Os imortais comentam sobre os imortais

Curitiba recebeu ontem quatro imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL). Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Arnaldo Niskier e Cícero Sandroni vieram à capital comentar as obras exigidas no vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e contextualizá-las no universo dos jovens de hoje, em analogia à história e cultura brasileiras. O convite partiu do Colégio Decisivo e o evento contou com pelo menos 2,7 mil participantes, principalmente vestibulandos.

Apesar da grandeza dos nomes que proferiram as palestras, todos demonstraram o quanto a aproximação com os estudantes os fascina. Eles aproveitaram para enfatizar a importância da aproximação à leitura, tanto para entender o passado como para se tornarem atores do futuro que os espera. ?Gosto muito de conversar com os jovens e interpretar a obra, não tanto como um crítico, mas como uma escritora que cria, uma mulher que lida com o mundo romanesco e há muito analisa e reflete sobre a arte narrativa. E o estudante vai se dando conta do prazer da leitura, que ela não é apenas uma história que está sendo contada, mas que através dessa história você narra o seu tempo, o seu país?, analisa Nélida Piñon, que interpretou obras de Machado de Assis e José de Alencar.

Lygia Fagundes Telles.

Nélida Piñon.

Da mesma forma, Lygia Fagundes Telles, ovacionada pelo público, destacou a importância de a juventude se voltar à leitura. ?O contato com a palavra escrita é uma esperança, uma força para que eles colham, dentro da cultura, a sua vocação?.

O jornalista e escritor Cícero Sandroni, que comentou Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Terras do Sem Fim, de Jorge Amado, encontra nas obras percepções sobre um Brasil que precisa ser lido e reconhecido a partir da visão dos autores. Na obra de Jorge Amado, a linguagem mais atual dá conta de mostrar um Brasil recente: ?É um livro mais denso, com mais tragédia, mas também que fala muito da história do povo brasileiro, especialmente do povo baiano da região do cacau, onde o sistema de coronelismo imperava?. O escritor compara o contexto daquela época (década de 40) com o panorama atual. ?É a dimensão da luta pela terra. Tem um personagem que diz que a terra da Bahia é a melhor para plantar cacau porque foi irrigada com sangue; as pessoas matavam por um palmo de terra. Essa leitura é importantíssima para os jovens, para conhecer a história do Brasil no período recente. Se você transcrevê-la para o morro carioca, onde há briga pelo tráfico de droga, vai ver que os chefões do tráfico são os coronéis de antigamente.?

Arnaldo Niskier.

Justamente por expressar momentos políticos e ideologias de épocas distintas, mas que dão idéia do Brasil atual, é que Arnaldo Niskier – dos quatro o mais antigo membro da ABL, com 23 anos de casa – faz um apelo para que jovens e, antes deles, as crianças, sejam estimulados ao gosto pela leitura. ?Se fosse mais incentivado nas escolas, tenho certeza que se adquiriria não o hábito, que é uma coisa imposta, mas o gosto pela leitura, que o jovem tem de adquirir aos sete ou oito anos?, elucida. ?Nosso índice de leitura é inferior a dois livros per capita por ano; nos Estados Unidos são dez, na França, nove, na Inglaterra, onze. Vê-se aí um medidor de estágio de desenvolvimento social, quando se analisa a diferença entre o que se lê aqui e nos países pós-industrializados.?

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