Na última semana, Curitiba sediou um seminário com autoridades municipais de várias cidades do mundo que discutiram o tema de gestão de resíduos tóxicos em áreas urbanas. Ao mesmo tempo, um e-mail de um ambientalista chegava às redações de jornais paranaenses lançando polêmica sobre um dos principais meios de destinação de lixo tóxico adotado no Brasil: o co-processamento, método que utiliza energia de resíduos descartados para substituir combustíveis fósseis em fornos de cimenteiras. Em teoria, uma boa troca. O lixo classe 1, o mais tóxico em uma escala de três possíveis, literalmente vira fumaça e, ao mesmo tempo, economiza petróleo.
Porém, o especialista na área de gestão de resíduos, Gert Roland Fischer, autor do e-mail, diz que, na prática, a equação é questionável. ?O que acontece no Brasil é a socialização da poluição. Ou seja, empresas que deveriam cuidar do passivo tóxico que produzem, simplesmente queimam os resíduos, passando o problema para a sociedade?, afirma o ambientalista, que também é presidente da Associação de Preservação e Equilíbrio do Meio Ambiente de Santa Catarina (Aprema-SC). Ele acusa as maiores cimenteiras do Estado, a Votorantim Cimentos, em Rio Branco do Sul, e a Cimentos Itambé, em Balsa Nova, de produzirem durante o co-processamento, entre outros poluentes, dioxina e furano, duas substâncias altamente tóxicas e cancerígenas, resultantes principalmente da queima do cloro.
A conselheira do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Zuleica Nycs, também questiona a prática. ?Aparentemente as empresas seguem todas as normas técnicas e a legislação ambiental, inclusive a do próprio Conama. O problema é que nenhum órgão estatal brasileiro faz a medição de dioxinas e furanos na atmosfera?, revela.
A polêmica sobre o co-processamento é causada justamente por causa da legislação em torno do controle ambiental. Como o governo não faz as medições de dioxina e furano, as empresas são responsáveis, através de uma resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema), por contratar laboratórios para fazer a amostragem e enviar, semestralmente, um relatório para o Instituto Ambiental do Paraná (IAP). ?E não se tem acesso a estas medições?, completa.
Um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), confeccionado após uma oficina sobre o assunto, chega à conclusão de que a prática apresenta uma série de riscos. ?O Brasil é signatário da Convenção de Estocolmo, que visa eliminar a produção e utilização dos produtos poluentes orgânicos persistentes e já deveria, desde 2004, estar fazendo o controle da dioxina. Mas posso afirmar, de dentro do Conama, que existe resistência política e que a adoção do protocolo deve demorar?, avisa Nycs.
Lei exige teste antes da queima
No Brasil, uma resolução do Conama autoriza o co-processamento e estabelece as diretrizes que os estados devem seguir. No Paraná, para poder realizar o processo, as cimenteiras precisam de autorização do IAP e de um Estudo de Impacto Ambiental. Outra resolução, do Cema, estabelece que resíduos classe 1 podem ou não ser trazidos para o Estado. Os organoclorados, por exemplo, principais responsáveis pela produção de dioxina e furano, são proibidos de serem trazidos ao Paraná e de serem co-processados.
A empresa que quiser trazer os resíduos deve pedir uma autorização ao IAP para o transporte. Depois, uma câmara técnica do órgão é responsável por analisar e dar a licença para cada um dos lotes antes de irem para os fornos. No ano passado, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) estabeleceu que o limite máximo de emissão de dioxinas e furanos é de 0,14 nanograma por normal metro cúbico (ng/Nm3). A média européia, por exemplo, é de 0,5.
Segundo o IAP, como existe a proibição de queima de organoclorados, não há expectativa da emissão de dioxinas pelas cimenteiras, e o controle prévio feito pelo órgão nos lotes impediria a queima de resíduos que pudessem produzir a substância. Além disso, o IAP informa que não faz a divulgação dos dados recebidos pelas empresas, mas que, como documento público, qualquer cidadão pode ter acesso a eles.
A reportagem de O Estado apurou que somente um laboratório particular no País, a Analytical Solutions, tem condições de realizar análise de dioxinas e furanos em emissões atmosféricas nos níveis estabelecidos pela legislação. Segundo o gerente de segmento da empresa, Daniel Bhering, treze indústrias no Paraná usam o laboratório para estas análises, que custam de R$ 2 mil a R$ 15 mil por medição. A Votorantim informou que utiliza os serviços de um laboratório alemão para os testes.
Empresas dizem que dioxina é superestimada
Por outro lado, as cimenteiras não só defendem o co-processamento, como utilizam o processo como marketing positivo e até como uma maneira de aumentarem seus lucros. ?A Votorantim utiliza o co-processamento desde 1991. Somos pioneiros deste processo no Brasil?, conta o diretor técnico da Votorantim Cimentos, Arnaldo Angelo.
Segundo o executivo, o processo é interessante para a sociedade – pois as empresas não precisam recorrer a aterros para depositarem os resíduos mais perigosos – e é interessante para as cimenteiras – que conseguem uma boa economia com o processo, deixando de queimar combustível não-renovável. Um raciocínio convincente se for levado em conta que 2 milhões de toneladas de resíduos tóxicos têm destinação desconhecida no Brasil.
De acordo com Angelo, são os geradores que procuram a Votorantim para ceder os resíduos, e nada é pago pelo material. Ronaldo Ferrari, gerente de co-processamento da Cimentos Itambé, que começou esse tipo de processo em 1992, relata o mesmo procedimento. ?Assim chegamos a economizar 18% de combustível fóssil?, revela.
Em 2007, a Votorantim co-processou 210 mil toneladas de resíduos na unidade de Rio Branco do Sul, e espera chegar a 310 mil este ano. Já os fornos da Itambé deram conta de 46 mil toneladas. E ambos os executivos garantem que tudo acontece como manda a lei. ?Fazemos um controle rigoroso tanto pela consciência ecológica quanto pela qualidade de nosso produto?, diz Angelo.
Os dois dizem que a dioxina não é o problema que os ambientalistas afirmam ser. A Votorantim informou que a média, em 2006, do produto liberado foi de 0,003 ng/Nm3. Já o diretor da Itambé disse que a média da empresa foi ?30 vezes inferior ao padrão exigido pelo IAP?. Os dois número estão bem abaixo da lei estadual, de 0,14 ng/Nm3. Segundo o IAP, as duas empresas estão em dia com a coleta e entrega dos dados de liberação de dioxina e furano de suas fábricas.