Foto: Aliocha Maurício
No Paraná existem serviços especializados, mas formação acadêmica também é deficitária.

Os profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, não estão preparados para atender vítimas de violência familiar. A constatação é de um estudo realizado pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. A pesquisa, que teve como público alvo professores universitários do Rio e de Cuiabá, iniciou em 2005 e foi concluída em meados de 2007. No Paraná, embora algumas cidades já disponham de serviços especializados em violência familiar para a população, especialistas envolvidos com a área admitiram que essa realidade pode ser trazida para o Estado, na medida em que os currículos dos cursos de Medicina e Enfermagem, em sua maioria, não contemplam o assunto.

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Os pesquisadores da Fiocruz abordaram docentes de universidades públicas e particulares do Rio de Janeiro e de Cuiabá. De acordo com a coordenadora do estudo, Edinilsa Ramos de Souza, 89,5% dos docentes de Medicina das faculdades do Rio disseram que necessitam de cursos de capacitação para atender vítimas de violência familiar e 83,3%, do curso de Enfermagem apresentaram resposta semelhante. Já em Cuiabá o problema se manifestou com mais gravidade: 100% dos professores do curso de Medicina tiveram a mesma afirmação, e 89,9% dos de Enfermagem admitiram a falta de capacitação. Para Edinilsa, essas conclusões remetem a algo muito grave. ?Quando fizemos a pesquisa imaginamos que os docentes estariam preparados para ensinar seus alunos. Mas o que aconteceu foi que eles próprios disseram que necessitam dessa formação. Ou seja, enquanto a gente espera que eles formem alguém, eles mesmos não estão formados?, reclamou. O estudo também chamou a atenção para a baixa porcentagem de presença do assunto nas disciplinas dos cursos de Medicina e Enfermagem: das 503 disciplinas analisadas, 23% daquelas que pertenciam à grade de Medicina não abordavam a questão da violência e 16,3%, nas de Enfermagem. Para Edinilsa, isso gera um paradoxo, pois enquanto as políticas públicas e os estudiosos da área recomendam boa formação para uma área tão delicada de se lidar, já na formação universitária isso é praticamente ausente. ?Tem que haver uma coerência do que é recomendado nas políticas públicas do ponto de vista de saúde e do ponto de vista de formação do profissional. O Ministério da Educação tem que parar e pensar como introduzir isso na grade curricular das universidades?, avaliou a pesquisadora.

Difícil diferenciar acidente de violência

Especialistas do Paraná que trabalham no dia-a-dia com vítimas de violência familiar admitem que a formação para os profissionais ainda é falha, mas afirmam que a sociedade está ?acordando? para a necessidade de melhorias, pois o problema é que cada vez mais freqüente e menos velado entre quatro paredes.

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Grande parte dos idosos, por exemplo, que sofre agressões físicas e psicológicas é vítima de seus próprios familiares. A presidente do Conselho Estadual do Idoso, Schirley Scremin, diz que muitas vezes o profissional de saúde que recebe esse idoso para prestar o primeiro atendimento não consegue identificar se determinada lesão foi provocada por uma atitude violenta ou se o idoso sofreu um acidente. Mas para Schirley, uma das principais falhas no tratamento a essa faixa etária é a dúvida do profissional de saúde na hora de fazer encaminhamentos. ?Além de não haver muito pessoal para isso, os que já atuam na área não estão preparados. Nosso próximo passo será tentar criar uma normatização para que o profissional saiba exatamente o que fazer nessas situações?, contou.

A coordenadora do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Claudete Reggiani também acredita que o atendimento na área de violência doméstica ainda é deficiente. ?São situações recentes, que demoram um pouco para introduzir nos currículos. Mas o médico de hoje sai da faculdade com a idéia de mudar a comunidade, o que já é um passo para este aprendizado?, afirma. (MA)

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Assunto está sendo introduzido nos cursos

Foto: Aliocha Maurício
Heda: o problema é recente.

A diretora clínica do Hospital de Clínicas de Curitiba (HC) e professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Heda Amarante, diz que os profissionais de saúde de atendimento básico (em unidades de saúde, por exemplo) que lidam com violência familiar não saem da faculdade preparados e, conseqüentemente, quem quer trabalhar com isso tem que buscar especializações e ter experiência.

?Ninguém fica completamente preparado da noite para o dia, é um processo demorado. Mas eu não diria que essa falta de preparo é uma falha. Acredito que o problema da violência familiar é mais recente, ou pelo menos o conhecimento dele por parte da sociedade é novo. Então o ato de transmitir aos estudantes a melhor conduta para lidar com isso está apenas no início. Porém, se tivessem esse contato com o assunto já na graduação teriam condições de prestar um melhor atendimento no nível primário, nas unidades de saúde?, analisou Heda. Para a médica, a classe já está vendo a violência familiar como uma necessidade, uma situação da vida moderna. ?É um problema de saúde pública. Mas aos poucos vamos introduzindo isso nos currículos. Enquanto isso, instituições e hospitais que já têm o atendimento especializado tentam ministrar cursos para quem não tem?, disse. (MA)

Prefeitura capacita seus servidores

O presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM) do Paraná, Gérson Martins, chama atenção para a situação difícil em que muitos médicos trabalham, principalmente os que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso, segundo ele, também contribui para que não haja um ambiente ideal para atender a vítima de violência familiar.

?Muitas vezes, a rapidez de uma consulta de emergência não permite que o médico se aprofunde na história do paciente. Mas percebemos que a classe médica está cada vez mais preocupada com as vítimas de violência e está buscando capacitação?, disse. Martins diz que muitas vezes as universidades já se encontram precárias com as disciplinas tradicionais, então diversificar a grade curricular torna-se mais difícil ainda. ?Muitas vezes não há nem professores para ensinar, não há nem hospital universitário?, reclama.

A pediatra e coordenadora da Rede de Proteção na Secretaria Municipal de Saúde, Hedi Muraro, disse que concorda com a pesquisa da Fiocruz, e explica que na rede os profissionais passam por capacitações permanentes, pois não é um assunto fácil de se lidar. ?Creio que o tema poderia ser implementado nos cursos de graduação, talvez desde o ensino médio. Porém, acho que o tema deve ser tratado de maneira transversal, em muitas profissões diferentes, trabalhando a interdisciplinaridade?, analisa. (MA)