É na área central de Curitiba que se concentra grande parte das unidades de interesse de preservação (UIPs). Nas ruas XV de Novembro, Barão do Rio Branco, nos antigos caminhos da cidade, nos arredores da Catedral e em direção ao Largo da Ordem, construções do século passado e até retrasado carregam a responsabilidade de contar a história e representar época. Porém, muitas em ruínas e abandonadas, algumas mal cuidadas e outras apenas vazias, há muitos anos em breve já não terão mais como exercer essa função. Profissionais alertam para a urgência em se preservar, antes que Curitiba perca a identidade.
Segundo a arquiteta da secretaria municipal de Urbanismo, Suely Hass, presidente da Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural, as leis 6.337/82, 9.800/00 e 9.803/00 são as que possibilitam incentivos – fiscal e construtivo – para que os proprietários venham a restaurar prédio considerado UIP. Tanto com ganho de potencial construtivo que, dependendo do lote, pode ser transferido a outro imóvel, quanto com possibilidade de redução do IPTU em até 100%, dependendo do estado de conservação. A legislação também prevê punição no caso de abandono desses prédios. ?Tem penalidades. Caso esse imóvel seja abandonado e venha a se tornar mocó, o que acontece geralmente, os proprietários podem ser notificados e autuados?, afirma Suely.
Mesmo assim, segundo ela, ?existem muitos prédios fechados, abandonados. Muitos deles têm problemas de impostos e documentação ou ainda os proprietários têm problemas de recursos e, dessa forma, a restauração e o cuidado com o prédio ficam impossibilitados?.
?Temos vários prédios, na cidade, em situação precária, principalmente porque os proprietários não estão interessados?, constata Hermes Reyerl, coordenador da Comissão de Segurança de Edificações e Imóveis (Cosedi). Segundo ele, são vários os problemas que as edificações malcuidadas apresentam. ?Um problema grave é o cupim, que ataca o madeiramento presente nas coberturas e pisos e deixa as instalações precárias. Muitos edifícios habitados apresentam esse problema, inclusive alguns públicos?, afirma.
Outro problema está nas instalações elétricas dos prédios mais antigos. ?Encontramos muitos prédios com fios do tempo em que utilizavam tecidos para vedação. Esses fios aquecem e há constante risco de curto, o que gera os incêndios. De tempos em tempos, o mínimo exigido são as vistorias, para evitar acidentes?, comenta Hermes.
Prédios não preservados também apresentam problemas de estrutura, como infiltrações e os desgastes do tempo. ?O que falta é aplicação e destinação para esses imóveis. Muitos deles são peças de inventário e passam por impasses familiares e ninguém acaba assumindo a responsabilidade sobre a manutenção. Com isso, algum prédio que tem valor histórico acaba entrando em colapso?, lamenta.
Quem acompanhou a construção sofre com abandono
Além de estar em ruínas, construção que abrigou a Casa Hauer, de 1880, hoje cheira a urina. |
Somente nas proximidades da Praça Tiradentes, muitos são os prédios que representam uma época. Na Rua Cândido Lopes, número 14, o Edifício Tiradentes foi construído em 1941, quando a rua foi aberta. Foi o pai da atual administradora do prédio, Ellen M. Assume, quem o construiu. ?Lembro bem de como eram os prédios aqui, na época. Tem muitos mais antigos do que este, mas não sei porque motivos estão como estão hoje?, comenta.
Um pouco adiante, na esquina da Alameda Doutor Muricy e Cruz Machado, o Edifício Pires também tem história. ?Deve ter mais de oitenta anos. Só eu faz 52 anos que estou aqui nesse ponto (andar térreo do prédio). O edifício está abandonado. Esse prédio pertence a herdeiros e é uma pena que esteja assim?, lamenta Sérgio Silveira, 61 anos. Na frente do Edifício Pires, está o Edifício Caetano Munhoz da Rocha, outro prédio antigo, com uma bela estrutura, mas vazio há cinco anos.
Na esquina da Travessa Padre Júlio de Campos e José Bonifácio, o que antes era uma importante casa do comércio da época, hoje é conhecido como ?mijódromo?. Além de estar em ruínas, o que já foi a Casa Hauer, de 1880, hoje cheira a urina. ?A gente sente pena de ver abandonado. Falta um pouco mais de cuidado?, diz Bernardo Dombrohski, 77 anos, que já trabalhou na antiga Casa Hauer. Na Saldanha Marinho, também com um uso bastante conturbado, o que já foi a Casa do Aço, outro importante comércio da área central, hoje é depósito e está bastante descuidado.
Projetos
Segundo o arquiteto e urbanista do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Ariel Stelle, ?no que é público, é dever do poder público o investimento em preservação. Para os imóveis privados temos as legislações de incentivo?. Segundo ele, desde o primeiro incentivo, de 1991, mais de 50 UIPs foram restauradas, somente com venda de potencial construtivo. No entanto, ele afirma que alguns fatores de fato fazem o interesse do proprietário em restaurar não ir adiante. ?O custo do restauro, por metro quadrado, é 30% a mais do que uma reforma comum. Portanto exige um investimento pesado. Além disso, são poucos os arquitetos aqui em Curitiba que fazem projeto de restauro?, cita Stelle.
De acordo com o arquiteto, a proposta do Projeto Marco Zero, de revitalização da área central, é justamente buscar alternativa para que os proprietários tenham outros incentivos para preservar. ?O proprietário deve pensar que precisa recuperar o que é seu, requalificando o edifício. Isso melhora o imóvel e a ambiência do local. Até as coisas no entorno vão melhorando quando o prédio é recuperado?, incentiva. (NF)
Risco de incêndios é uma das maiores preocupações
O risco de incêndios é uma das preocupações do arquiteto e pesquisador Carlos Garmatter Netto em relação às edificações do centro histórico de Curitiba. O tema foi escolhido por ele para a dissertação de mestrado, em 2002. De lá para cá, ele afirma que o risco não diminuiu e os problemas levantados na época continuam os mesmos. ?Entre os anos 90s e 2000s, muitos incêndios atingiram prédios históricos de Curitiba. O recente incêndio no Juventus nos fez lembrar desse problema?, aponta.
Garmatter cita em seu trabalho que, em 1992, a Universidade Federal do Paraná pegou fogo, comprometendo parcialmente a edificação. Em 1997, foi o Palácio do Louvre, comércio de tecidos; o Templo das Musas, usado como biblioteca; e a Casa Hoffmann. Em 1998, foi o incêndio da Casa Hauer; e, em 2001, novamente a Casa Hoffmann, desta vez com perda total.
A partir dessas situações, o arquiteto detalhou alguns fatores que interferem na segurança desses edifícios de interesse de preservação: as condições urbanísticas, o entorno, a idade da edificação, as características construtivas, a ocupação, as instalações, a manutenção e os usuários, que, entre outros fatores, influenciam quanto ao risco de incêndio. No entanto, a legislação atual somente considera, e cobra, um único fator: as instalações de combate a incêndio. ?Falta uma abordagem mais completa. O que as normas exigem é apenas instalações como hidrantes e extintores, que são usados apenas depois que há o incêndio. Portanto, não se atenta, atualmente, quanto à prevenção?, critica o arquiteto.
Para Garmatter, é lamentável que os fatores de risco não sejam considerados. ?É necessário cuidar das instalações. O uso da edificação influencia, entre outros fatores, mas geralmente os usos atuais do prédio não são os adequados. É preciso proteger esse bem – que tem valor arquitetônico, histórico, marca uma época e muitas vezes é símbolo da cidade – e não expô-lo ao risco?, pondera.
Segundo o arquiteto, para haver mais preservação, além de consciência de toda a comunidade, falta mais incentivo. ?É muito caro restaurar e faltam todos os tipos de incentivo. Falta também sensibilização da comunidade em relação à importância de seu centro histórico. É a identidade da cidade e, perdendo nosso patrimônio, perdemos isso?, conclui. (NF)