Pichações tomam conta da capital paranaense

Andar por Curitiba e não perceber a presença das pichações é impossível. A capital está ?marcada? por toda a parte, seja nos bairros nobres, periferia ou centro da cidade. Cada vez mais ousados, os pichadores ganham as alturas, arriscando a vida para deixar sua ?marca? em topos de edifícios; ou desafiam os órgãos públicos, pichando até mesmo delegacias e postos da polícia.

Quando escurece, o adolescente R.M., de 17 anos, pega a mochila e sai de casa para fazer sua ?arte?. O desafio é tomar muros, fachadas, parapeitos, pontes, sacadas ou qualquer área lisa e desprevenida. Medo da polícia ele diz não ter, e até conta com orgulho as vezes que já driblou ?os homi? (sic). R.M. ingressou na ?atividade? há três anos, e hoje afirma ter conseguido ?ibope? (sic) perante o grupo de colegas que o acompanha nas aventuras. Mas a moral mesmo veio quando ele escalou, por fora, uma janela de um prédio sem equipamentos de proteção para grifar no topo do prédio as letras difíceis de se entender que imprimem a sua ?marca?. Parar, por enquanto, não passa pela sua cabeça, pois a adrenalina continua falando mais alto.

Ao contrário do que muitos pensam, a pichação não é praticada apenas por jovens da periferia. A prática de escrever nas ruas já tem adeptos em todas as classes sociais. A diferença entre eles, diz a coordenadora de campanha da Associação dos Condomínios Garantidos do Brasil, Stela Rohde, são os equipamentos utilizados. ?Os pichadores da periferia, que geralmente não têm dinheiro para comprar spray – uma lata custa em média R$ 15 – utilizam tinta e pincel. Já os mais abastados, além do spray, até fazem curso de alpinismo para poder pichar em lugares mais altos?, comentou. Ela acredita que além da adrenalina, a pichação vem se tornando um modismo, assim como tatuagens e piercing, ?a pichação é uma forma de o jovem ou adolescente mostrar seu poder perante o grupo.?

Torcidas

A história da pichação é antiga. Em muitos momentos ela se confunde com o grafite – considerado hoje uma forma de arte, mas que surgiu como um mecanismo de protesto pelos movimentos estudantis e sociais na década de 60. Porém, para o arte-educador que trabalha há mais de dez anos com movimentos de rua, Jonas Carlos de Souza, a pichação começou no século XVI, quando as pessoas presas em cavernas utilizavam sementes para fazer desenhos e ?marcação nas pedras?. Muito mais tarde, essa prática chegou aos presídios. As paredes eram utilizadas como base para protestos.

Para Souza, atualmente as pichações estão intimamente ligadas com as torcidas organizadas de futebol, que acabam estimulando a violência. Ele afirma isso com base em uma pesquisa que realizou há quatro anos em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Nesse trabalho ele identificou a existência de grupos organizados, que deixavam suas marcas – entre os quais UZN (União Zona Norte) e UFZN (União Fúria Zona Norte). ?O maior desafio entre eles era pichar em território adversário. Quando um dos pichadores morria, a marca multiplicava na cidade?, falou.

Atualmente muitas ?marcas? que se observam nas ruas são ?importadas? de outras cidades. De acordo com Stela Rohde, os pichadores trocam os desenhos e letras pela internet. Para provar que ela realmente foi ?impressa? em algum local, eles filmam ou fotografam a ação. Ela ressalta ainda que o local preferido dos pichadores são aqueles chamados de ?agenda?, onde existe uma pichação antiga que não foi apagada. ?Isso quer dizer que a mensagem que ele quis passar ficou ali por muito tempo?, explicou. Por isso, diz que a receita para combater a pichação é cal, água e persistência. ?Se alguém pichar um muro, e no dia seguinte o proprietário apagar, o pichador vai procurar outro lugar onde sua mensagem seja vista por mais tempo?, finalizou.

Atividade é considerada crime

A pichação é enquadrada como crime em três leis específicas, e o autor pode, além de pagar multa, ficar detido por até dois anos – a prisão também é prevista para os menores de 18 anos. Em Curitiba, só neste ano, 207 pessoas foram pegas em flagrante pela Guarda Municipal por esse crime – 139 eram menores de idade.

A Lei Federal 9.605/98 enquadra a pichação dentro do crime ambiental, e prevê como punição a detenção de três meses a um ano. Já no Código Penal diz que o ato de pichar é uma contravenção penal, e também prevê a prisão por até um ano. A Lei Municipal 8.984/96 estabelece uma multa de cerca de R$ 740 para o pichador detido, e se ele tiver mais de 18 anos, fica impedido de participar de concurso público por até dois anos. A mesma legislação proíbe os estabelecimentos comerciais de vender tinta spray para menores de 18 anos, e quem não cumprir a lei, pode ser multado ou perder o alvará de funcionamento.

De acordo com o supervisor da Guarda Municipal, Ted Jorge Bridarolli de Jesus, que participa de um projeto de orientação sobre a pichação em escolas da capital, a grande maioria dos estudantes sabe dos direitos que estão contidos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), porém não sabem dos seus deveres. ?A grande maioria se admira ao saber que ele pode ficar detido até 45 dias, se os pais não forem buscá-lo na delegacia do menor?, comentou.

E a participação dos pais nesse processo precisa ser muito mais efetiva, garante o coordenador da Patrulha Escolar da Polícia Militar em Curitiba, tenente Cláudio Prus. ?O grande problema no envolvimento de jovens com o vandalismo tem sido a omissão dos pais, pois muitos não fazem nada quando flagram os filhos com tinta ou spray?, comentou. Segundo ele, os pais podem ajudar observando o comportamento do filho, e o material que ele carrega na mochila. (RO)

Trabalho com pichadores em projetos sociais e culturais

Para reverter esse cenário, surgem diversas iniciativas na tentativa de atrair os pichadores para projetos sociais e culturais. Um deles é M2HM (Movimento Hip Hop Metropolitano), idealizado pelo arte-educador e atual chefe da Divisão Cultural do município de Tunas do Paraná, Jonas Carlos de Souza. Ele atraiu os ex-pichadores que moravam em Colombo para um projeto cultural utilizando a mesma linguagem das ruas.

?Eu joguei a isca colando cartazes com frases escritas ao contrário onde as pichações imperavam. Depois, marquei uma aula de artes plásticas com crianças, e eles se reuniram fora da sala para me ?moer?. Em determinado momento, eles invadiram a aula e começaram a me questionar. Convenci grande parte deles que se queriam aparecer teriam que mostrar um lado positivo?, relatou. Depois desse primeiro contato, muitos pichadores procuraram Souza para que ele ensinasse a arte do grafite. Mais de 150 jovens participaram das oficinas culturais que continuam sendo realizadas até hoje.

Iniciativa

A Associação dos Condomínios Garantidos do Brasil resolveu que deveria reverter parte dos recursos obtidos com as taxas de condomínio para combater um problema comum: a pichação. Desde o ano 2000 já passaram por 42 escolas de Curitiba trabalhando com mais de 42 mil alunos. O supervisor da entidade, Adilson Calegorio, explica que o programa contra a pichação começa com a realização de uma palestra sobre o tema.

?Antes da palestra a escola faz um concurso de cartazes entre os alunos e os melhores são expostos na sala. Quando os alunos chegam, os cartazes são pichados. Com isso, tentamos mostrar para esses jovens qual é o sentimento de alguém que tem seu muro ou estabelecimento pichado?, comentou. Depois desse trabalho, as crianças vão para as ruas fazer o despiche dos muros da escola. Calegorio afirma que esse tipo de ação terá resultado a longo prazo, ?pois conscientizando essas crianças temos certeza que eles passarão isso para seus irmãos e amigos?.

Profissão

O artista plástico Wagner Rodrigues sempre trabalhou com desenhos, e descobriu que sua vocação para lidar com as tintas poderia virar uma fonte de renda. Ele se especializou em aerografia – ou airbrush, que é uma técnica de pintura onde se utiliza uma pequena pistola ligada a um compressor de ar para produzir jatos de tinta – e hoje tenta passar seus conhecimentos em oficinas culturais desenvolvidas na periferia de Curitiba. ?Tento mostrar para esses jovens que a aerografia e o grafite podem ser fontes de renda, e eles poderão unir a arte com a profissão?, comentou. Ele comenta que em apenas um trabalho, feito por exemplo no capô de um carro, é possível ganhar em média R$ 600. (RO)

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