O fantasma do desperdício de comida

Pesquisas recentes feitas no Brasil indicam que cerca de 40% do que se planta no País é perdido, em etapas que passam pela colheita, transporte e armazenamento, indústria, processamento e varejo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que de 20% a 30% de todos os alimentos comprados para abastecer uma casa acabam indo para o lixo. Todo esse volume de alimento escorre pelo ralo, na grande maioria das vezes, pelo despreparo e desconhecimento tanto de produtores quanto de consumidores.

No campo, o agricultor muitas vezes não toma o devido cuidado na hora de retirar o produto que vai para o varejo. Frutas, verduras e legumes são os maiores exemplos, pois depois de serem retirados rapidamente da terra ou arremessados de lá para cá, são empilhados em caixas e caminhões até chegarem aos centros de distribuição. Já nos supermercados as mulheres são apontadas como as grandes vilãs, pois apertam, enfiam as unhas ou quebram pontas de alguns produtos para verificar se estão no ponto de consumo. E o destino dessa comida amassada ou quebrada acaba mesmo sendo o lixo.

Mas existem outros péssimos exemplos. Recentemente o município paranaense de Guarapuava foi destaque nacional por despejar toneladas de batatas no lixão da cidade. O argumento dos produtores para o desperdício do produto, que teve uma supersafra e forçou os preços para baixo, foi que não sabiam como fazer doações. Depois que o assunto foi divulgado pela imprensa, a Prefeitura logo agilizou a distribuição para a população.

Na luta para combater desperdícios como esse, pessoas e organizações se mobilizam para aproveitar ao máximo os alimentos. Considerado um dos locais onde mais ocorre desperdício de alimentos, a Central de Abastecimento do Paraná (Ceasa) vem tentando mudar essa imagem. Há mais de dez anos implantou o Banco de Alimentos – Programa Ceasa Amiga, através do qual faz doação de alimentos para entidades cadastradas.

A diretora técnica do órgão, Vera Niedziuluk, explica que o programa funciona nas cinco unidades da Ceasa do Estado, em Curitiba, Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina e Maringá, que juntas repassam uma média de 189 toneladas de produtos para 477 entidades – só na capital a média chega a 85 toneladas. Ela não soube precisar o quanto isso representou na redução de desperdício, mas garantiu que refletiu de forma significativa.

Segundo o gerente do Banco de Alimentos, Gilmar Pavelski, a grande maioria dos usuários dos 450 boxes instalados na Ceasa aderiram ao programa, mas infelizmente, ainda sofrem com a conscientização de muitos, que acabam jogando os produtos no lixo.

Em Curitiba são cadastradas 100 entidades, que beneficiam 35 mil pessoas. Além da doação dos alimentos arrecadados na Ceasa, no mesmo local também são repassados os produtos da Compra Direta, que é um programa da Secretaria Estadual, de Emprego e Promoção Social que garante a compra de produtos dos pequenos produtores rurais do Estado e repassa para entidades sociais. Além do repasse dos alimentos, a Ceasa também promove cursos sobre o manuseio e aproveitamento integral.

A Associação de Assistência ao Idoso Dona França, que fica na Vila São Pedro, é uma das entidades cadastradas no programa da Ceasa. Todos os dias a associação serve refeições para 60 idosos, e grande parte dos produtos vem dessas doações. A vice-presidente da entidade, Irma Ragalskky, afirma que o programa serve como uma grande ajuda para manter a associação. ?Tudo aquilo que se ganha não se compra, o que já representa uma economia?, ponderou.

Mas essa iniciativa da Ceasa não se estende a outros segmentos, como, por exemplo, os supermercados. Além de não ser um hábito doar a comida que não se vende, também temem ser responsabilizados por qualquer problema de saúde que possa surgir em quem se alimentou dos produtos. O superintende da Associação Paranaense de Supermercados (Apras), Valmor Rovaris, diz que o próprio Código do Consumidor prevê punições nesses casos, o que acaba inibindo um pouco essa prática. Porém, ele destaca que isso não é uma regra, pois existem muitos estabelecimentos que fazem doações.

Porém, um projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados pode mudar esse panorama. A idéia do ?Bom Samaritano?, apelido dado ao projeto, é isentar o doador de responsabilidade civil ou penal se alguém adoecer ou morrer por causa do alimento doado.

Pastoral da Criança defende uso integral de alimentos

Maria da Conceição Hamester.

O aproveitamento integral dos alimentos também pode ser uma saída para evitar o desperdício. É o que prega a Pastoral da Criança, que difunde a idéia da alimentação enriquecida, através do também consumo de cascas, folhas, sementes e talos.

A representante da equipe da pastoral na região de Curitiba, Maria da Conceição Hamester, a ?Ceiça?, tem até um site onde as pessoas podem aprender a fazer estrogonofe da entrecasca da melancia, chocolate da casca de banana, ou suco da folha do araçá. Ela conta que tudo isso já foi levado para diversas comunidades carentes, e fica feliz em saber que famílias que passavam fome hoje têm uma fonte de renda com o aproveitamento integral dos alimentos.

Amor com a comida

Para ela trabalhar com comida exige ?amor, paciência, carinho e coragem?. Na avaliação do gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança, Clóvis Boufleur, o desperdício de alimentos no Brasil está ligado com o desconhecimento. A falta de uma diversificação de produtos regionais também afeta isso. ?Hoje se produz em grande escala a soja, o que é bom do ponto de vista econômico. Mas nós aqui consumimos uma manga que vem de São Paulo porque nossos produtores não têm condições de escoar a produção.?

Para ele, os governos, nas três esferas, não estão envolvidos com o problema do desperdício. ?Acho que boa parte disso pode ser superado pela administração?, finalizou.

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