Entrar na universidade merece comemoração. É o começo de uma vida nova. Neste caso, um ritual de passagem é até normal. Mas não é nada normal ter a pele queimada com uma mistura de gasolina e desinfetante, ser forçado a ingerir bebidas alcoólicas, receber socos e chutes até desmaiar, ou passar por outras situações que ferem a integridade física e moral. No entanto, foi isso o que aconteceu em alguns trotes no início deste ano letivo no País. A tradição, enraizada como uma necessidade no começo das aulas, pode trazer sérias consequências para o calouro.
Os novos alunos vão para o trote de forma inocente, achando que é tudo brincadeira, ou coagidos pelos veteranos. Apesar de sempre ser expressa a opção de não participar, os calouros se sentem pressionados pelo grupo e não querem receber algum tipo de rótulo ou provocação logo no início do curso. “O calouro está em um estado de euforia e vai sem olhar as consequências. O calouro quer a parte lúdica, da festa e da alegria. Mas junto vem o aspecto negativo”, comenta o psicólogo Eugênio Pereira de Paula Junior.
De acordo com ele, é necessário separar o aspecto de ritual de passagem e comemoração da vitória conquistada das “cenas da Idade Média”. Passar por um trote constrangedor pode até afetar a vida acadêmica. “Pode causar aversão ao próprio curso. O calouro pode não gostar mais daquilo que escolheu. O sonho dele era entrar na universidade, mas a experiência fez com que não quisesse mais isso. Pode abandonar o curso ou mesmo a profissão, em casos mais extremos”, afirma o psicólogo.
O trote, como qualquer outra forma de violência, acaba se tornando um círculo vicioso. O veterano que recebeu o trote quer praticá-lo também. “Ele pensa: se eu passei, os outros também devem passar. Existe um prazer de maltratar o outro. A gente vê em cenas de trotes, levadas como brincadeira, vários tipos de crime, como extorsão e lesão corporal”, avalia Pereira de Paula Junior.
Manifestações vetadas nos campi das instituições
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Universidades propõem ações solidárias como substituição ao trote. |
A reportagem de O Estado ouviu o posicionamento das principais universidades de Curitiba a respeito dos trotes. As instituições não permitem qualquer tipo de manifestação como esta dentro dos campi, podendo até punir os envolvidos. Muitas delas propõem, inclusive com apoio dos estudantes, ações solidárias como substituição ao trote.
A professora Rita de Cássia Lopes, pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conta que, em uma pesquisa feita com os estudantes, foi constatado que eles acreditam ser o trote um rito de passagem necessário. Mas isso não é sinônimo de violência. “A gente trabalha essa consciência com toda a comunidade universitária. Dentro da semana de recepção dos calouros, organizada por cada setor, existe o espaço para o rito de passagem. Ao calouro fica a opção de participar ou não.”
A postura é rígida na Universidade Positivo. Foi elaborada uma norma, há quatro anos, que proíbe o trote. “Somos totalmente contra. Segundo a norma, as atividades de recepção aos calouros devem ter como objetivo a solidariedade, a integração e a informação útil”, esclarece o vice-reitor da universidade, José Pio Martins.
Ele lembra que, caso aconteçam trotes, os responsáveis pelo ato ão responder cível, penal e administrativamente. “O que acontece fora, nos botecos das redondezas, não é d,e nossa responsabilidade”, declara.
“Os jovens copiam atos superados e ultrapassados. E ainda pioram. Foi virando essa estupidez completa”, opina. A diretora de Relações Internas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Adalgisa de Oliveira Gonçalves, relata que dentro dos campi é absolutamente proibido qualquer trote.
“O trote se tornou um problema social. Estamos tentando transformá-lo em uma ação solidária, com a arrecadação de alimentos e de material escolar”, diz. Quem promove trotes dentro dos campi pode ser punido também na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). “A entrada na universidade é um momento de alegria, e não de abuso”, define Simone Acosta, pró-reitora adjunta de Graduação da instituição.
A Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) informou que proíbe ao corpo docente, discente e administrativo o desenvolvimento de atividades não curriculares que impliquem em perturbação da ordem e do ambiente acadêmico e administrativo.
Contra abusos, diretórios acadêmicos orientam veteranos
Controlar os veteranos é um problema também para os diretórios centrais dos estudantes (DCEs), que representam os alunos dentro da universidade. Apesar das orientações para conter os abusos, os trotes continuam. “O DCE não apoia qualquer tipo de trote, inclusive fora do campus. Conversamos com os centros acadêmicos para evitar o trote, mas acaba fugindo ao nosso controle.
Se não são os centros acadêmicos, os próprios veteranos organizam”, explica a primeira secretária do DCE da PUCPR, Indianara Ximenes Fracaro. O DCE da UTFPR se posiciona contra qualquer tipo de trote que afete a integridade física e moral dos calouros. Neste ano, promoveu um ato solidário, com a arrecadação de 300 quilos de alimentos e reforma em uma creche.
O tesoureiro do diretório, Thiago Rosenmann, admite que é difícil impedir ações isoladas. “Existem os veteranos que invadem as salas dos calouros e os levam para fora. A gente não consegue estar sempre junto para tentar evitar este tipo de situação”, afirma.