Muito antes da soja, houve um produto agrícola que reinou quase absoluto nos campos paranaenses: a erva-mate colocou o Paraná no mapa do Brasil e do mundo. Literalmente. Foi o crescimento e o desenvolvimento econômico, atrelados à cultura ervateira, que deram sustentação à elevação da então comarca de Curitiba à condição de província, em 1853. Não é à toa que, além da araucária, o ramo da erva-mate estampa o brasão do estado.
Hoje, 165 anos depois e na esteira de grandes transformações sociais e agronômicas, o cultivo se reinventa para continuar vivo, com novos produtos e canais de comercialização.
Caracterização da cultura
O Paraná continua sendo o maior polo ervateiro do país, com 512,4 mil toneladas anuais ou 54% da produção nacional, de acordo com os dados mais recentes do IBGE.
No entanto, diferentemente do Rio Grande do Sul e da Argentina, onde se cultiva a erva-mate principalmente a céu aberto, por aqui o predomínio é da planta nativa, que cresce naturalmente sob a sombra das araucárias e recebe apenas o manejo dos produtores.
“A qualidade nesses sistemas é muito superior, porque a erva-mate cresce de forma natural, quando a floresta atingiu o clímax”, explica o pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Francisco Paulo Chaimsohn. “É uma planta importante pelos compostos secundários, que dão a ela qualidades energéticas, nutracêuticas, medicinais. E isso é muito sensível às condições microclimáticas e do solo. Por isso, [a nativa] é superior, o que é reconhecido pela indústria”, acrescenta.
Ainda de acordo com Chaimsohn, a erva-mate cultivada a pleno sol, apesar de ter produtividades maiores, é mais suscetível a pragas e doenças, o que leva à maior utilização de defensivos. “O Paraná produz mais de 80% da erva-mate sombreada no Brasil. Grande parte do mercado do Uruguai é abastecida com erva do Paraná”, pontua.
Ciclo invertido
Segundo um levantamento do Instituto de Florestas do Paraná, vinculado à secretaria estadual de agricultura, a erva-mate é o principal produto florestal fora do segmento madeireiro. O Valor Bruto da Produção (VPB), calculado com base na produção e no preço pago aos produtores, gira em torno de R$ 530 milhões.
Contudo, se no passado os “Barões do Mate” fundaram bairros e deram seus nomes a ruas de Curitiba, a estimativa é de que, hoje, entre 70% e 80% da produção saiam de pequenas propriedades, sobretudo no Sul. “Ela é colhida a cada dois, três anos. Se o produtor tiver uma área um pouco maior, pode conduzir a propriedade no sentido de colher o ano todo. A erva gera uma renda importante para o pagamento das contas, a reforma da casa, atividades familiares. É uma poupança muito importante para manter essas famílias”, diz o pesquisador.
Produção e preservação
Além da importância econômica, o mate sombreado, aponta Chaimsohn, desempenha um papel de preservação ambiental. Tal qual no brasão paranaense, araucárias e erva-mate também se complementam no campo. “Se a gente pegar o mapa do Paraná, há três grandes áreas de conservação de floresta: no litoral, com a mata atlântica; em Foz do Iguaçu, em função do parque nacional; e no Centro-Sul e Sul do estado, em grande parte pela presença da erva-mate”, frisa.
Novos caminhos até o mercado
Mesmo com o forte laço cultural, quando o assunto chega ao campo, a erva-mate, assim como qualquer produto agrícola, enfrenta a concorrência de outras culturas – e nem sempre leva vantagem. Nos últimos anos, o valor pago ao produtor tem oscilado bastante: de R$ 6 por arroba em 2011, passou a R$ 18 em 2014, em função da defasagem entre oferta e demanda.
O cultivo ganhou fôlego, a produção aumentou, mas os preços voltaram a cair. Hoje, a arroba está na faixa de R$ 14. A estimativa do Instituto de Florestas do Paraná é de que o mercado esteja evoluindo para o equilíbrio. Contudo, para ser um cultivo histórico – e não virar história – a erva-mate tem o desafio de encontrar novos caminhos, sem romper com a tradição.
Em Curitiba, o casal Danilo Richartz Benke e Josiane Paterno Benke – parceiros em casa e nos negócios – criaram uma startup no final de 2016, a Erva Mate Paraná. A ideia é modernizar o mercado, da forma como a erva é produzida até a apresentação ao consumidor. “A erva-mate em si não mudou muito em seu processo industrial. Até a questão de embalagem, da forma que é entregue, há mais de 50 anos elas são iguais, com os mesmos desenhos”, avalia Danilo.
A empresa trabalha em quatro frentes: mate tradicional para chimarrão; erva torrada para fazer chá; mate solúvel; e uma erva “descansada”, com temperatura e umidade controladas, o que acentua o amargor, à moda tropeira de se beber chimarrão. As embalagens são fechadas a vácuo, o que aumenta a validade do produto.
Fora do circuito dos grandes ervateiras, Danilo conta que o diferencial da erva-mate vendida pela startup está na qualidade e procedência da matéria-prima, que é selecionada a “cuiada” pelo interior do Paraná. Os principais fornecedores estão na região de Irati, São Mateus do Sul e General Carneiro. “Nós pagamos por qualidade. E é importante para o produtor poder reinvestir. Eu penso no ganha-ganha: quero que o cliente ganhe, o produtor ganhe e a startup ganhe. Isso mantém a roda sempre girando”, comenta.
O trabalho tem rendido frutos. Além do mercado interno, a Erva Mate Paraná exporta para Estados Unidos, China, Austrália, Alemanha e Suíça. “Na Europa, o produto foi revendido e recebemos um elogio da Polônia”, diz o empresário.
Nesta linha, a cultura ervateira poderia aprender com outro cultivo que fez história no Paraná: o café. “Alguns anos atrás, dizia-se que o café estava fadado a desaparecer, e ele se reinventou de várias formas. Temos cafés especiais em vários lugares do Brasil, com sistemas que vão desde a produção familiar a megaprodutores, com qualidade reconhecida”, salienta Paulo Chaimsohn.
Consumo além da cuia
Normalmente associada ao chimarrão ou ao “chá tostado”, a erva-mate tem uma infinidade de usos ainda pouco explorados no Brasil, da indústria de cosméticos a pratos e bebidas que levam a planta na receita.
Sabendo disso, o empresário – e entusiasta – André Zampier diz ser um “mate dreamer”. E sonhos não faltam para ele. Envolvido em uma série de projetos artísticos e culturais que têm a erva-mate como pano de fundo, Zampier abriu, recentemente, a primeira casa especializada em preparos com o ingrediente.
A Matte’n Roll tem chopp e drinks feitos com erva-mate, mas não deixa de reservar espaço no cardápio para o chá e o chimarrão. No entanto, sempre com uma “pegada” diferente. “O ciclo [do mate] ficou muito diminuto. E a gente pretende impulsionar um novo ciclo. Mas como vai impulsionar se fizer a mesma coisa?”, questiona o empresário. “A cuia com a figura do gaúcho no pacote chegou ao limite. A gente não descarta essa tradição, ela é importante, mas tem que ter novas formas de consumo.”
“Pensando no lado econômico, precisamos resgatar história e pensar para frente. Os barões fizeram coisas incríveis no século 19: a Estrada da Graciosa, a ferrovia, modernizaram o produto com estampas. Naquela época, foi uma grande revolução”, continua Zampier. “Era um produto bem simples, mas elevaram o patamar para exportar para Europa. A gente precisa se reinventar, como fizeram lá atrás. Foi um salto enorme na mudança de pensamento.”