Perigoso, mas só de mentirinha

Foto: Mara CornelsenVisitar a Ilha do Mel e não conhecer o ?Perigoso? é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. Guardadas as devidas proporções, nosso personagem de hoje é tão conhecido que não pode passar despercebido nem mesmo por aqueles que só vão dar uma passeadinha na famosa ilha. Ele faz parte da série de reportagens que a Tribuna traz aos domingos para seus leitores sobre as pessoas que moram em nossas praias. Já falamos de Mestre Eugênio, o ?rei? do Fandango; do ?Índio? que gosta de samba; do violeiro ?Seu Zé?; do ?Jacaré? de Santa Terezinha e do ex-pescador que toca cavaquinho de ouvido, o ?Seu Silo?, morador em Matinhos. Boa leitura!

Valdomiro Gomes tem 72 anos. Nasceu em 1934 e faz aniversário em 12 de abril. Ele é uma das 120 pessoas que tiveram o ?umbigo cortado na Ilha do Mel?. Ou seja, nasceu na ilha e mora nela até hoje. Mas se alguém perguntar por Valdomiro, certamente ninguém vai saber quem ele é. No entanto, se disserem seu apelido, logo todos indicam onde encontrá-lo. Ele é conhecido como ?Perigoso? e tem uma história de vida na mais importante ilha do litoral paranaense. Marinheiro antigo, hoje ele trabalha ?por conta?, puxando carrinhos para transportar malas de turistas para as mais de 60 pousadas que infestam o local; cuida de um pequeno camping de sua propriedade e junta lixo, muito lixo, por onde passa. Antes que alguém pensasse em falar em ecologia, ele já tratava de cuidar de sua ilha. Tem pavor de quem espalha latas vazias de cerveja ou refrigerante ou qualquer outra porcaria que possa danificar o meio ambiente. Também detesta usuários de drogas – maconheiro e cheiradores de cola, como os definiu – e normalmente os expulsa de seu pequeno camping. ?Essa gente só cria problema?, alerta.

?Perigoso? não gosta de jornalistas e foi com muito sacrifício que concordou em fazer parte da série de reportagens da Tribuna que retratam os personagens do nosso litoral. Depois, desatou a falar. Nasceu na praia de Encantadas. Ficou na ilha até ingressar na Marinha Mercante, de onde se aposentou há 26 anos. ?Sou conhecido no mundo todo?, diz ele sem qualquer modéstia. De todas as suas viagens pelo mar, a de que tem mais lembrança é de uma em que desembarcou em um porto da Espanha. ?Aquele lugar é lindo demais?, garante.

Mara CornelsenVestindo meias grossas para esconder um problema nas pernas e calçando sandálias de solado grosso, ?Perigoso? não se intimida diante de um calor de mais de 30 graus. Permanece no pier, no local conhecido por Brasília, aguardando a chegada dos barcos que saem de Pontal do Sul, nesta época do ano, entupidos de turistas. Como se fosse um garoto, aborda quem chega, apanha as malas e as coloca no carrinho de madeira, fazendo o ?frete? até o local indicado pelo visitante. Cobra o mesmo preço que os demais transportadores: para as praias de Brasília e Farol, R$ 15,00; para Fortaleza, R$ 30,00; e para a Praia Grande, R$ 25,00. Os barcos chegam de hora em hora (a travessia de ida e volta custa R$ 20,00).

Mas o que mais intriga quem o conhece é a origem do apelido ?Perigoso?. Ele mesmo tenta fazer um certo segredo, porém confessa que quando era mais novo, dava uma de ?polícia? na ilha. Quando tinham que prender algum arruaceiro ou mau elemento, ele mesmo fazia a detenção, ?na mão grande? (sem qualquer tipo de arma) e entregava o procurado às autoridades. Por isso seria considerado um homem perigoso. No entanto, quem acampa na ilha há muitos anos (desde o tempo que não tinha luz elétrica nem água encanada) apresenta outra versão: por ser um homem respeitado por todos e avessso à confusões, as garotas que costumam freqüentar a Ilha do Mel levando barracas instalavam-se no terreno onde ele mantinha um pequeno bar, porque tinham certeza de que ali estavam em segurança. Além de trabalhar durante todo o dia, ele passava as noites como um verdadeiro guardião, cuidando das barracas da mulherada. ?Ninguém chegava nelas. Ficava todo mundo tranqüilo?, conta. Os bebuns que saíam dos bares para a ?caçada? ficavam intimidados de ir ?mexer? com as meninas que estavam sob a guarda daquele homem, que era tido como perigoso. Então o apelido se consolidou.

Além de conhecer os locais paradisíacos da Ilha do Mel, talvez o mais belo reduto do litoral paranaense, vale a pena dar uma paradinha em Brasília e trocar ?um dedo de prosa? com ?Perigoso?, que pode recomendar um boa pousada e até um ótimo lugar para almoçar, já que conhece todo o lugar como a palma de sua mão.

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