Não é todo o mundo que percebe, mas Curitiba esconde por baixo de suas vias públicas dezenas de rios. A maior parte, porém, em condições de degradação total. O que faz os habitantes lembrarem da rica rede hidrográfica que corta a região geralmente é o cheiro exalado quando os rios passam a céu aberto, o que evidencia o principal motivo pelo qual estão praticamente mortos: o lançamento de esgotos clandestinos. O aviso dos estudiosos é que a população dê mais atenção ao caso, uma vez que essa água, usada para o abastecimento da cidade e Região Metropolitana, é predominantemente classificada, hoje, como ruim ou péssima de acordo com mecanismos internacionais de qualificação.
Curitiba sempre levou títulos que enfatizavam o planejamento urbano, a qualidade de vida comparável a países de primeiro mundo e, ainda, a questão ecológica como quesito de desenvolvimento. O marketing positivo da capital, no entanto, em parte é desbancado pela situação em que seus rios se encontram – o que tem a ver com o processo de urbanização. ?Era de se esperar que os rios recebessem a mesma atenção que receberam os parques construídos na cidade, por exemplo. Mas isso não aconteceu e, hoje, são verdadeiros esgotos a céu aberto?, enfatiza o professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da instituição, Francisco Mendonça. Aliado a isso, as ocupações urbanas fizeram com que os rios se tornassem foco de concentração populacional. ?Cerca de 12% da população da cidade vive no que se chama de subabitações, ou seja, favelas. E a maior parte desses 200 mil habitantes está concentrada em áreas próximas aos rios?, cita o professor. A poluição nos rios de Curitiba tem origem principalmente no lançamento de esgoto clandestino e lixo, mas há ainda os lançamentos industriais. ?Muita gente faz isso para não pagar as taxas de esgotamento e, no caso das indústrias, dependendo do porte e da atividade que desenvolvem, precisam ter um sistema próprio de despoluição. Como isso custa muito dinheiro, quase nunca é feito e os lançamentos acabam sendo feitos diretamente nos rios?, explica Mendonça. O resultado são rios cada vez mais poluídos.
Segundo a Sanepar, atualmente 77% da população tem rede de esgoto à disposição, mas sabe-se que muitas residências não utilizam o sistema para evitar gastos com adaptação e custos de coleta e tratamento. Mas se as causas são assustadoras, as conseqüências são ainda piores. O Índice de Qualidade da Água (IQA) – medição internacional que utiliza desde a verificação de temperatura e oxigênio da água até quantidade de bactérias – dos rios que cortam Curitiba e Região Metropolitana, em sua maior parte, está entre péssimo e ruim, o que é comprovado pelo mau cheiro e aspecto da água.
Mutirão para tirar lixo das nascentes
No processo de conscientização ambiental, ao menos um pequeno passo acaba de ser dado em Piraquara, cidade que se destaca na Região Metropolitana por causa da concentração de mananciais importantes à sobrevivência do ecossistema local e do abastecimento urbano. O município concentra uma série de ocupações irregulares – e uma delas, em especial, está localizada no Jardim Santa Maria, em um ponto que une treze nascentes, as quais desembocam no córrego Vargem. Lixo era problema sério nessa verdadeira fonte de vida, o que chamou a atenção de uma organização não governamental, o Grupo de Apoio Anjo da Guarda, voltada para programas assistenciais. A entidade reuniu os moradores para um dia de limpeza no local. Resultado: foram retirados 71 sacos grandes de lixo e feito um trabalho de conscientização.
O projeto, denominado Vale Verde, também contemplou o plantio de 300 mudas de árvores nativas para recompor a mata ciliar, doadas pela sede paranaense do Instituto Chico Mendes – entidade que atua com consorciamento de mudas também nos municípios de Quatro Barras e Pinhais. Com o desmatamento, lixo e esgoto desembocando nas nascentes, Adilcélio dos Santos, presidente do Grupo de Apoio, temia que as condições ambientais e sociais piorassem. ?Fizemos reuniões com os moradores para conscientizá-los dos problemas?, conta. Segundo Santos, era justamente por não ter onde colocar o lixo que os moradores o depositavam nos fundos de vale onde estão as nascentes. (LM)
Programa pretende melhorar situação
Os sete mananciais que compõem os reservatórios da Sanepar para abastecimento de Curitiba e Região Metropolitana, localizados a leste da capital, estão incluídos em um programa de proteção que pretende recuperá-los integrando as comunidades locais no processo. Um exemplo é a represa do Iraí, de onde o esgoto foi deslocado e a manutenção, revisada com correções e ampliação do sistema de rede. ?Conseguimos diminuir a carga orgânica de 14 quilos por dia para seis. Isso fez com que não tivéssemos afloramento de algas como em outras regiões?, explica a diretora de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, Maria Arlete Rosa. As algas tóxicas são resultado do lançamento excessivo de componentes orgânicos na água e acabam com a vida no rio, roubando o oxigênio dos peixes.
O trabalho no Iraí incluiu replantio de mata ciliar e educação ambiental para as comunidades no entorno. ?Estamos fazendo o mesmo processo no Piraquara 1 e no Passaúna -um dos principais reservatórios de abastecimento de Curitiba?, contabiliza a diretora.
O cheiro forte que exala do Rio Belém nos arredores do Centro Cívico tem origem em lançamentos inadequados de prédios do governo, inclusive. ?Temos identificado várias situações em que órgãos públicos municipais e estaduais estão com esgoto diretamente canalizado no rio?, denuncia Maria Arlete. (LM)
Diversas reclamações no Água Verde
A poluição dos rios em Curitiba e entornos não se evidencia apenas onde se concentram populações de baixa renda. No bairro Água Verde, de classe média a alta e onde passa o rio de mesmo nome, o cheiro leva a pensar como os moradores conseguem viver nas proximidades de onde a água corre. ?É que a gente acostuma?, responde um vizinho do rio, o técnico em eletrônica Edson Júlio Xavier de Paula. Apesar disso, reclama ter dias em que é quase impossível agüentar. ?Melhora um pouco quando chove, mas quando o tempo está seco…?, diz. A área em questão, onde o Água Verde não é coberto, envolve cerca de três quadras, entre as avenidas Dom Pedro I e Presidente Kennedy, mas é suficiente para espalhar o mau cheiro para boa parte da vizinhança. ?Além disso vêm os ratos, que entram nas casas. A Prefeitura dedetiza, mas não resolve?, diz outra moradora, a dona de casa Sueli Gonçalves. Os moradores relatam que o problema do mau cheiro vem aumentando ao longo dos últimos anos e, por isso, pedem que a Prefeitura canalize o rio, cobrindo-o. Mas a assessora técnica da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Curitiba, Marilza Dias, afirma que o procedimento é evitado por conta da legislação ambiental. ?O rio fica mais sujeito a receber esgoto clandestino e dificulta achar o problema. Se aberto, a situação é reversível; do contrário, praticamente se condena o rio?, explica. (LM)
Mau cheiro incomoda
O Rio Iguaçu, na divisa dos municípios de Curitiba e São José dos Pinhais, tem um aspecto preocupante: a água negra e espumosa incomoda os moradores da região. ?Se deixar a água do rio na bacia de um dia para o outro fica um fedor insuportável?, diz a zeladora Cristina Farias. ?A gente cuida para não jogar lixo, mas esse rio cheira mal?, complementa a doméstica Jurema Batista. Segundo o professor Francisco Mendonça, a área é habitada com infra-estrutura e condições sanitárias inadequadas. ?Desde os anos 70s já era decretado pelo Plano de Desenvolvimento Integrado da capital e RMC que o desenvolvimento urbano teria de acontecer a oeste, pois o leste era a área de principal captação de mananciais de superfície. Mas a partir dos anos 90s, foi justamente para essa área que a cidade cresceu?, recorda. A flexibilização industrial e as ocupações, ilegais ou não, em uma região ambientalmente delicada, deram origem a um problema difícil de ser contornado, mas que tem solução, acredita o professor. (LM)