Em uma ação bastante rara na Justiça brasileira, uma funcionária pública da região noroeste do Paraná, conseguiu a autorização para mudar o nome e o sexo no registro civil. Portadora de alterações genéticas cromossômicas, resultando em transexualismo MtF (homem para mulher), a funcionária foi registrada em seu nascimento como sendo do sexo masculino. Embora tivesse parte da genitália masculina (hermafroditismo Psc.) – ela já realizou cirurgias de readequação sexual (neocolpovulvoplastia – mudança de sexo masculino para o feminino) -, psicologicamente e morfologicamente era mulher. Paola, como passou a se chamar, espera que essa decisão sirva de exemplo e crie jurisprudência para outros casos semelhantes.
A decisão favorável à funcionária foi dada em junho pela juíza substituta da comarca de Umuarama, Adriana Benini, mas só foi homologada no mês de agosto. A juíza concedeu o pedido por entender que as provas periciais e os laudos técnicos provaram integralmente que se tratava de um problema físico. ?Os laudos médicos e psicológicos concluíram que se trata de uma mulher, mesmo que tivesse o órgão masculino?, disse. A juíza ressalta que entendeu como legítimo o pedido da funcionária, ?já que devido a sua aparência externa ser feminina, e o fato de ainda permanecer seu nome e registro masculinos, isso lhe proporcionava enormes constrangimentos?.
O pedido da funcionária, que hoje está com 39 anos, levou cerca de um ano para ser julgado. A ação é considerada rara, diz a juíza. ?Não encontrei decisão semelhante em nenhum tribunal?, comentou. Segundo Adriana, o que é mais comum são os pedidos de retificação por pessoas que são registradas com nomes considerados ridículos, que as expõe a situações vexatórias ou constrangedoras.
Para o promotor de Justiça, João Milton Salles, que também acompanhou o caso, não foi a sentença da juíza que transformou Paola em mulher: ?Ela só declarou uma situação pré-existente, pois biologicamente, geneticamente e psicologicamente ela já era mulher?. O promotor lembra que esse foi um dos casos mais interessantes dos quais já atuou, pois depois de se cercar de todas as garantias, teve condições de mudar a vida de uma pessoa.
Nova vida
E é com esse sentimento de mudança, em nome da dignidade e página virada, que Paola diz ter recebido a decisão. ?Para mim foi um renascimento?, afirma, comemorando com os novos documentos que provam, civilmente, sua condição de mulher. Paola, há quinze anos trabalha no serviço público em uma atividade predominantemente masculina, a qual ela prefere não revelar. Diz que conquistou o respeito de todos com dignidade e profissionalismo. Quer viver com toda a intensidade a nova fase, que recorda, foi muito difícil de ser conquistada.
Paola comenta que desde a infância sempre se sentiu diferente, mas assumiu uma condição masculina por quase 30 anos por imposição da sociedade. Em 2003, não suportando mais viver nesse conflito interno, Paola se auto-mutilou, passando em seguida por cirurgias reparadoras e tratamento psicológico. Hoje afirma se sentir renovada e garante que começa vida nova. Paola também é voluntária da organização não-governamental ?União pela Vida?, que trabalha em parceria com a Secretaria de Saúde de Umuarama na prevenção e redução de danos de doenças sexualmente transmissíveis.
Semelhanças com o caso de modelo famosa
O caso da funcionária pública paranaense é semelhante ao da famosa modelo dos anos 80s, Roberta Gambine Moreira, hoje com 40 anos, conhecida como Roberta Close, que conseguiu, no ano passado, uma decisão da Justiça brasileira para ser considerada mulher.
Segundo a juíza da 9.ª Vara de Família do Rio de Janeiro, Leise Rodrigues, ao nascer, Roberta Moreira apresentava quase todas as características femininas que acabaram não sendo percebidas na época, em virtude dos poucos recursos da Medicina.
Por isso, de acordo com a magistrada, acabou sendo registrada como homem. Com a decisão da Justiça poderá tirar todos os demais documentos com o novo nome.
Em 1989, Roberta foi submetida a uma cirurgia, na Inglaterra, para corrigir um problema físico, o que até então era considerada uma operação para a mudança de sexo. Três anos depois, conseguiu autorização da Justiça para tirar os documentos com o novo nome, apesar de no item sexo ainda constar ?feminino [operado]?.
A mudança no sexo foi negada em 1997 pelo Supremo Tribunal Federal. Agora, além de poder tirar todos os documentos – RG, CPF e passaporte – com o nome feminino, também será identificada como mulher.