool”, afirmou.

Imblóglio gera ação do MP

Por conta do imbróglio que envolve as empresas da área de risco, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil pública em 2008 contra todos os envolvidos na questão: a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a União Vopak Armazéns Gerais Ltda, a Fospar S/A, a Cattalini Terminais Marítimos Ltda, e a Petrobras Transportes (Transpetro).

Segundo o MPF, o objetivo da ação é impedir “afronta à legislação ambiental, em razão da concessão de licenças e autorizações ambientais pelo IAP em favor da Appa, para implantação e operação de um terminal de armazenamento, embarque e desembarque de álcool, sem a necessária elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA)”.

Ou seja, até hoje o Terminal Público de Álcool – aquele onde ocorreu, o vazamento duas semanas atrás – não possui autorização ambiental para funcionar. No que tange à Appa, a ação questiona a falta de licenças ambientais corretas para o funcionamento do terminal.

Por conta disso, a Justiça Federal concedeu liminar favorável ao MPF proibindo a Appa de realizar novos contratos ou receber qualquer quantia de álcool no local. Aparentemente dispostos a encontrar uma solução extrajudicial, todos os envolvidos no caso fizeram uma reunião este ano e o MPF decidiu suspender a ação, já que houve entendimento.

O procurador responsável pela ação, Alessandro José Oliveira, não deu entrevista porque está em férias. Mas, segundo o MPF, durante a reunião o IAP e a Appa se comprometeram a não colocar o terminal em funcionamento até que as famílias fossem retiradas do local.

Porém, isso não ocorreu, já que a Appa considerou que a suspensão da ação também implicaria no cancelamento da liminar. Mas, para o MPF, agindo desta forma a Appa usou de”má-fé”, e a ação foi retomada em junho deste ano.

Em meio à batalha judicial, a última decisão da Justiça foi a favor da Appa, e agora os portos não estão mais obrigados a retirar as famílias das vilas e a suspender as atividades do terminal de álcool.

Appa quer acelerar o processo

O procurador jurídico da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa), Maurício de Souza, explica que, apesar da decisão favorável ao porto, a Appa pretende acelerar o processo de realocação junto com a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar).

Segundo a Cohapar, está previsto o investimento de R$ 8 milhões para a construção de 60 casas para quem vive na Vila Becker, em um primeiro momento. Em seguida, a previsão é construir outras 125 residências e, em uma terceira etapa, mais 165.

Porém, a Cohapar não informou os prazos para as construções. “Queremos fazer a realocação porque se trata de uma área de expansão portuária”, afirma Souza. O presidente da Cohapar, Rafael Greca, não atendeu a reportagem de O Estado, mas a assessoria de imprensa garantiu que o bairro Porto Seguro ganhará urbanização básica, três escolas, além de já ter linhas de transporte coletivo.

Com relação às famílias, Souza comenta que elas ocuparam o local mesmo quando já existia a Transpetro e a Catallini. “Elas sempre estiveram sob risco. Ninguém nunca reclamou, e foram ficando. Mas agora a Appa quer resolver a situação”, afirma.

Já sobre a licença ambiental do terminal de álcool, Souza explica que agora o documento está em andamento no IAP, já que a licença que existe é de “caráter precário”, como ele mesmo afirma.

“Agora determinamos que o terminal não vai funcionar até que a licença permanente fique pronta”, informa. A reportagem telefonou para o presidente do IAP, Vitor Hugo Burko, mas ele não atendeu o celular.

Indagado sobre a ação do MPF, o procurador jurídico da Appa afirma que não existiu má-fé e que a suspensão da ação seria sinônimo do cancelamento da liminar que impedia o funcionamento do terminal.

“O que aconteceu foi que o MPF rompeu unilateralmente as conversas e nós fomos ao tribunal”, reclama. A confusão judicial, porém, continua: segundo o MPF, agora o órgão aguarda laudos técnicos e, somente após a análise destes documentos é que poderá ver quais medidas serão tomadas daqui para frente.

Empresas não são responsáveis pelas famílias

No que se refere às empresas da área de risco – União Vopak Armazéns Gerais Ltda, Fospar S/A, Cattalini Terminais Marítimos Ltda, e a Petrobras Transportes (Transpetro) – o questionamento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MFP) é por que elas não apresentaram até hoje um plano de realocação das famílias da região.

A última decisão judicial se deu em favor delas, pois considerou que o efeito suspensivo da liminar que previa a responsabilidade das empresas pela remo&cced,il;ão das famílias continua até o julgamento final da ação.

A reportagem entrou em contato com as empresas. A Cattalini e a União Vopak não deram retorno até o fechamento da edição. Já a porta-voz da Fospar, Ana Carolina Tournieux, informa que, por conta da suspensão da obrigação das empresas na realocação, não há como emitir um posicionamento, até porque trata-se de uma área que pertence ao Porto.

“A empresa está há 35 anos em Paranaguá, quando ainda não existia a comunidade. Mas hoje nossa intenção é zelar pela qualidade de vida daquelas pessoas, e por isso temos diversas ações sociais que abordam o meio ambiente. Uma delas é um projeto de limpeza do Canal do Anhaia pelas próprias famílias”, diz.

Quanto ao produto perigoso – a empresa trabalha com fertilizantes e a comunidade reclama do mau cheiro expelido -, Ana Carolina diz que a Vopak tem todas as licenças ambientais.

A Transpetro informa, por meio de nota, que “não tem qualquer relação com o terminal de álcool” e que a empresa “não faz divisa com a comunidade”, com distância de “40 mil metros quadrados” entre a Transpetro e a comunidade. Sobre a ação, a nota diz que a Transpetro “entende que não possui obrigatoriedade na remoção da comunidade”.

Indenizações

O procurador jurídico do porto, Maurício de Souza, esclarece que, por ser área de invasão, a legislação não permitiria indenizações aos moradores da área de risco. Mas em função da quantidade de famílias que querem, o porto está fazendo um estudo com empresas privadas para tentar viabilizá-la.

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