Mata

Preservação de mata nativa pode dar lucro a proprietários

Manter a floresta em pé ou limpar o terreno e plantar ou vender para construção? Este dilema vem ganhando grande proporção entre os proprietários de terrenos, seja na área rural ou na área urbana.

Antes, o lucro vinha acima de qualquer outro pensamento e os terrenos eram desmatados. Hoje, muitos donos de terras pensam duas vezes. Além das questões ligadas ao meio ambiente, os proprietários já conseguem receber compensações por manterem espaços com mata nativa. Não desmatar já pode dar lucro – ou pelo menos zerar os custos.

O lema de compensar para não desmatar já começou a pontuar algumas políticas públicas. Exemplos disso são o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico, no Paraná, e a criação de Reserva Particular do Patrimônio Natural Municipal (RPPN), em Curitiba.

Para preservar, os proprietários recebem isenções fiscais ou repasse de recursos. A preservação e a queda no ritmo de destruição só vai acontecer se o aspecto financeiro estiver atrelado a isto. Senão, apenas iniciativas isoladas se encaixarão neste panorama.

O representante do secretariado da Convenção de Diversidade Biolíogica, entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), Oliver Hillel, afirma que os incentivos podem se constituir um instrumento de política muito importante para a preservação da biodiversidade.

“No fim das contas, a motivação das empresas, das organizações e do próprio cidadão passa pelo bolso. Evidente que temos que criar políticas e incentivos para que seja mais barato você fazer a coisa certa do que a errada. Passa por uma questão de regular e orientar o mercado e as opções econômicas de cada um dos atores sociais”, comenta.

O Paraná foi o primeiro estado brasileiro a adotar o ICMS Ecológico. Municípios recebem parte do imposto por abrigar áreas de conservação, como compensação por não poder usar estas terras economicamente.

Algo que não teria valor – pois não poderia ser mexido de qualquer jeito – ganha um aspecto financeiro. O ICMS Ecológico contribuiu para esta visão de que preservar pode dar lucro.

“Contribuiu bastante, mas não o suficiente. O problema do ICMS Ecológico é que nossa legislação não obriga. Vai de acordo com a consciência de cada gestor do executivo municipal. Estamos trabalhando junto aos vereadores para carimbar estes recursos, que coloquem no mínimo 50% no ambiente urbano e 50% no rural, que remunerem e ajudem na preservação daquelas áreas que originam o ICMS Ecológico. Porque normalmente é uma ação privada e o município acaba ganhando um recurso a mais, mas não protege aquele espaço que gerou recurso”, explica o secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Rasca Rodrigues.

Mata nativa pode se tornar Reserva do Patrimônio Natural

Em Curitiba, o proprietário de terreno com mata nativa pode solicitar à prefeitura a transformação da área em RPPN. Caso o pedido seja aprovado, o dono terá o benefício de redução ou isenção do Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU), dependendo da cobertura florestal existente e da região onde a propriedade está inserida.

Além disso, o proprietário poderá comercializar o potencial construtivo dessa área, também conforme critérios estabelecidos pela legislação vigente. “Este potencial pode ser transferido para outra área da cidade. O proprietário pode até vender este potencial, que pode ser aplicado em outra construção. Isto gera renda para a manutenção do terreno”, esclarece Alfredo Vicente de Castro Trindade, coordenador técnico de fauna e flora da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

O valor do po,tencial construtivo não chega a ser o mesmo de um terreno limpo, pronto para ser comercializado. “Mas é uma forma de agregar valor para um terreno que não pode ser ocupado”, explica.

Curitiba possui três RPPNs. A última foi criada no final do ano passado e compreende uma área de 2,1 mil metros quadrados de mata nativa próxima ao Parque Barigui. Somadas, as três áreas preservam 27,6 mil metros quadrados de florestas.

A Secretaria já fez um levantamento e identificou que mil terrenos na cidade podem ser transformados em reservas particulares. “Em três anos, surgiram três reservas. É um processo ainda recente e muita gente está esperando para ver como o processo funciona. Mas temos muitas consultas”, revela Trindade. (JC)

Iniciativa possibilita investir em infraestrutura

Divulgação
Crema, dono de área em Bocaiúva: “sempre fui tido como sonhador”.

A compensação financeira pode vir também de iniciativas de organizações, como o projeto Desmatamento Evitado, da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS).

O programa tem como eixos a adoção de áreas e a quantidade de carbono que pode ser absorvido por estas matas nativas. A SPVS faz uma espécie de intermediação entre empresas interessadas em adotar áreas florestais e os proprietários destes terrenos.

“É a possibilidade para o dono desta área ter recurso para contratar funcionários, criar infraestrutura e ter a oportunidade de mantê-la intacta”, conta Sandro Coneglian, gerente técnico da SPVS.

No projeto Desmatamento Evitado, é firmado um contrato entre as três partes: o proprietário fica responsável em preservar a área com mata nativa; a empresa precisa repassar recursos durante 60 meses para o proprietário (uma média de R$ 2,4 mil por mês); e a SPVS monitora o processo.

“Ganha a empresa pela responsabilidade social e ganha o proprietário, muitas vezes considerado louco por preservar e ver ao redor áreas sendo desmatadas”, considera Coneglian.

Esse é o momento que vive o engenheiro florestal e administrador José Orlando Crema, dono de uma área de 145 hectares em Bocaiúva do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba. Ele recuperou a área com o plantio de espécies nativas. Quando foi adquirida pelo pai dele, em 1978, somente um sexto do terreno tinha floresta.

“Plantei trinta mil pés de araucária e seis mil pés de erva mate. Recuperei toda a área. Sempre fui tido como sonhador. Meus amigos me chamavam de idiota. Se tivesse investido em reflorestamento de pinus, ganharia dinheiro. Não ganhei dinheiro. Mas ver macaquinhos nas copas das árvores, as vertentes de água que estavam antes secas, não tem dinheiro que pague”, ressalta.

Crema foi localizado pela SPVS e faz parte do projeto Desmatamento Evitado. Com o dinheiro, ele pagou um funcionário e colocou seis quilômetros de cerca. A SPVS realizou um plano de manejo para a área. “Foram 30 anos investindo sem qualquer retorno financeiro”, diz. (JC)

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