As denúncias envolvendo a ex-assistente administrativa da Procuradoria Geral do Estado (PGE), Jozani Prado Santos, presa no último sábado, já resultam em investigações que apuram o real envolvimento das pessoas citadas por ela à polícia, entre eles, procuradores e oficiais de Justiça. A funcionária – que foi denunciada pelo Ministério Público do Estado pelo crime de peculato, ou seja, apropriação indevida de valores públicos – pode não estar mesmo sozinha no esquema: a polícia confirma que existem provas que incriminam mais gente no caso. Jozani e o oficial de Justiça preso também no sábado, Gilmar dos Reis Dias, foram soltos ontem, data em que venceu o prazo de cinco dias da prisão temporária.
O delegado responsável pelas investigações, Francisco Caricati, do Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), não aponta nomes ou cargos dos investigados. Garante, entretanto, que Jozani atribui a responsabilidade de cobrança indevida de honorários advocatícios e desvio de dinheiro do Fundo Especial da PGE para um suposto caixa dois a mais pessoas – e que as informações não vão passar em branco. "Evidências de fraudes existem. Quem são os responsáveis e quantos são não podemos afirmar ainda, mas já há evidências contra algumas pessoas", afirma. "O que pode-se dizer é que todos eles serão investigados."
Jozani já havia dito à polícia que seis procuradores se beneficiavam do esquema de cobrança de honorários – os quais, segundo ela, foram em cerca de 90% cobrados irregularmente, ou seja, sem que os devedores fossem citados em juízo, pelo menos durante os últimos dez anos. Eles contariam com a ajuda dos oficiais de Justiça, que intimariam as "vítimas" a acertar as contas com o Estado, caso contrário, seus bens seriam penhorados. "Se comprovado que havia cobrança indevida – por parte dos procuradores – eles podem responder pelo crime de concussão", diz o delegado.
Esse é o crime que cabe a funcionários públicos quando exigem vantagem indevida para si ou outras pessoas usando, para isso, o cargo que ocupam. Resulta entre dois a oito anos de prisão e é inafiançável. Mas, por enquanto, o que a polícia assegura é que as denúncias são graves e serão investigadas.
Perguntado se é possível garantir que não existem procuradores envolvidos, Caricati responde apenas que, por enquanto, "não é possível afirmar nem negar o envolvimento de ninguém".
O delegado Caricati afirma que não foi preciso pedir a prorrogação da prisão temporária de Jozani nem mesmo uma prisão preventiva, uma vez que, solta, ela não constitui ameaça às investigações. Segundo ele, a razão para que ficasse presa já foi suprida, uma vez que ela entregou à polícia as provas necessárias para investigar as acusações envolvendo a PGE. Jozani deve responder ao processo em liberdade.
Botto esclarece e contesta
Em mensagem transmitida do exterior, onde goza férias, o procurador-geral do Estado, advogado Sérgio Botto de Lacerda, contesta com veemência informações contidas em reportagens sobre o escândalo que envolve a Procuradoria Geral do Estado (PGE), depois da prisão da funcionária Jozani Prado Santos, acusada de apropriação indevida de dinheiro público. "Posso afiançar que tudo não passa de sensacionalismo de porta de cadeia", afirma Botto. "É inacreditável que a ex-funcionária tenha confessado a autoria dos fatos; que tenha dito que havia um esquema por ela própria chefiado e que contava com a participação de oficiais de justiça; que tenha dito, com todas as letras, que mesmo nas execuções fiscais não ajuizadas ela e os seus comparsas (oficiais de justiça), controlavam a situação e pressionavam devedores para o recebimento indevido de honorários (depositados só em sua conta bancária) e, agora, ?desvende? abusada versão de que procuradores do Estado a comandavam a assim agir", afirma o procurador Botto de Lacerda. E mais: "Como se sabe, a palavra dissociada de quem está preso ou mesmo de um advogado que pouco sabe daquilo que está falando, deve ser vista com reserva quando se trata de divulgá-las".
O procurador-geral, referindo-se a este jornal e à TV Iguaçu, considera nada razoável a forma como vem se dando o noticiário. "Chego a arriscar, até, que estaria havendo exagero em questões de somenos importância, deixando de dar credibilidade aos fatos confessados e provados para preteri-los em face de inverdades, de calúnias e de difamações, que só se prestam para confundir."
O dirigente da PGE, após historiar providências tomadas visando ao cumprimento de dispositivos do Estatuto da Advocacia, diz que com a edição de uma lei estadual em dezembro de 2003, o Paraná passou a considerar os honorários de sucumbência como verba pública e sua distribuição deixou de ser equitativa, mas baseada em critérios de produtividade.
"Em meados de abril de 2006, o procurador-chefe da Procuradoria Fiscal, dr. Pedro Bispo, levou ao meu conhecimento ter notícia de que estariam ocorrendo irregularidades na forma de arrecadação dos honorários de sucumbência, levada a efeito na sala da Procuradoria Fiscal afeta às Varas da Fazenda Pública em Curitiba, pouco se sabia sobre detalhes e sobre a autoria. Determinei – relata Botto de Lacerda – a instauração de uma sindicância administrativa e, durante a sua tramitação, pelo Estado do Paraná, aforei ação cautelar na Justiça Federal de Curitiba, buscando a quebra do sigilo bancário de funcionária comissionada da PGE que servia naquela sala do Fórum. Cumprida a liminar, que ainda em fase de efetivação, inúmeros cheques, em microfilmes, foram fornecidos pela Caixa Econômica Federal, dando conta de que a então funcionária Jozani, detentora de diversos cheques de contribuintes devedores de impostos e executados pelo Estado, nominativos ao Estado do Paraná e/ou a Procuradoria Geral do Estado, os carimbava no verso, como se endosso fosse, e os depositava em sua conta bancária pessoal. Ouvida pela comissão de sindicância, a funcionária confessou a autoria de tais fatos e, na ocasião, inclusive envolveu diversos oficiais de justiça ad-hoc como partícipes de seu esquema."
A sindicância encerrou com a adoção de três medidas: a demissão da funcionária, a destituição de todos os oficiais de justiça ad-hoc e a realização de correição em todos os executivos fiscais do Estado instaurados desde a instituição do Fundo Especial da PGE.
A investigação policial conduzida pelo Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce) contra o Estado culminou com o envolvimento de ex-oficial de justiça ad-hoc, seqüestro de bens da ex-funcionária e com prisões. "Foi a partir daí que a ex-funcionária, claramente mal-intencionada e orientada por profissional nada consciente de suas obrigações éticas, passou a propalar sobre irregularidades no âmbito da PGE. Com propósito único de gerar escândalo, mal informar, confundir e desviar o foco das provadas e confessadas acusações. Segundo ela, no passado e antes das instituição do Fundo Especial, alguns procuradores cobrariam honorários de sucumbência antes mesmo do ajuizamento de execuções fiscais, realizando depósitos em sua conta corrente para posterior distribuição. Segundo essa mesma irresponsável e confusa versão, parece que mesmo na vigência do Fundo Especial isto também ocorreria", escreveu em sua mensagem o procurador Sérgio Botto de Lacerda. "A partir daí, deu-se início ao noticiário escandaloso do jornal (…) O Estado do Paraná. Em chamadas de primeira página, de ontem (anteontem) e de hoje (ontem), constam as estúpidas acusações, postas só pela desinformação, de que no âmbito da PGE haveriam ?graves irregularidades? pela cobrança de honorários indevidos. Hoje (ontem), também com o claro propósito de me atingir, consta a absurda versão de que a ex-chefe da Procuradoria Fiscal e ex-presidente da Associação de Procuradores do Estado, dra. Marisa Zandonai, seria ?a chefe do esquema?. Nada mais absurdo e sórdido, porquanto nada disso é verdadeiro e só foi posto em razão de expedientes inconfessáveis daqueles que, por razões ainda desconhecidas, querem atingir a instituição usando de pessoas honestas e dedicadas ao interesse público".
Nota da Redação
O Estado do Paraná tratou o caso com absoluta isenção. E sempre com o cuidado de dar espaço a todas as partes. Abrigou, por duas vezes nesta semana, nota oficial do procurador-geral Botto de Lacerda, esclarecendo os fatos e colocando sob censura as declarações da ex-funcionária autora dos deslizes e das acusações contra servidores da Procuradoria Geral do Estado. A correspondência que publicamos acima detalha com minúcias bastidores do caso, que deve ser dividido em duas partes: antes e depois da lei estadual de 2003. Continuaremos acompanhando – e noticiando – o desdobramento do inquérito policial e da denúncia do Ministério Público estadual, esta ajuizada anteontem.