Um número assustador revela a situação do serviço médico prestado no Brasil. De acordo com dados do Superior Tribunal de Justiça, nos últimos dez anos o país teve um aumento de 1.600% no número de processos judiciais envolvendo médicos, além de um crescimento de 180% de profissionais condenados nos tribunais de ética dos Conselhos Regionais de Medicina. 7% dos médicos brasileiros respondem a processos.
O levantamento é do advogado especialista em Direito Médico, Raul Canal, publicado no livro Erro Médico e Judicialização da Medicina. “Para apurar esses números realizamos uma série de pesquisas nos sites dos tribunais e em alguns casos fomos até os locais para checar os autos dos processos”, afirma Canal.
No Paraná, segundo a apuração do autor, nos últimos 13 anos o estado teve 175 ações que tramitaram no TJ-PR. Já o Conselho Regional de Medicina informou à Tribuna que só no ano passado foram abertas 861 sindicâncias e 115 processos ético-profissionais, com 129 julgamentos realizados.
Segundo Canal, diversos fatores influenciam para que o número de casos de erros médicos tenha aumentado na última década, entre eles o acesso à informação por parte dos cidadãos e a má formação dos médicos nas faculdades espalhadas pelo país. Além disso, “nos últimos anos mais do que dobramos o números de escolas de medicina no país e é lógico que diante esse crescimento não há como formar bons médicos. Muitos deles entram no mercado sem mesmo fazer residência”, explica.
De acordo com o autor, as péssimas condições de trabalhos oferecidas aos médicos em grande parte do país também ajudam a encorpar os dados publicados em seu livro. “Não é nenhum segredo que muitos hospitais são mal equipados e que os médicos são mal remunerados e trabalham muito além de sua capacidade. Então, como um profissional pode tomar uma decisão, após trabalhar mais de 24 horas seguidas”, alerta Canal.
Especialidades
Entre as especialidades, as que mais recebem denúncias por erros médicos são Ginecologia e Obstetrícia, de acordo com a publicação. Depois, vêm Ortopedia e Traumatologia, seguida de clínica médica. “Por incrível que pareça, a insistência em partos naturais dentro da estrutura a saúde pública é o caso campeão. Há erros crassos na avaliação das gestantes, onde temos casos onde não cabia o parto natural. Houve citações de natimortos ou até de crianças nascendo tetraplégicas”, acrescenta.
Veja como denunciar
Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia no CRM contra um médico, hospital ou instituição prestadora de serviços médicos. Basta encaminhar a denúncia, com o relato dos fatos, o nome do médico ou da instituição, data e local. Conforme a Constituição Federal e o Código de Processo Ético, o CRM não pode aceitar denúncias não identificadas, por isso há necessidade de que os documentos estejam devidamente identificados. A denúncia pode ser feita pessoalmente, na sede do Conselho, nas delegacias regionais, ou por carta, enviando a documentação anexada.
Para facilitar, no site do CFM é possível preencher um formulário que gera um documento pronto para ser impresso e encaminhado ao conselho. Basta acessar o link www.portalmedico.org.br.
Números condizem com a realidade
Para a advogada Celia Destri, presidente da Associação das Vítimas de Erros Médicos (Averme), os números levantados por Canal em seu livro não surpreendem. “A situaç&,atilde;o está complicada mesmo. Não fico nem um pouco surpresa desses dados só aumentarem com o passar dos anos”, diz Celia, que fundou o órgão após ter problemas durante o processo pós operatório. “Fiz uma cirurgia para a retirada de um cisto no ovário e a médica que me operou cortou erroneamente o meu ureter. Com isso, minha urina vazou pela cavidade abdominal, atingindo todos os órgãos. Depois de muito sufoco e um rim perdido, fiquei bem”, conta.
Após a situação, ocorrida em 1990, Celia resolveu fundar a Averme. Hoje, a advogada aconselha a todas as pessoas que se sintam prejudicadas num procedimento médico a buscar seus direitos. “Não fiquem na dúvida. Vão atrás do que for preciso para saber o que exatamente aconteceu. Pra isso, sempre tenham todos os documentos e exames em mãos. Em muitos casos faltam papeis e não conseguimos seguir o processo adiante”, ressalta.