Precariedade da saúde gera ações

Está na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Saúde, em leis estaduais e portarias federais: todas as pessoas têm direito ao atendimento gratuito em saúde, que no Brasil é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Este sistema tem duas diretrizes principais: a primeira é a integralidade, que significa que todos têm acesso desde a prevenção até a cura das doenças; e a segunda é a resolutividade, ou seja, todos os serviços devem ser eficazes. Mas as disposições legais parecem não bastar em um país como o Brasil, onde enormes filas se formam em postos de saúde e hospitais, resultando em um grande número de pessoas que entra na Justiça para conseguir atendimento ou remédios.

Para se ter uma idéia, a Promotoria da Saúde Pública de Curitiba, do Ministério Público Estadual (MP), atendeu este ano uma média de 30 pessoas, a cada mês, que reclamaram de algum serviço de saúde pública mal prestado. O promotor Marcelo Paulo Baggio explica que a maior parte dos procedimentos administrativos ou ações instaurados se referem à demora na prestação do serviço de saúde pública e ao não-fornecimento de medicamentos excepcionais, que deveriam ser garantidos pelo estado. O promotor ressalta que nem todos os processos resultam em ações, e que há um esforço do MP para que a reclamação seja resolvida extrajudicialmente, para evitar desgastes ainda maiores.

Na opinião de Baggio, é preciso que os governos se preocupem mais com o planejamento da destinação dos recursos para a saúde pública. ?É claro que os recursos serão sempre finitos, mas o planejamento adequado teria condições de programar melhor os atendimentos do SUS. Constitucionalmente, a saúde tem que ser um direito assegurado a todos.?

E mesmo quem tem condições de pagar por um serviço de saúde particular e ?escapar? do SUS, não fica livre de enfrentar problemas na hora em que mais precisa. O Procon do Paraná atendeu a quase 2 mil pedidos de informação, orientação e reclamação referentes a planos de saúde, de janeiro até 30 de novembro deste ano. A maior parte das demandas são dúvidas sobre cobranças ou reajustes indevidos. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) -regional Paraná e Santa Catarina – recebeu quase 180 denúncias de janeiro até novembro (referentes aos dois estados).

A advogada do Procon, Cláudia Silvano, diz que é muito freqüente os reajustes abusivos dos planos, principalmente quanto à faixa etária. ?Há casos de reajustes até de 100%?, informa. Ela alerta que muitas pessoas acabam contratando um plano sem prestar atenção no contrato. Dessa forma, quando precisam de algo é que se dão conta de que o serviço não oferece tal cobertura. ?O consumidor deve ler muito bem o contrato, fazer pesquisas e prestar atenção nas carências, o que os planos têm o direito de cobrar?, alerta a advogada.

Hospitais sofrem com processos

A guerra entre pacientes, SUS e planos de saúde acaba causando conseqüências negativas para os hospitais, tanto públicos quanto particulares. O advogado João Paulo Bettega Maranhão explica que um caso muito freqüente é o paciente se internar, realizar todos os procedimentos e, no final das contas, até por desinformação, seu plano não cobre tudo o que foi oferecido. ?Aí o hospital acaba tendo que pagar essa diferença, pois não pode recusar o atendimento, já que é omissão de socorro. Outra situação que pode acontecer é o procedimento não estar incluído, ou por vezes surge um tratamento novo, mais eficaz, que ele não cobre?, diz o advogado. Mas revela que são poucos os pacientes que recorrem à Justiça para que o plano pague esse valor, acabam deixando tudo na mão dos hospitais.

Auditoria revela que Estado aplica mal recursos do setor

Um dos grandes problemas relatados pelas pessoas que trabalham na saúde pública diz respeito ao mal gerenciamento dos recursos, ou, em muitos casos, à falta deles. Segundo a Promotoria da Saúde Pública de Curitiba, de 2000 até 2005, apenas quatro ações civis públicas ajuizadas resultaram em quase R$ 2 bilhões que não teriam sido investidos na saúde por parte do Estado. Os números são baseados em auditorias do Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS), do Tribunal de Contas do Paraná e do próprio MP.

No último mês, médicos de todo o País se reuniram na Associação Médica do Paraná (AMP) para discutir e tentar encontrar soluções para os problemas do SUS e também de outros da saúde pública no País. Um dos assuntos mais discutidos foi a Emenda 29, que prevê os percentuais mínimos que devem ser investidos na saúde pública por parte da União, dos estados e municípios. Quando foi ao Senado, a emenda recebeu alguns substitutivos que, segundo o presidente da AMP, José Fernando Macedo, diminuiu para menos da metade a quantidade de recursos. O valor de R$ 24 bilhões cairia para R$ 5 bilhões. ?Agora é que o problema da saúde não será resolvido no País?, criticou. Ele lembrou ainda que o imposto CPMF foi criado para ser integralmente revertido à saúde, mas não é o que acontece. ?Recebemos apenas 50%. É um absurdo. Por isso vemos hoje esse sucateamento de hospitais e péssimas condições de trabalho para os profissionais da área?, comenta.

Em outubro deste ano, o governo federal concedeu um reajuste, em média, de 30% para alguns procedimentos do SUS, como consultas médicas, por exemplo. O valor total dos reajustes foi de R$ 1,2 bilhão. O aumento, embora bem-vindo, foi considerado ?esmola? pelos médicos, pois se comparar a defasagem do sistema, que passa de 100% dos anos de 1994 a 2000, 30% não fazem quase nada de diferença. Nessa semana, os representantes dos planos de saúde prometeram recorrer à Justiça contra a recomendação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) de incluir novos procedimentos no setor. A Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) alega que a inclusão desses procedimentos poderá provocar um reajuste de cerca de 10% nas mensalidades. Desta forma, o impasse entre pacientes e prestadores continua.

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