Foto: Fábio Alexandre/O Estado

Procurador Paulo Gomes: quadrilha é apenas a ponta do iceberg.

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O Paraná tem uma dívida em precatórios que chega a R$ 10 bilhões. Desse total não se sabe ao certo quanto é realmente devido e quanto é fruto de fraude. A informação é do procurador-chefe da Procuradoria de Previdência Funcional do Estado, Paulo Gomes Junior, que concedeu uma entrevista a O Estado ontem, um dia após o Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce) da Polícia Civil prender parte de uma quadrilha acusada de aplicar golpes para receber, ilegalmente, o pagamento de precatórios do governo estadual. ?Estima-se que quadrilhas como essa sejam responsáveis pela saída de mais de R$ 100 milhões dos cofres públicos em ações ilegais?, diz o procurador.

A informação desmente a notícia divulgada na terça-feira de que esse montante teria sido desviado apenas pela quadrilha presa. Mesmo assim, o valor não fica longe da realidade: de acordo com o procurador, os criminosos já teriam levantado R$ 30 milhões e teriam o mesmo montante a receber. O advogado Carlos Alberto Pereira, 55 anos, que está foragido e é apontado pela investigação da Procuradoria Geral do Estado (PGE) como o líder do esquema, foi candidato ao governo do Estado nas eleições de 1986. Ele concorreu pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e terminou em penúltimo lugar.

Reprodução/João de Noronha
Advogado suspenso: foragido.

Pereira tem 58 processos distribuídos na seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), onde responde a processo administrativo de exclusão. Em nota divulgada ontem, a OAB informa que o advogado está suspenso preventivamente por 90 dias pelo Tribunal de Ética e Disciplina da entidade. A operação batizada de ?Máfia dos Precatórios? foi realizada em Curitiba na terça-feira e prendeu quatro pessoas acusadas de formação de quadrilha, estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica e coação no curso do processo. Além de Pereira, está foragida sua funcionária Dirce Ferreira.

Segundo o procurador-chefe, a quadrilha operava há mais de 15 anos. ?Isso é apenas a ponta do iceberg. Tenho certeza que ninguém conseguiria realizar um esquema como esse durante tanto tempo sem ter a conivência de pessoas importantes?, diz. Gomes afirmou apenas que outros advogados estão sendo investigados, sem citar pessoas de dentro do sistema judiciário.

Esquema

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Precatório é uma determinação judicial para que um órgão público – no caso estadual – pague alguma indenização devida. Segundo a PGE, o esquema tinha início quando clientes procuravam o escritório de Pereira para mover ações dessa natureza contra o Estado. Muitos benefícios foram recebidos pelo advogado e os clientes nem chegaram a saber da conclusão do processo. Pereira ainda coagiu clientes a doar seus precatório a uma empresa que criou especialmente para receber as indenizações.

Como os precatórios são pagos em ordem cronológica (primeiro os mais antigos), independente do valor, as ações podem se estender por até 15 anos, o que favorecia o esquema da quadrilha. ?Existem no Paraná 8,5 mil ações de precatórios previdenciários e de alimentos, que juntos somam mais de R$ 1,5 bilhão. Somente Pereira representava 1,7 mil casos?, revela o procurador-chefe. Gomes acrescenta que Pereira tem cerca de cinco mil clientes.

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O procurador disse que depois que a PGE começou a cruzar dados desconfiada da fraude, a Justiça já cancelou centenas de pagamentos. A quadrilha de Pereira é investigada desde 1999. De acordo com Gomes, devido às fraudes – que envolvem desde pagamentos a pessoas mortas e falsificação de recibos – os juízes no Paraná estão exigindo procurações atualizadas de advogados, sendo que alguns só liberam as indenizações na presença do requerente.

Doação à empresa foi peça-chave

O esquema começou a ser descoberto pela PGE quando apareceram pessoas doando seus precatórios à empresa Citiserve, criada pela quadrilha. ?Estranhamos que, às vésperas de receber o dinheiro, algumas delas simplesmente desistiam do documento?, conta o procurador-chefe. Foi o caso da aposentada Cassilda Chevonica Guimarães. Procurada pela PGE, ela afirmou que foi induzida a assinar um papel cedendo seu precatório à Citiserve um mês antes de receber a indenização.

O juiz então cancelou a doação, mandou depositar o dinheiro para a aposentada e determinou que o advogado que a representava, Carlos Alberto Pereira, fosse investigado. Durante a investigação, a PGE descobriu outro precatório em nome de Guimarães, que já constava como tendo sido pago e retirado pelo advogado. Como defesa, ele então apresentou à Justiça uma nota com assinatura falsificada da aposentada. ?A conclusão disso é que não se sabe o que ele embolsou e o que pagou aos clientes?, argumenta Gomes.

Ainda mais grave – e um dos fatores que levou ao pedido de prisão de Pereira – foi que ele passou a chantagear a família da aposentada, ameaçando entregá-la como cúmplice caso fosse preso, exigindo que ela mudasse o depoimento. O trecho a seguir é de uma gravação feita pela Polícia Civil à qual a reportagem de O Estado teve acesso e onde Pereira faz ameaças à família da aposentada:

?A minha defesa é atacar. (…) Vai haver denúncia no Ministério Público. Vou dizer que não fiz nada. É aquela história de criminoso que para se defender ataca o outro. Se eu paro aqui, vai tudo contra mim. Se vocês pularem do barco agora, eu vou para o ataque. (…) Eu sou autor intelectual de um crime tentado. Pega um, pega outro. Vai todo mundo para a cadeia?.

O procurador recomenda aos clientes de Pereira que procurem a Justiça para destitui-lo das ações.