Descaso. Esta foi a expressão mais usada pelos policiais ouvidos pela Tribuna. Além da sensação de desânimo, foi possível perceber problemas na estrutura dos postos. Mas, apesar de todos os contratempos, a vontade e o empenho de fazer com que as coisas aconteçam também se mostrou forte entre os policiais.

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Na semana passada, a reportagem percorreu quatro postos rodoviários, em diferentes dias e horários. Além de Araucária, os postos de Almirante Tamandaré, Graciosa e do Contorno Norte, na região de Curitiba, foram observados. Seis policiais rodoviários de diferentes unidades também comentaram a situação, com a condição de não se identificarem, por medo de serem punidos.

O item mais reclamado foi a falta de efetivo. Em geral, as equipes são compostas por apenas dois policiais, enquanto o ideal apontado seria de pelo menos três. Com poucos homens, a situação fica mais complicada durante a noite, horário em que o expediente do comando termina e não é possível deixar os postos fechados. Desta forma, um policial sai sozinho e o outro fica na unidade, mesmo com o risco de serem punidos.

“Sempre atendi ocorrências sozinho. Um fica no posto e o outro vai. O risco é muito grande, já pelo deslocamento passamos por vários locais de risco. Mas o pior é o atendimento. Geralmente os acidentes acontecem em curvas, então a gente tem que controlar o trânsito e fazer o boletim de ocorrência ao mesmo tempo. Às vezes você está sinalizando, vem um motorista correndo e freia em cima. Já passamos por vários riscos de sermos atropelados. Só não morre porque não é pra morrer”, relata Pedro*. “A PRE está largada. É um descaso muito grande, estamos jogados e sem condições de trabalho. Tá tudo errado”, critica Paulo*.

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“Sozinho não dá, é uma sobrecarga de serviço, porque também temos que cuidar dos pátios dos carros. Tive que atender um acidente e no local comentaram que uma das pessoas envolvidas estava armada. Como é que eu vou sozinho abordar alguém armado?”, questiona João*. Quando fica impossível de o posto responsável fazer o atendimento, postos mais distantes são designados para o trecho, demorando ainda mais a operação e fazendo com que policiais rodem muitos quilômetros por várias cidades em um único dia.

Rota de fuga

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Os policiais alertam que a fragilidade no policiamento nas rodovias estaduais já foi percebida por fugitivos, que dão preferência a essas estradas em sua rota de fuga. Com efetivo mínimo, os policiais não têm condições de fazer mais abordagens de rotina.

“Nós sabemos disso, recebemos até ligações avisando sobre carros suspeitos, mas se você está sozinho no posto, como é que vai? Não tem o que fazer. Até ligar para a Polícia Militar e avisar eles já foram embora”, reclama Pedro*. “As rodovias estaduais estão sem fiscalização nenhuma, até na divisa do estado, que é uma área importante”, completa Paulo*.

Enquanto percorria as rodovias para a produção da matéria, a reportagem da Tribuna não encontrou nenhuma viatura em blitze e policiamento ostensivo. Na passagem pelos postos, apenas um policial foi observado no posto da Graciosa, enquanto em Almirante Tamandaré a equipe contava com dois policiais. O posto do Contorno estava fechado e em Araucária a casa já estava vazia.

Atila Alberti
Na Estrada da Graciosa, só havia um policial trabalhando no posto.

Sem equipamentos e sem moral

Os relatos dos policiais revelam ainda que a estrutura da PRE não está adequada. Os rádios de comunicação, por exempl,o, quando não estão em manutenções demoradas, muitas vezes não funcionam. Entre as alternativas está a possibilidade de fazer a ponte entre os postos – que significa entrar em contato com uma unidade e pedir para que faça a comunicação com outra – ou então utilizar o próprio telefone. O mesmo acontece com radares móveis e equipamentos para teste do bafômetro.

Para resolver problemas que não estão previstos no orçamento, como compra de peças, manutenção de viaturas e até mesmo a aquisição de materiais utilizados no dia a dia, como folhas de papel sulfite, os policiais recorrem a parcerias. É comum empresários, prefeitos e instituições como escolas e igrejas ajudarem com doações.

Desta maneira os policiais conseguem até mesmo móveis e mantimentos utilizados ons postos. “Tem que correr atrás”, avalia João*, que recebe o fundo rotativo oferecido pelo comando da PRE, mas afirma que o recurso disponível para a manutenção dos postos demora a chegar e nem sempre é suficiente para as necessidades. “Não é nem parceria, é a caridade da população com a gente. E se não funciona, nós fazemos funcionar”, avalia Paulo*.

A condição das viaturas varia de acordo com as rodovias. Concessionárias de pedágio, por contrato, são responsáveis por ceder os veículos à PRE. Ainda assim, a burocracia atrasa a realização de manutenções simples. Já as estradas sem pedágio utilizam viaturas antigas. “A gente gosta, ama o que faz, mas estamos todos muito desmotivados. Isso aqui só está em pé porque a gente toca. Fazemos mais do que deveríamos fazer, mas não recebemos retorno”, desabafa Paulo*.

Problemas eventuais

O subcomandante da Polícia Rodoviária Estadual, major Marcos Dutra Rodrigues, afirmou que a falta de efetivo se dá por problemas pontuais e que a equipe “é muito volátil”, considerando o afastamento dos policiais por férias e problemas de saúde. “Nosso efetivo é de 729 policiais para todo o Paraná e este número é adequado para a demanda. Não é um número com folga, mas está bem otimizado e atende adequadamente a população”, afirma.

Ele aponta as estatísticas como um elemento favorável, em que durante o período de férias e em feriados o numero de acidentes e mortes nas estradas está diminuindo consideravelmente.

Já os casos de parcerias com a população para conseguir recursos aplicados nos postos foram classificados como fatos isolados e que não chegaram ao conhecimento do comando. O major destacou que, além do fundo rotativo entregue pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) para manutenção dos postos, o Departamento de Estradas e Rodagens (DER) também disponibiliza recursos para manutenção das viaturas.

“A moral da tropa, como chamamos o ânimo dos policiais, está alta. Viajamos por todo o Paraná e encontramos policiais motivados. Não vemos problemas nas condições de trabalho, está tudo adequado. Gostaria que as reclamações chegassem para melhorarmos”, ressalta.

Sem controle

Na avaliação do presidente da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos Inativos e Pensionistas (Amai), coronel Elizeo Ferraz Furquim, a Polícia Rodoviária Estadual está perdendo controle, o que, para ele, pode ser comprovado pela frequência dos crimes nas rodovias paranaenses. “Desta forma ela deixa de ser operacional e de dar o resultado que se espera dela. Isso é desmoralizante, e vai dizer o quê? Que o soldado é o culpado? É sempre o Estado, alguém deixou que isso acontecesse”, afirma.

Operacionais

O coronel destaca o desempenho de anos passados, quando muitas das ocorrências nas rodovias chegaram a praticamente zero. “Continuo almejando o recompletamento de efetivos, que permita que os postos se tornem operacionais e articulados e que possa tomar conta dos cidadãos”, diz.

* nomes fictícios para preservar a identidade os policiais.