Estava tudo pronto para o pequeno Natan, de três anos e dois meses, fazer a cirurgia do implante coclear, prótese que, colocada no ouvido, é capaz de devolver a audição a quem tem surdez profunda, substituindo parcialmente as funções da cóclea – o chamado ouvido interno, que envia os sinais auditivos para o cérebro. Mas o procedimento, agendado para o dia 25 de janeiro, teve de ser desmarcado depois que uma portaria do Sistema Único de Saúde (SUS), a 2.257, de 23 de novembro de 2005, corrigiu a tabela de financiamento da prótese, baixando, conforme a variação cambial, o repasse aos fornecedores do aparelho. Enquanto isso, a família aguarda uma solução para o impasse entre o Ministério da Saúde (MS) e as empresas fornecedoras.
?Fizemos todos os exames no ano passado e marcamos a cirurgia no Hospital de Clínicas da Unicamp (Universidade de Campinas) – o procedimento ainda não é realizado no Paraná. Nosso medo é que tenhamos de fazer tudo de novo. Além disso, o tempo para ele é precioso?, diz o pai de Natan, o funcionário público Gilson do Vale. A idade do garoto, aliada ao perfil de surdez – Natan tem surdez profunda, ouve apenas ruídos e ainda com ajuda de amplificadores tradicionais – são fatores decisivos no desempenho da implantação da prótese, mais conhecida como ouvido biônico. ?A gente fica na incerteza do que vai acontecer. Se ele fizesse agora, provavelmente estaria falando bem aos cinco anos, mas enquanto não tiver uma decisão, vamos ficar só na expectativa da conclusão do tratamento?, desabafa o pai.
O impasse começou depois que a referida portaria corrigiu os valores da tabela do SUS para diversas próteses que contam com recursos governamentais para serem fornecidas aos pacientes. Uma delas é a do implante coclear. Atualmente, o valor repassado aos oito centros credenciados, distribuídos em cinco cidades brasileiras – Natal (RN), Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Bauru (SP), Campinas (SP) e Ribeirão Preto (SP) – está em
R$ 43.830,15. Antes, esse valor era de R$ 55 mil. O ministério justifica a correção por causa da variação cambial, informando que, quando os valores foram definidos, em 2002, a cotação do dólar era de
R$ 3,50. No final do ano passado, a correção foi feita com a cotação do dólar em R$ 2,30.
Em tese, a correção se justificaria, uma vez que o aparelho é importado. Mas Gilson do Vale, em contato com entidades e com uma empresa que fornece os aparelhos para o SUS, a Politec, afirma que o preço da prótese aumentou nos últimos anos. ?A informação que me deram é que há três anos a prótese custava US$ 18 mil e hoje custa US$ 22 mil. É que houve um avanço tecnológico no aparelho?, explica. Os eletrodos, por exemplo, diminuíram, e o som ficou ainda mais claro para quem usa aparelhos mais novos. Além disso, hoje o implante tem mais programas, ou seja, dependendo do ruído do ambiente, a pessoa estabelece uma certa freqüência de decibéis.
A Politec informou em nota que prefere não se manifestar sobre a portaria, já que faz parte de um grupo de empresas que está em negociação com o ministério para resolver a questão. No Hospital de Clínicas da Unicamp, a informação é que, enquanto não houver uma definição, as cirurgias continuam suspensas. Os docentes da instituição acreditam, no entanto, que até o início de março ministério, fornecedores e centros credenciados devem chegar a um acordo.
Cirurgia exige acompanhamento
Para a fonoaudióloga da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Vânia Guarezi, a agilidade em retomar as cirurgias é primordial para muitas crianças que atualmente estão em vias de realizá-la. ?Quem é privado do sentido da audição tem um atraso no desenvolvimento da linguagem e esse é um avanço tecnológico que contribuiu muito para o sucesso educacional do surdo?, explica.
Além da colocação da prótese, o implantado tem de freqüentar terapias fonoaudiológicas e, quando isso acontece na fase de desenvolvimento da fala, os resultados são mais rápidos e satisfatórios. ?O adulto também pode fazer, mas surte melhores resultados para quem tem pouco tempo de perda auditiva?, especifica.
A experiência com crianças surdas, usuárias de implante coclear, tem mostrado muitos benefícios, segundo Vânia.
?Elas apresentam ganhos significativos na educação, na relação social, no convívio familiar. Os pais também se sentem mais seguros diante dos filhos, porque após a cirurgia é como se a criança nascesse auditivamente?, avalia. O Ministério da Saúde paga a aquisição e a cirurgia de implante coclear, assim como as consultas médicas de acompanhamento e a terapia fonoaudiológica. No entanto, o uso da prótese envolve manutenção de baterias e fios, também importados, que têm custos de cerca de mil reais por ano – é que o implante envolve dois aparelhos, o que fica dentro do ouvido e outro externo, chamado processador de fala.
No Paraná, que ainda não tem centros credenciados para realizar a cirurgia, quem pretende se candidatar precisa procurar a Secretaria de Estado da Saúde, que financia inclusive os custos de viagens. A preferência, avisam os profissionais, é para crianças com perfil como o de Natan, que já estejam também em acompanhamento fonoaudiológico. (LM)
Associação presta auxílio
A Associação dos Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear (Adap), com sede em Campinas (SP), auxilia famílias de implantados com a manutenção do processador de fala, encaixado externamente e que transmite sinais à prótese interna. O analista de sistemas Roner Dawson, presidente da associação, recebeu o implante já adulto e, hoje, fala e ouve perfeitamente. ?O maior apoio que estou dando é como moderador de um fórum (o FIC)?, afirma. Foi graças aos debates na internet que o grupo conseguiu as negociações entre Ministério da Saúde, fornecedores do aparelho e médicos. (LM)