Mais. Comida. Dignidade. Suficiente. Acabar. Problemas. Juntando essas palavras, como se fosse um quebra-cabeça, é possível chegar a um panorama sobre o Bolsa Família no País. Mais comida. Mais dignidade. Mas não o suficiente para acabar com todos os problemas.
O maior programa de transferência de renda do Brasil passou pela primeira grande avaliação desde que foi implantado, há quatro anos. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) detectou que houve aumento na quantidade de alimentos consumidos pela famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.
No entanto, 21% delas ainda se encontram em uma situação de insegurança alimentar grave (passando fome) e outras 34% em um quadro de insegurança alimentar moderada (com restrição na alimentação).
O sul do País apresenta alguns resultados diferenciados em relação a outras regiões, como o percentual de gastos do dinheiro do Bolsa Família com a alimentação. Mas não foge à regra. Curitiba e região metropolitana também não.
São 32 mil famílias na capital que recebem o benefício, cerca de um terço do total de cadastrados na cidade. Essas famílias estão espalhadas por toda o município, mas em alguns bairros a concentração é maior.
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Érika Hayashida, da Fundação de Ação Social: “Transferência de renda traz dignidade”. |
Um exemplo é o Tatuquara, que, de tão grande, é dividido em várias “vilas”. No Santa Rita e no Monteiro Lobato, duas dessas áreas menores, moram cinco mil famílias, segundo dados oficiais.
Deste total, 90% está dentro dos critérios para a ingressão no programa e 70% recebe o Bolsa Família, segundo a coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Monteiro Lobato (vinculado à Fundação de Ação Social – FAS), Érika Haruno Hayashida.
Ela destaca que o Bolsa Família dá autonomia para as famílias menos favorecidas. Estas já recebiam auxílio, com doações e cestas básicas. Mas muita coisa mudou com a possibilidade de entrar no supermercado, na vendinha ou na mercearia e comprar o que quiser.
“A transferência de renda traz a dignidade. O dinheiro pode ser aplicado da forma como eles realmente estão precisando. Na cesta básica, não tem o calçado, por exemplo. Há doações de calçados, mas com o dinheiro eles podem escolher do jeito que querem. Podem consumir como qualquer outra família”, analisa Érika.
Pensar bem como aplicar os R$ 76 que ganha do Bolsa Família é a tarefa mensal da dona de casa Nadir Pereira Dias. São três pessoas na casa dela, no Santa Rita. Nadir, a filha Aline, 13 anos, e o marido, que é pintor de parede. Com a expressão de alegria e uma empolgação surpreendente de dona Nadir, é impossível não notar a mudança que o programa fez nesta família.
“Melhorou bastante e acho que vai melhorar ainda mais. A maior parte do dinheiro vai para a comida. Mas eu também fiz cursos oferecidos aqui, como de bijuterias e bonecas. Acabo comprando material para fazer isso também. E aí vem um pouquinho mais de renda”, ensina.
A primeira coisa a se pensar seria uma dependência em cima desse dinheiro, pois ele trouxe muitas melhorias em pouco tempo. Mas não. Pelo menos para dona Nadir. “Agora é esperar melhorar a vida ainda mais, mas sozinha. Eu costuro e acho que precisaria do Bolsa Família até montar um pequeno negócio. Aí, eu desisto. Abro mão para outras pessoas que também precisam”, garante Nadir.
Para esta reportagem, m&atild,e;e e filha posaram para fotos. Alegres e, ao mesmo tempo, envergonhadas – o que é comum. E na frente de uma parcela do que o dinheiro do Bolsa Família materializou: comida. Uma foto que poderia ir para o álbum de família.
Planejamento do curto orçamento familiar
O planejamento que dona Nadir faz foi um dos pontos verificados na pesquisa do Ibase. Um dos coordenadores do estudo e diretor do Ibase, Francisco Menezes, explica que o Bolsa Família – por ser um programa caracterizado pela regularidade – permite um planejamento maior do curto orçamento familiar.
Ainda mais com a maioria das famílias em atividades econômicas informais.
Para Menezes, a pesquisa desmistificou diversos pontos de vista em relação ao Bolsa Família.
“Dizer que é mau uso do dinheiro a compra de uma cama, de um fogão, de uma geladeira – na maioria das vezes de segunda mão – é uma manifestação elitista. É descabida uma crítica como esta. Alguns acham demasiado o valor do programa, que os R$ 10,5 bilhões poderiam ser destinados à educação, por exemplo. Mas o programa parece garantir os direitos essenciais. E, se a pessoa não está bem alimentada, como ela vai conseguir outras coisas?”, questiona.
A pesquisa ainda mostrou que mais de 99% das famílias beneficiadas não deixaram o trabalho. “Aquele mínimo que deixou foi porque o trabalho era degradante e o salário, tão baixo que o benefício do Bolsa Família superava”, lembra Menezes.
Para os especialistas ouvidos (de diversos órgãos públicos envolvidos com o Bolsa Família), o programa precisa efetivamente entrar em uma nova fase. Houve avanços, mas as famílias menos favorecidas podem evoluir mais.
Agora, além do dinheiro e do incremento em ações para a segurança alimentar,
é necessário investir em projetos de desenvolvimento, capacitação
e geração de renda. Assim, aos poucos, essas famílias começam a andar melhor
com as próprias pernas. Assim como quer dona Nadir.