Onde havia um charco em meados do século XIX, o progresso avançou para dar prolongamento à avenida que até hoje é a mais tradicional de Curitiba, a XV de Novembro. Foi primeiro um largo, que levou o nome de Oceano Pacífico, e, depois, mais exatamente no ano de 1879, se transformou na Praça General Osório, em homenagem ao militar gaúcho de mesmo nome. Era uma época de auge, quando o senhorio distinto, de tenro e gravata, caminhava pela praça. Até o século seguinte, foi palco de manobras militares e reunia a população para assistir aos espetáculos circenses. A ida daquele tempo não levou a beleza do lugar, mas o modernizou, a ponto de constituí-lo cartão postal da capital – permeado, porém, pelos problemas da atualidade.
Quem testemunhou a época confirma. "A praça Osório era a maior e talvez a mais bonita de Curitiba", recorda o historiador curitibano Lauro Grein. "Era uma praça plana, só de jardins." No tempo relatado, por volta da década de 30, funcionava numa das esquinas o Ginásio Brasileiro, onde o historiador estudou. Nas horas de folga, as peladas aconteciam na praça, sob os cedros que lá existiam. "Era um lugar muito bom e bonito. Todos os domingos havia retretas com a banda da Polícia Militar; sempre ia muita gente", lembra. A fonte, onde hoje meninos tomam banho no calor, já existia. "Inclusive tive de entrar no repuxo (como Lauro Grein se refere à fonte) no trote dos calouros do curso de Medicina. Hoje, quando passo lá, me dá muita saudade." Para ele, a praça é completamente diferente daquele tempo. Mais arborizada, com árvores gigantescas e, acima de tudo, muito transitada.
Os guardiões uniformizados eram também marca da Osório. "Estavam sempre atentos, principalmente porque era proibido pisar na grama." Naquela época, banhos no "repuxo", então, nem pensar. O historiador lembra da Praça Osório com emoção. E a admira até hoje. Acredita apenas que as mudanças relacionadas à falta de segurança têm a ver com as alterações gerais no cenário curitibano e das demais metrópoles brasileiras, assim como pensam também passantes, freqüentadores, comerciantes. É a praça onde todos parecem ter pressa, onde a beleza da vegetação, da infra-estrutura, dos cafés, contrasta com a pobreza dos meninos que, à luz do dia, cheiram cola ou se prostituem – característica, aliás, pela qual a praça é conhecida na cidade e até divulgada nacionalmente em sites direcionados a homossexuais que, talvez também por esse motivo, queiram visitar Curitiba.
A vendedora ambulante Helena Arieti Quintas Pereira, que passa pela Osório todos os dias vendendo adesivos, conhece bem essa realidade. Testemunha meninos embriagados, drogados ou prostitutos, mas não os teme, e nem os rejeita. "São discriminados e apontados pela sociedade. Eu aceito o outro como é; não critico e, se puder, ajudo. Para mim, não existe violência. É o sistema que gera o bandido", responde prontamente, quando perguntada se tem medo de assaltos, também comuns no local. Torna-se notável que quem convive diariamente com os problemas da Praça Osório sabe – ou ao menos tenta – lidar com eles da melhor forma possível.
"Elas não nos incomodam, entram, compram, nunca me assaltaram. Mas dá muita dó de ver", comenta a dona de uma banca de revistas, Adriana Pretko, sobre as crianças que passam as tardes cheirando cola perto do estabelecimento. O banheiro público instalado na praça, segundo ela, já virou ponto para os encontros de clientes e jovens do sexo masculino que vendem o corpo de dia e de noite no lugar. "Deixam de ser meninos de rua e passam a andar bem vestidos." Para ela, falta segurança na Osório. "A gente vê que as pessoas estão com medo. À noite, a praça, que poderia ser ponto de lazer, fica vazia", lamenta. Sobram apenas os garotos de aluguel. Retrato de um presente distante da Curitiba que viu nascer suas praças para a passagem das distintas damas e bem aparentados cavalheiros de outrora.
Lembranças da época de ouro
O aposentado João Carmazem, 66 anos e ainda assíduo freqüentador da Osório, recorda a época de ouro na praça. Para ele, a situação atual é pior, mas ainda menos crítica que de outros antigos pontos de encontro curitibanos. "Acho que oferece menos perigo que as praças Santos Andrade e Rui Barbosa; talvez seja porque tem muito movimento." O comércio não existia antes no meio da praça; a limpeza, para ele, também melhorou. "Tinha lugar que não tinha calçamento. Eu lidava muito por aqui. Naquela época dava para sair à noite, parece que o pessoal se respeitava mais", rememora o aposentado.
A proximidade com a Boca Maldita também estimulava a praça a ser mais ponto de encontro que apenas de passagem. "Muito foi perdido. Antigamente tinha muito mais gente. Hoje são só as pessoas andando de um lado para o outro, agitadas." Os únicos locais em que elas parecem parar são nos cafés ou na Boca do Brilho, lugar que concentra os famosos engraxates da Osório. Bem freqüentados, os pontos são marcas da praça e concentram clientela fiel. "Às vezes passam rápido, têm uma reunião importante. Se não me encontram aqui…", conta o engraxate Aparecido Rodrigues Silva, na Boca há onze anos. Apesar dos batedores de carteira, ele acha que os clientes não se intimidam em continuar indo até lá. "E o comércio melhorou bastante o local", acredita.
O coronel Itamar dos Santos, secretário municipal da Defesa Social, afirma que, apesar dos relatos, a segurança é reforçada no local. "Na Osório tem dupla de guardas das 7h às 21h. Além disso, há um módulo da PM que fica em frente ao Edifício Garcez. Lá, a segurança é compartilhada." O problema, argumenta, é que a praça é grande, e nem sempre os guardas estão no local onde acontecem assaltos ou uso de drogas. "Mesmo assim, não temos notícias de nada alarmante", ressalva.
A prostituição masculina, apesar de conhecida pelos guardas, é caracterizada por ele como velada. "Acontece mais à noite, por volta das 22h ou 23h. Claro que não é desejável, mas o dano para as pessoas que circulam é pequeno, já que a praça fica praticamente deserta nesse horário", afirma. A Guarda Municipal está presente na Osório para prestar informações e evitar presença de desabrigados e punguistas – como são conhecidos os batedores de carteiras. (LM)
Sites divulgam a prostituição
Uma das características que faz referência à Praça Osório é a prostituição masculina. Conhecida por este motivo em Curitiba, acaba sendo também assim divulgada em sites para quem visita a cidade. A presença dos jovens e adolescentes de programa aumenta à noite, é verdade, mas eles estão lá também durante o dia. Não aparentam. Muitas vezes estão bem vestidos. Para a procuradora do Trabalho Margaret Matos de Carvalho, a praça é o ponto inicial para a "carreira" desses meninos, principalmente os de menor poder aquisitivo. "Quando são atraentes, não importa se vêm de famílias de baixa renda ou não, pois chamam a atenção do mesmo jeito, seja de homossexuais ou de homens casados que os procuram durante o horário de trabalho para um programa", relata.
A preocupação, neste caso, é principalmente com a segurança dos menores. "Não deveria acontecer de menores de 18 anos estarem em situação de rua, seja qual for, mas principalmente relacionada à exploração sexual. É uma situação de alto risco e, assim como existe o intermediador das mulheres para negociação do preço do programa, também há no caso dos meninos. Eles também são explorados. Sempre tem alguém que, sob a farsa de oferecer segurança, na verdade está tirando proveito do trabalho que estão fazendo", explica a procuradora.
Para ela, deveria haver políticas públicas que salvaguardassem os direitos desses adolescentes – o único programa que visa o combate da exploração sexual de crianças e adolescentes é o Sentinela, do governo federal. O problema é que, em relação aos meninos, a atuação do programa ainda é incipiente, de acordo com Margaret. A única alternativa, aponta, é através dos educadores de rua.
Já quando a prostituição acontece entre maiores, o assunto toma diferentes proporções. "Talvez a gente tivesse de abordar esse tema sob outra perspectiva, sem falso moralismo, para garantir inclusive proteção aos adultos que queiram viver dessa forma. Até porque estamos tratando de uma questão de saúde pública. Se não podemos resolver, que pelo menos consigamos lutar para tornar uma prática não criminosa, ou seja, que ninguém lucre em cima do corpo de ninguém; que quem queira viver disso tenha idade e maturidade suficiente para decidir dessa forma." (LM)