Queda-de-braço no centro-norte do Paraná

Moradores da região de Mauá da Serra, centro-norte do Estado, estão preocupados com os trâmites de instalação de uma recicladora de chumbo no local. A indústria já possui a licença prévia que autoriza o local de construção e a de instalação que permite proceder às obras. Mesmo ainda faltando a de operação, estudiosos e comunidades da região temem que a empresa comece a operar em breve. Segundo eles, há falhas no projeto de proteção ambiental apresentado pela recicladora – mas as mesmas, relatadas em laudo elaborado por um especialista da região, teriam sido desconsideradas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). O Ministério Público já entrou com ação civil pública questionando o instituto.  

O diretor da Associação Nacional de Defesa do Consumidor e Cidadania (Andec), Fernando Monteiro, que também possui uma propriedade na região, conta que a população já fez missas e até protestos no último domingo, fechando a BR-376 durante uma hora. ?Todos sabemos que o chumbo é metal pesado que danifica o ambiente e a saúde. É um dano irreparável e a conseqüência é regional, porque polui solo, água e ar?, diz. ?Mesmo com todo aparato tecnológico de filtros, a empresa não vai dar conta de conter o espalhamento do material.?

Outro questionamento de Monteiro é com relação ao capital da empresa para implantação das medidas de segurança necessárias, o que, segundo ele, é orçado em quantias milionárias. ?No entanto, documentos emitidos pela Junta Comercial dão conta de que o capital social da indústria é de R$ 100 mil. Com esse montante, não daria nem para fazer uma instalação provisória?, calcula. De acordo com o diretor, na região existem diversas comunidades rurais, populações ribeirinhas e assentamentos de sem terra. ?Além disso, tememos que haja contaminação das criações de bovinos, ovinos e hortaliças plantadas na região?, diz, citando exemplo do que aconteceu em Bauru (SP), no início deste ano: ?Lá, fecharam uma fábrica de baterias por irregularidades ambientais e logo apareceram os primeiros intoxicados, 860 crianças. Isto é o que tememos.?

A recicladora ainda aguarda emissão da licença de operação para que possa começar a funcionar – a qual, apesar de já ter sido emitida, está suspensa por conta da polêmica causada na região. Em reunião envolvendo moradores, proprietários e o IAP, ficou decidido que o instituto encomendaria a especialistas da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) análises no local. O IAP já tem o relatório em mãos e promete um posicionamento para a semana que vem.

Estado tem 25 recicladoras autorizadas

O Paraná possui atualmente 25 recicladoras de chumbo autorizadas pelo IAP, as quais passam por inspeções periódicas. No entanto, para o presidente da Andec, Fernando Monteiro, é necessário mais rigidez para dar conta de evitar contaminações. ?Tenho informações que tanto em Assaí (município próximo a Londrina), como em Leópolis, Adrianópolis e Califórnia há contaminação por causa da presença dessas empresas, provocando, inclusive, esterilidade em animais e cegueira em crianças. Ninguém toma uma atitude contra isso?, critica.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os anos morrem no mundo 5.500 crianças vítimas de doenças relacionadas ao meio ambiente, sendo o chumbo um dos principais elementos interferentes nesses dados.

As crianças são, aliás, as principais vítimas do metal, estranho ao corpo humano. Elas têm maior consumo por quilo que os adultos, já que pesam menos, colocam objetos na boca com freqüência, que levam sujeiras do solo, e têm organismo mais propenso à absorção do metal. Cumulativo no organismo, o chumbo causa alterações no sistema nervoso, danos aos rins, cérebro, interfere na pressão sanguínea e provoca infertilidade.

Consultor fez análise, mas diz ter sido ignorado

O geógrafo Ewerton de Oliveira, que presta consultoria para assuntos ambientais e é também professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), afirma ter procedido uma análise técnica sobre a viabilidade de instalação de uma empresa do tipo no local, mas garante não ter sido ouvido pelas autoridades competentes. ?É importante deixar claro que não somos contra as recicladoras, pelo contrário, elas têm papel importante na destinação das baterias. Mas, como é uma atividade de risco, primeiro tem-se de avaliar os aspectos técnicos do empreendimento?, explica.

De acordo com o estudioso, a instalação da indústria prejudicaria mananciais do Rio Tibagi que cortam o local, contaminando uma das principais fontes de abastecimento da região. ?Outra questão é que o solo de lá não tem tipologia de uso voltada para indústria. Ali ocorre atividade pecuária e de reflorestamento?, delimita. O consultor afirma, ainda, que existem na área diversos empreendimentos voltados para o ecoturismo que poderiam ser prejudicados e acrescenta que, até o momento, nenhum estudo com relação à direção dos ventos foi apresentado. ?Isso é necessário porque a região tem grande potencial de dispersão de poluentes aéreos?, justifica.

MP

De acordo com o professor, entretanto, essas constatações não foram levadas em conta pelo IAP. ?Descaracterizaram o laudo como técnico?, afirma. No entanto, o Ministério Público de Marilândia do Sul acatou o laudo e anexou – o junto a um segundo relatório, encomendado pela própria promotoria. O material foi incluído como base de ação civil pública impetrada pelo promotor Luis Fernando Feitosa na última segunda-feira (26). A Justiça local, segundo o promotor, deu despacho para que o IAP se manifeste, mas o órgão diz não ter sido citado até o momento.

IAP considera laudo de geógrafo ?frio?

O presidente do IAP, Vitor Hugo Burko, considera o laudo do geógrafo ?frio?. ?Ele analisa apenas os aspectos macrogeológicos, colocando a região erroneamente como área de mananciais de abastecimento, o que não é verdade?, justifica. Para o presidente, não haveria embasamento científico no documento, o qual ele confessa ter lido superficialmente. ?Ele faz uma defesa romântica de sua própria posição?, acredita.

Segundo o presidente, o instituto ainda está avaliando o relatório emitido pelos estudiosos da Unicentro, mas dá algumas prévias do resultado. ?Pelo que diz o laudo, em tudo que a empresa fez até agora, cumpriu com as exigências?, cita. Burko explica, ainda, que solicitou ao secretário de Estado do Meio Ambiente, Rasca Rodrigues, que montasse comissão para interpretar aspectos mais complexos, como a contaminação pelos ventos. ?Talvez, quando da instalação das próximas indústrias, possamos exigir análise desse aspecto?, antecipa.

Ainda segundo o estudo da universidade, a empresa estaria cumprindo com todos os seus deveres e obrigações dentro de suas possibilidades econômicas. ?Mas eles não vão receber a licença de operação antes da análise completa desse estudo, que aborda uma interpretação multidisciplinar.?

O presidente afirma que, pessoalmente, não é defensor de indústrias do tipo. ?Sou contra todas as atividades poluentes, mas a lei estabelece que algumas delas são necessárias. Como representante do IAP, tenho de promover o equilíbrio entre a defesa do meio ambiente, mas interpretando com clareza os processos?, afirma.

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