Átila Alberti / O Estado do Paraná
Pura, de frutas ou envelhecida, a
bebida caiu no gosto do consumidor.

A cachaça surgiu assim que os portugueses trouxeram a cana-de-açúcar para o Brasil, ainda no início da colonização, se tornando a verdadeira bebida nacional. Depois de cinco séculos de história, a cachaça está ganhando admiradores no exterior, principalmente a feita de maneira artesanal, com sabores mais delicados e diferentes em relação àquelas produzidas industrialmente.

A nova fase está ligada com o sucesso da caipirinha, conhecida quando os turistas estrangeiros passam pelo País. Com este cenário favorável, os produtores brasileiros querem exportar. E os paranaenses não querem fugir dessa nova tendência.

O produtor Marcell Duszczak, que fabrica a cachaça Engenho Novo em Morretes, no litoral do Paraná, conta que a sua produção atual é de 60 litros por dia. Todo o volume é vendido em uma loja ao lado do alambique. Ele está construindo uma nova unidade, que deve começar a funcionar no final do ano, com dependências maiores para produção de, no mínimo, 300 litros diários. “O meu objetivo é a exportação, principalmente para o mercado europeu. Eu vivo da produção da cachaça e quero ampliar meus negócios”, explica. De acordo com Marcell, os produtores da região de Morretes estão começando a se unir em uma cooperativa para tentar atingir esse patamar. Ele está no negócio há sete anos, e produz mais de 15 tipos diferentes de cachaça, entre elas a pura, a de banana e a envelhecida em tonéis de madeira.

Magia da Serra

O Alambique Dom Henrique, também em Morretes, que fabrica a cachaça Magia da Serra, está funcionando há dois anos e suas instalações já atendem as normas do Ministério da Agricultura para exportação. A produção atual varia entre 400 e 500 litros por dia, mas a capacidade total é de mil litros. “Nós ainda estamos vendendo somente para o mercado interno, para os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e o próprio Paraná. A nossa expectativa é exportar, mas o volume será produzido a longo prazo. Já mandamos lotes de degustação para a Alemanha e os Estados Unidos”, afirma Valdecir Mora, gerente do alambique, que produz as cachaças branca e ouro (envelhecida).

Qualidade e higiene são dogmas

A maneira artesanal de fazer a cachaça é seguida por praticamente todos os produtores paranaenses. A ferramenta principal dessa linha é o alambique, uma armação feita de cobre. A produção da bebida consiste em seis etapas: a colheita da cana-de-açúcar, a sua moagem, a fermentação, a destilação, o envelhecimento e o engarrafamento.

O produtor Marcell Duszczak, de Morretes, conta que depois da moagem da cana, o caldo é fermentado por 24 horas. No alambique, o líquido é destilado por meio da fervura. Seu vapor é condensado logo depois, originando a cachaça. Ele divide a bebida em três partes: a primeira é chamada de cabeça, ainda de qualidade ruim e que causa ressaca; a segunda é o coração, a parte mais nobre, e a última é a calda, que traz muito cobre em sua composição por causa do alambique. “A primeira e a última são descartadas. De uma produção de 100 litros, apenas 15 é de cachaça realmente boa”, comenta.

Para a produção das cachaças de frutas, o processo diferencia na fermentação. A fruta é colocada neste momento, juntamente com o caldo da cana. Já as envelhecidas ficam um ano em barris de madeira, como o carvalho, amburana, araribá, arruera e sassafraz. “A cor da bebida fica dourada e o sabor é mais suave do que a branca”, considera Duszczak. “Os turistas levam mais as envelhecidas e as de frutas. O pessoal daqui gosta mesmo é da pura”. O preço da cachaça Engenho Novo, de sua propriedade, fica entre R$ 5 e R$ 10.

Segundo Rogério Afonso Silva, da Aprocapar, a maneira artesanal de fazer cachaça não significa mais colocar os equipamentos a céu aberto, com chances de contaminação. “Hoje existem exigências de qualidade e higiene. Esse sistema antigo não representa o artesanal. Um local bem limpo, organizado e sem perder as origens é o que o Ministério da Agricultura quer”, afirma.

Isso acontece no Alambique Dom Henrique, em Morretes, que produz a cachaça Magia da Serra. Todas as etapas são monitoradas e feitas em locais apropriados. A preparação do caldo para a fermentação e o processo propriamente dito são feitos em salas especiais, fechadas e com temperatura controlada. “Após a destilação no alambique, nós fazemos uma filtragem para retirar o cobre e aproveitar toda a cachaça”, conta Valdecir Mora, gerente da empresa. Depois disso, a bebida passa por análises de laboratório para testar a qualidade.

Inox

A partir daí, a parte que será vendida pura é colocada em tonéis de inox para esperar o engarrafamento, realizado conforme a necessidade. A cachaça que vai sofrer o envelhecimento, chamada de ouro, é transferida para barris de jequitibá. Ela fica lá por no mínimo seis meses, para pegar o aroma e a coloração. “Não vale a pena engarrafar tudo de uma vez, porque a cachaça não envelhece na garrafa de vidro. É melhor esperar um bom momento. Assim, ela vai ficando mais saborosa”, comenta Mora. Uma garrafa de Magia da Serra sai da fábrica custando R$ 12.

Mercado externo exige legalização

O presidente da Associação dos Produtores de Cachaça Artesanal do Paraná (Aprocapar), Rogério Afonso Silva, comenta que a exportação ainda não é aconselhada para o Estado. “Contamos com 400 produtores e somente 20 deles são legalizados, com seus produtos sendo vendidos em supermercados e lojas especializadas. A maioria não tem nome e embalagem. As vendas são pequenas e restritas à comunidade local”, aponta.

Na opinião dele, para tentar exportar, é preciso padronizar a qualidade da cachaça e agregar valores ao produto. A idéia é futuramente montar uma cooperativa que compraria toda a produção e revenderia sob uma única marca representando todo o Paraná. Como o processo é artesanal, o volume de cachaça produzida no Estado é muito pequeno. São aproximadamente 1,2 milhão de litros por mês. “Hoje não há volume nem para atender o mercado interno”, avalia Silva. “Os produtores ainda não têm noção do que é exportar. Não basta apenas o comprador gostar do produto. Ele sozinho não consegue vender”, afirma o presidente da Aprocapar. Para ele, a área de Cascavel é mais adiantada no processo de formação de uma cooperativa, apesar de todas as regiões do Estado produzirem a bebida.

O proprietário do alambique da cachaça Vitacana (na cidade de Siqueira Campos, no Norte Pioneiro), Paulo Fontanelli, dirige suas vendas mais para o mercado interno, contrariando o pensamento da maioria dos produtores.

Prioridade Ele vende principalmente para bares em Curitiba e na própria região. A sua produção chega a 50 mil litros por ano. “Quero priorizar o mercado interno, que gosta de degustar uma boa cachaça envelhecida em tonéis de madeira nobre. Em princípio, no exterior, a qualidade da cachaça não precisa ser tão apurada, porque é para fazer caipirinha. Para isso, pode ser uma cachaça pura e mais nova”, acredita. “Além disso, os consumidores paranaenses estão começando a valorizar uma boa cachaça. Hoje produzimos uma igual ou de qualidade superior à feita em Minas Gerais, conhecida nacionalmente”, conclui Fontanelli.

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