Enquanto a versão original de uma determinada marca de óculos custa em média R$ 300, a pirateada pode ser facilmente encontrada por R$ 15. O mesmo acontece com os bonés, que de R$ 50 custam R$ 10 e os programas de computador, cujo preço original varia entre R$ 300 e R$ 700, mas são encontrados entre R$ 10 e R$ 25. Todos esses produtos bem mais baratos são ilícitos. E, enquanto não houver uma rotina de fiscalização e combate, continuam nas prateleiras dos ambulantes, lojas e até em centros comerciais.
Como explica o promotor de justiça de Foz do Iguaçu, Rudi Rigo Burkle, pirataria é a violação à propriedade intelectual, ou industrial, por reprodução de obras sem autorização do autor. A lei de propriedade é a 9.610/1998 e o crime, que pode dar de 3 meses a 4 anos de prisão, está determinado no artigo 184 do Código Penal. ?De um modo geral, todas as autoridades de segurança têm responsabilidade sobre o combate à pirataria?, afirma.
?A nossa ação depende da representação do detentor da marca. Como nós não temos essa representação, não podemos fazer a apreensão?, explica o escrivão Marco Aurélio Martins, da Delegacia de Crimes Contra Economia e Proteção ao Consumidor (Delcon). Já a Delegacia de Estelionato só se atenta a outra situação. ?A pirataria abrange todas as marcas. Isso é crime, mas só atendemos a denúncias porque trabalhamos com autoria desconhecida. Em dois anos foram só duas apreensões por aqui?, explica a delegada Vanessa Alice.
Quanto à participação da Polícia Militar em ações de combate à pirataria parece ser também limitada. ?Lançamos mão da parceria com a Secretaria de Urbanismo de Curitiba na fiscalização dos ambulantes, mas são práticas eventuais. Não temos uma rotina diária de fiscalização?, afirma o tenente Olavo Vianei Nunes.
Como ainda explica o promotor, alguns produtos encontrados têm preços inferiores não por serem falsificados, mas por terem entrado no País de maneira ilegal, que seriam os casos de contrabando e descaminho. É aí que a Polícia Federal entra. ?À Polícia Federal cabe investigar os crimes contra a União. No varejo, para nós agirmos, é impossível. A maneira mais eficaz de combate a esses crimes é analisando como um todo: fornecedor, esquema, receptador e identificar as quadrilhas?, explica o delegado Omar Gabriel Haj-Mussi. Para o delegado, esses crimes não são imbatíveis. ?Tem como combater, mas as instituições de segurança estão sempre um passo atrás?, afirma.
Enquanto isso, os prejuízos causados pelas práticas – pirataria, contrabando ou descaminho – continuam sendo gerados. Quem adquire esses produtos perde por não ter garantia, qualidade nem direito a reclamar. Já quem paga todos os impostos sobre o produto e a venda perde pela concorrência desleal e quem detém a marca ou autoria deixa de ganhar o que lhe é de direito. Segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), esse mercado informal impede que R$ 6 bilhões em faturamento cheguem às empresas.
Falta de contribuição é problema
Quem se utiliza dessas práticas é, sem dúvida, criminosos e se encontra em situação de ?flagrante delito?. Porém, todos os órgãos de segurança, assim como os de Justiça, concordam que a pirataria, contrabando ou descaminho só estão em alta hoje porque são alimentados.
Segundo o escrivão da Delcon, Marco Aurélio Martins, a população chega a atrapalhar a coibição do crime. ?A população está envolvida no processo, o que acaba dificultando o combate?, afirma.
A Policia Federal também reclama a falta de contribuição. ?Tanto o contrabando quanto a pirataria tendem a ser tolerados pela sociedade. As pessoas vão atrás dos preços. É um círculo vicioso. Estão alimentando um mercado informal, que traz perdas ao País?, explica o delegado Omar Gabriel Haj-Mussi.
O promotor Rudi Burkle vai além, e fala dos riscos. ?As pessoas que fazem a aquisição desses produtos podem incorrer ou no próprio crime, como partícipe, ou, na pior das hipóteses, responder por receptação?, alerta. Segundo ele, um simples xerox já é uma violação. ?Toda essa forma de cópia de alguma forma viola, sob forma civil, se não penal, a propriedade?, explica. (NF)
O crime e suas interpretações
O tema pirataria leva a outros crimes, o que acaba gerando confusão. Além dos crimes de contrabando e descaminho, há quem fale em estelionato, artigo 171.
Por contrabando, artigo 334 do Código Penal, entende-se a importação ou exportação de mercadorias estrangeiras proibidas, desacompanhadas de documentação legal. É o caso de produtos como armas, carros e cigarros.
Já o descaminho, previsto no mesmo artigo, ocorre quando produtos legais entram no País sem documentação e sem o recolhimento de devidos tributos. Os criminosos elidem o pagamento desses impostos, ou seja, trata-se de um crime contra o fisco.
A pirataria, como um crime contra a propriedade intelectual ou industrial, ainda pode ser entendida como falsificação, ?clonagem? ou imitação.
O artigo 171 é citado, quando algum consumidor reclama ter sido ludibriado com o produto – ou seja, comprou algo falsificado como sendo original, por exemplo.
O delegado da Polícia Federal, Omar Gabriel Haj-Mussi, ainda sugere outros crimes aos quais a ?simples? pirataria pode levar. ?Há ligação da pirataria com outros crimes organizados, pois envolve todo um esquema de transporte e distribuição propícios. Por exemplo às drogas, à sonegação e outros?, afirma. (NF)