Foto: Ciciro Back/O Estado |
Rodrigo Hoelzl, do sindicato, e Paulo Schmidt, da Urbs. continua após a publicidade |
Atualmente, após trinta anos com o transporte público funcionando em esquema de concessões, finalmente a promessa da primeira licitação. Mas a categoria que opera o serviço questiona esse processo e o porquê de o mesmo acontecer. Acredita que há mais o que discutir em vez de licitação, como, por exemplo, a expectativa do curitibano em relação ao transporte coletivo e os investimentos em infra-estrutura do transporte.
Os empresários se esquivam em comentar o assunto. Preferem não adiantar preparativos ou expectativas, ao menos até a publicação oficial de um edital, mas já têm uma opinião bem formada sobre o tema. ?Nos faz refletir a quem interessa ter uma concorrência em Curitiba. Estão querendo imputar responsabilidades para as concessionárias das mazelas que o sistema está enfrentando. Os principais problemas são: ônibus lotados, falta de segurança e falta de emprego na Região Metropolitana. Qual é a responsabilidade dos operadores nisso? É responsabilidade do operador o problema de infra-estrutura??, questiona o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Curitiba e Região Metropolitana, Rodrigo Corleto Hoelzl. O posicionamento tem base em uma pesquisa do ano passado, encomendada ao Paraná Pesquisa.
Na visão do empresariado, a colaboração com o poder público sempre aconteceu, de forma a absorver e executar os projetos para o transporte – entre eles, as canaletas exclusivas e os terminais de integração. ?Hoje o sistema está totalmente regulamentado, existem contratos que estão em vigor, direitos e deveres?, expõe o presidente do sindicato, fazendo referência à lei n.º 7.556 de 17/10/1990, regulamentada pelo decreto 210 de 23/10/91. Segundo ele, esses contratos devem ser honrados. ?Nossos contratos estão válidos, amparados por lei e gostaríamos de discutir isso, porque não está sendo cumprido pela outra parte.? A partir da regulamentação, ele garante que as planilhas do transporte público, ao contrário do que acontecia no passado, são publicadas mensalmente no Diário Oficial do Município e a fiscalização da Urbs sobre todos os gastos do serviço é feita diariamente por fiscais especializados.
Monopólio
Uma das intenções da Prefeitura de Curitiba ao realizar a licitação poderia ser promover o fim do monopólio que algumas fontes dizem existir entre as empresas que operam o transporte na cidade. A Urbs não comenta nada a respeito da palavra monopólio, mas há informações de que apenas um grupo, da família Gulin, detém mais de 50% do transporte urbano na capital. Estão nas mãos deste grupo as empresas de linha urbana Cidade Sorriso, Glória e Redentor, e as metropolitanas Santo Antônio, Tamandaré e Viação do Sul, somando uma frota de 938 ônibus dentre os totais 1871 que circulam pela Rede Integrada. O responsável pelo grupo, Donato Gulin, foi procurado pela reportagem, mas a informação era de que estaria em viagem.
?Somos totalmente contrários a essa afirmação de que existe monopólio. O empresário não determina o tipo de veículo, nem a cor do veículo, nem a especificação. O empresário não determina o valor a ser cobrado pelo serviço prestado. Não planeja a oferta de serviço, não planeja linha nem horário?, rebate Hoelzl, citando que os itens combustível, mão-de-obra e capital, que somam 92% dos recursos do transporte, são cotados pela Urbs e tão somente seguidos pelo empresariado.
Os empresários também não vêem possibilidade de empresas de fora conseguirem modernizar ainda mais o transporte, como alega a Prefeitura na justificativa para a licitação. ?Em Curitiba, o sistema operado é considerado o melhor do Brasil e reconhecido nacionalmente e internacionalmente. Não tem ninguém melhor que a gente, com know how, capacidade e competência para fazer isso?, opina. Já o gerente de uma das empresas, que terá identidade preservada, tem opinião diferente. Para ele, é difícil outras empresas aterrisarem por aqui ?porque há ingerência política no sistema?. Se limitou, porém, a não detalhar o comentário. E a Urbs, a não respondê-lo, quando indagada sobre os trâmites políticos que nesses trinta anos de concessão acompanharam os contratos.
Afora isso, o sindicato não vê qualquer possibilidade de as tarifas baixarem, caso haja realmente entrada de novas empresas. ?Podem fazer uma concorrência para ter a menor tarifa do mundo e inviabilizar o negócio?, diz Hoelzl, se referindo à infra-estrutura própria do município nesse quesito. (LM)
Urbs: contratos atuais limitam transparência e controle social
Na Urbs, a palavra de ordem é evitar, por enquanto, o assunto licitação, mas depois de muita insistência, o presidente da companhia, Paulo Schmidt, abriu uma exceção para responder a algumas das perguntas de O Estado sobre o processo – no entanto, por e-mail e via assessoria de imprensa. De acordo com suas respostas, a proposta do governo municipal não se resume apenas em fazer uma licitação. ?O objetivo é modernizar o transporte público da cidade, o que envolve mudança na infra-estrutura física e na base contratual do sistema.? A licitação é necessária, de acordo com o presidente, porque os contratos atuais com as empresas operadoras não são consistentes e limitam a transparência e controle social do transporte. Schmidt alega também que licitar é necessário para adequação à atual legislação, uma vez que seria ilegal, hoje, ter um serviço público entregue nas mãos de empresas via concessão, e não por concorrência.
Nota-se, no entanto, que em 1990, quando os contratos das empresas foram regulamentados junto à Prefeitura de Curitiba, a Constituição de 1988 começava a vigorar e determinar a necessidade de licitação para a prestação do serviço. Mas o processo não foi feito. Agora, 16 anos depois, a sugestão vem a partir da Comissão de Estudos Tarifários, criada pelo prefeito de Curitiba, Beto Richa, no início de 2005 (ou melhor, recriada, já que a comissão surgiu em 1984). Segundo Schmidt, com participação da sociedade civil, a comissão atual passou cinco meses analisando a composição das planilhas de custos do sistema. Porém, alega, ?o trabalho foi boicotado pelas empresas que operam as linhas de ônibus, que se negaram a fornecer os documentos solicitados. Por isso, foi necessário buscá-los na Justiça?. Isso aconteceu em 28 de junho do ano passado. Os documentos exigidos das empresas eram notas fiscais detalhadas e comprovante de despesas individualizadas por veículo. O sindicato das empresas operadoras confirma que os documentos foram entregues ainda no ano passado. (LM)
Concessionárias alegam prejuízos de até 8%
A entidade que representa as empresas de transporte coletivo enfatiza que, por conta da diminuição no valor da tarifa em janeiro de 2005, os operadores vêm amargando prejuízos. ?Só foi viável através dos cortes na remuneração das empresas?. Entre esses cortes, cita o presidente do sindicato, estariam a não atualização dos valores de capital e corte de percentuais de custos de insumos (peças e acessórios), além de taxas de administração. Com isso, o sindicato diz que as receitas teriam caído em até 8%.
Já os quesitos que implicam em segurança aos operadores são refutados pelo sindicato como tais. Um deles é o recebimento por quilômetro rodado. Primeiro, atestam que foi decisão do poder público. Segundo, que é tão viável como se o recebimento fosse por tarifa e, por último, que foi a única forma de viabilizar o sistema integrado. ?Numa cidade que opera por tarifa – ou seja, que tem o percentual que vai para as empresas como uma parte da passagem – , o custo final é o mesmo?, calcula.
Só que, de acordo com os números fornecidos pela Urbs, a remuneração por quilômetro rodado, no caso de Curitiba, demonstra ter sido, sim, uma garantia aos empresários. Entre os anos de 1997 e 2004, o número de passageiros no transporte público foi diminuindo gradativamente. Em sete anos, estes passaram de 347.158.622 transportados durante todo o ano de 97 para 284.013.188 em 2004. Mesmo a redução da tarifa em 2005 não conseguiu fazer o número crescer muito: em 2005, eram 293.932.332. Se não fosse uma remuneração independente do número de passageiros, com certeza o valor repassado às empresas também cairia – e os prejuízos que hoje alegam ter seriam ainda maiores.
Hoje, as empresas não concorrem entre si – e, no caso de uma licitação, de colaboradoras passariam a ser concorrentes no processo. Sobre isso, o presidente do sindicato comenta tão somente que ?os empresários mostraram ao longo de trinta anos que construíram a cidade de Curitiba em conjunto. Não podemos esquecer disso?. A licitação no transporte público de Curitiba já é exigida pelo Ministério Público do Estado desde 2001, através da ação 370 daquele ano. A mesma foi julgada procedente pela Primeira Vara da Fazenda Pública somente em junho de 2005, mas atualmente está trancada. O motivo, segundo os empresários, é que a Justiça não os teria ouvido como parte interessada no processo.
A reportagem também procurou, separadamente e mais de uma vez, dirigentes de algumas das principais empresas de transporte público de Curitiba para saber como estariam se preparando para uma possível concorrência. Os poucos encontrados preferiram não comentar o assunto, deixando seu posicionamento a cargo do sindicato. (LM)
Terminais e estações-tubo serão mantidos
O presidente da Urbs, Paulo Schmidt, assegura que a licitação para o transporte público em Curitiba prevê aprimoramentos, ?mas não mudará as características fundamentais do sistema que permitem seu bom desempenho?. Os terminais de integração e estações-tubo são algumas delas. Outra questão que está sendo avaliada é a remuneração das empresas por quilômetro rodado. ?Existem vantagens e desvantagens nesse sistema de pagamento. Ao mesmo tempo que é garantia de melhor oferta aos passageiros, pode gerar algum desinteresse por parte das operadoras em melhorar a produtividade das linhas?, justifica.
A Urbs ainda está em avaliando o modo em que a licitação vai acontecer, se por linha ou por trechos, e também como ficará o sistema de integração nesse processo. Informa apenas que depende de estudos profundos e posterior negociação com o governo estadual e as administrações municipais vizinhas.
O que a Prefeitura sabe é que, com a licitação, além da base contratual, a legislação municipal do transporte coletivo também terá de ser alterada. Entre essas mudanças estariam as regras de remuneração das empresas – atualmente, a mesma é feita apenas por custo de operação, de capital, de administração e tributário. ?É fundamental que esse cálculo inclua qualidade e produtividade. É forma de incentivar as empresas a buscar a melhoria contínua na prestação do serviço?, justifica Paulo Schmidt, acrescentando que a gestão financeira do sistema também deve ser aprimorada.
Sobre a possibilidade de mudanças no valor da tarifa por conta da licitação, a resposta da Urbs é apenas que ?o prefeito determinou – no processo de licitação – que seja seguido princípio de busca por uma tarifa justa e acessível?. Já no quesito infra-estrutura (que deveria ser o foco do momento, de acordo com os empresários), a Urbs comenta que melhorias estão sendo discutidas, independente da licitação, entre elas reconstrução dos terminais do Cabral, Hauer, Capão da Imbuia e Campina do Siqueira; remodelação das canaletas; e o projeto do ligeirão, nova linha de ligeirinhos articulados que prevê pontos de ultrapassagem dos biarticulados quando parados nas estações-tubo).
Pontos delicados, como os contratos com os operadores, a URBS também diz estar estudando; adianta apenas que o edital de licitação deverá prever regras para um período de transição, já que o serviço não pode ser interrompido. Mas tais contratos, de permissão, ainda devem dar dor-de-cabeça ao poder público. Segundo o advogado André Guskow Cardoso, que é mestre em Direito Administrativo, o que diferencia os contratos de permissão dos de concessão é que, nestes últimos, há garantias ao particular quanto a cumprimento de prazos e indenizações, no caso de rescisão. ?Mas, mais recentemente, pela configuração dos serviços prestados e as exigências do poder público, até os contratos de permissão começaram a envolver uma série de direitos e deveres e, em alguns casos, a se assemelharem aos contratos de concessão?, explica. Ou seja, as determinações de investimentos promulgadas pela Urbs, desde renovação de frota até adequação de carros, certamente devem se tornar focos para que o empresariado se proteja.
Já no que se refere aos cortes, que, segundo o sindicato dos operadores estão dando prejuízos, as respostas de Schmidt são enfáticas: ?Foram compatíveis com as condições de operação do sistema de transporte.? A assessoria de imprensa da Prefeitura complementa que, no final de 2004, os administradores aumentaram os parâmetros de remuneração das empresas para valores que foram considerados pelo prefeito Beto Richa como ?irreais?. (LM)