O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou nesta semana o relatório “Garantindo os Direitos das Crianças Indígenas”, expondo algumas iniciativas em favor dos direitos delas em todo o mundo. O relatório apresenta quatro prioridades para assegurar uma vida melhor às crianças indígenas: saúde e nutrição de qualidade; proteção e ajuda eficazes, incluindo o direito à terra e ao registro civil; participação dos povos indígenas em decisões que afetam suas vidas; e uma educação de boa qualidade, com alfabetização na língua materna.
O ensino é um dos pontos mais críticos. De acordo com especialistas, ainda não há um sistema que atenda as necessidades educacionais dos índios, respeitando seus costumes e ritmos de vida. A educação diferenciada está garantida na Constituição Federal.
No Paraná, existem 29 escolas dentro das áreas indígenas que atendem 3,2 mil crianças. Três desses estabelecimentos estão sob responsabilidade do Estado. A intenção é repassar as outras escolas para o domínio estadual. “O Estado tem a obrigação de cuidar da educação indígena. Muitas dessas escolas estão sob cuidados de prefeituras. Queremos fazer essa transição até dezembro deste ano”, conta Luli Miranda, responsável pela Coordenação Escolar Indígena, vinculada à Secretaria de Estado da Educação.
Atualmente, as aulas nas próprias aldeias atingem as crianças de 1.ª a 4.ª séries do Ensino Fundamental. Esses índios têm disciplinas comuns, como Português e Matemática, e uma específica da língua materna. A maioria dos estudantes de 5.ª a 8.ª séries estuda fora da área indígena e isso está gerando algumas dificuldades para eles, inclusive de adaptação. A coordenação pretende adaptar algumas escolas para resolver essa situação.
Estima-se que a população de índios no Brasil é de 400 mil pessoas. No Paraná, existem cerca de 11 mil índios, a maioria deles crianças e idosos, de três etnias: Kaingang, Guarani e Xetá.
Faltam professores índios
O grande problema da educação indígena está na falta de qualificação dos professores. Os educadores enviados para as aldeias estão acostumados com o sistema de ensino das escolas nos centros urbanos e a lidar com crianças “brancas”. Assim, eles não conseguem atender aos anseios das crianças indígenas, dificultando o aprendizado. Somente o professor da língua materna faz parte da comunidade. “A presença de professores brancos prejudica a identidade cultural. A perda não é total porque, até certo ponto, o conhecimento é universal. Mas é preciso aprofundar a história, a religião da tribo. Para isso, o professor tem que ser um deles”, explica Luli Miranda.
De acordo com ela, a coordenação está discutindo com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) a criação de um curso superior específico para a formação dos professores índios. “Esse curso já existe no Amazonas, Roraima, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, comenta Luli. Ela prevê que o curso vai ser lançado ainda este ano. O órgão também pretende incentivar os alunos índios que cursam outras faculdades, como Letras e História, a darem aulas nas aldeias. “Com essas medidas, aos poucos os índios vão assumir a direção das escolas e determinar o plano pedagógico, em que indicam quais as metodologias e conteúdos a serem repassados aos alunos”, ressalta Luli. “A gente pode dizer que a educação diferenciada está acontecendo, mas ainda não é o ideal. Antigamente seguia bem o padrão das escolas brancas. Os resultados vão aparecer aos poucos. É um trabalho a longo prazo”, opina.
Material
O material utilizado pelas crianças é o mesmo empregado nas outras escolas estaduais. Para complementar o ensino, a criança precisa de referências específicas, além dos professores índios. “Eu fiz alguns livros com a ajuda dos alunos, inclusive nos textos. Eles não são reconhecidos, mas auxiliam na sala de aula”, comenta Gabriel Belino, monitor bilíngüe da escola de Rio das Cobras. “A língua é uma das poucas tradições que permanecem vivas. Então, é preciso enfatizar o seu ensinamento”, acredita. O material didático próprio para os índios ainda será desenvolvido pela Coordenação Escolar Indígena. No Brasil, somente o Estado do Amazonas já fornece livros específicos para as crianças indígenas.