A chegada do corpo da Fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns Neumann, a Curitiba, ontem, foi cercada de grande comoção. O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que trouxe os restos mortais da médica sanitarista do Haiti pousou no aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, às 10h19, após ter feito uma escala em Brasília (DF), de onde decolou às 8h35.

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Na mesma aeronave, estavam o sobrinho de Zilda, senador Flávio Arns (PSDB-PR); o chefe de gabinete do presidente Lula (PT), Gilberto Carvalho; e a assessora da Pastoral da Criança Internacional, irmã Rosângela Altoé, que estava com Zilda no momento do desabamento do prédio do Centro de Conferência dos Religiosos do Haiti e sobreviveu ao terremoto.

Logo após o pouso, foi feito o desembarque do caixão lacrado com o corpo de Zilda Arns. O momento foi acompanhado por familiares da médica, que se mostravam emocionados.

O caixão foi levado, em cortejo, em um carro do Corpo de Bombeiros, até o Palácio das Araucárias, no Centro Cívico, onde o velório acontece até as 14h de hoje.

Marco Charneski
“Suas atitudes de amor ao próximo irão viver na vida daquelas crianças salvas por suas iniciativas. Ela trouxe um legado de delicadeza, paciência e amor, sempre com um sorriso no rosto”. José Serra, governador de São Paulo.
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O cortejo saiu do aeroporto e passou pela Avenida Comendador Franco, Mariano Torres e Cândido de Abreu. Quando chegou ao Palácio das Araucárias, foi recebido pelo arcebispo metropolitano dom Moacyr José Viti. Logo no início da tarde, dom Geraldo Magela rezou uma missa para familiares e amigos próximos da família.

“Ela era como uma semente lançada à terra, que germinou e produziu uma grande árvore chamada Pastoral da Criança. Certamente essa árvore não morrerá. Lá do céu sabemos que Zilda estará intercedendo por todas as crianças, principalmente as mais necessitadas. Agora a Pastoral deve continuar seu trabalho e dar continuidade a esse ministério de vida que era a atuação de Zilda Arns”, disse.

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Além de amigos da família e entidades ligadas à Pastoral, vários políticos estiveram presentes para prestar a última homenagem à Zilda. Dentre eles estavam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha; o governador de São Paulo, José Serra (PSDB) e o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB). Lula exaltou o trabalho social da médica.

“Zilda Arns é uma pessoa que lutou pela democracia, direitos humanos, qualidade de vida e pelas crianças. Morreu fazendo o trabalho que, para ela, era sagrado. Espero que as ideias da Zilda estejam encarnadas no povo brasileiro”, disse o presidente.

Ciciro Back
“Zilda foi exemplo de respeito e de ajuda aos mais necessitados. Foi uma pessoa voltada às grandes causas sociais”. Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados.

Segundo José Serra, Zilda deixou exemplos para todos. “Existem pessoas que não são enterradas, é o caso de Zilda. Suas atitudes de amor ao próximo irão viver na vida daquelas crianças que foram salvas por suas iniciativas. Ela trouxe um legado de delicadeza, paciência e amor, sempre com um sorriso no rosto. Ela deixa um exemplo de como é possível atuar de forma boa, doce, bondosa e solid&aacut,e;ria. Perdi uma grande amiga”, disse, emocionado, José Serra.

O prefeito Beto Richa afirmou que a prefeitura de Curitiba irá conversar com a família sobre a possibilidade de nomear uma grande obra da cidade com o nome da médica. “Ela sempre esteve próxima das pessoas necessitadas, perdeu a vida de forma trágica num país que sofre com a pobreza e a miséria. Lá ela trabalhava para ajudar as pessoas, assim como as milhares de crianças que ela salvou. Todos devemos seguir seus exemplos”, disse Richa. Segundo o deputado federal Michel Temer (PMDB-SP), Zilda deixa um exemplo a ser seguido.

 “Trata-se de uma morte trágica. Zilda foi exemplo de respeito e de ajuda aos mais necessitados. Foi uma pessoa voltada às grandes causas sociais. Trago junto comigo o sentimento de toda a Câmara de Deputados, não apenas minha admiração pela grande pessoa que Zilda foi”, disse Temer.

O senador Eduardo Suplicy (PT), de São Paulo, considera que a médica teve uma vida exemplar. “Bom seria se os brasileiros soubessem mais da história da Zilda Arns. Ela salvou milhares de crianças com o seu trabalho”.

José Rocha/SMCS
Autoridades de todo o Brasil compareceram ontem ao velório de Zilda Arns.

Irmã relata momento da tragédia no Haiti

Cintia Végas

No Palácio das Araucárias, logo após o início do velório, a irmã Rosângela Altoé conversou com a imprensa e contou como foram os últimos momentos de Zilda Arns. Com ferimentos no braço esquerdo e nas pernas, ela estava bastante entristecida e chocada com a tragédia que presenciou no Haiti.

Segundo Rosângela, a viagem ao Haiti estava sendo planejada desde agosto do ano passado e aconteceu após a superação de uma série de entraves, como problemas com passaporte e outras documentações. “A doutora Zilda queria muito ir ao Haiti e preparou a viagem com muito carinho. Ela estava bastante feliz de estar lá”, afirmou.

No momento do terremoto, Rosângela contou que Zilda havia acabado de proferir uma palestra, realizada em espanhol e traduzida para o idioma créole, e estava conversando com um padre.

“No momento do tremor, me virei para pegar alguns materiais da palestra e ouvi um forte estrondo. A laje do prédio caiu em cima de mim e eu deslizei junto com ela. Escorreguei e me joguei por cima de uma parede, conseguindo me levantar e chegar até a rua”.

Na rua, a irmã conta que via apenas uma forte poeira branca e várias pessoas desesperadas. Momentos depois, tentou voltar para encontrar Zilda Arns e entrou em um corredor de cerca de cinquenta metros de comprimento.

“Quando eu entrei no corredor, houve um novo tremor e tive que correr antes que tudo desabasse. Depois disso, muita gente me perguntava de Zilda, mas eu não sabia onde ela estava. Eu tinha esperanças de que ela estivesse viva, mas sabia que isso seria um milagre. Agora, penso que a dona Zilda deu a vida pela Pastoral. Ela viveu e morreu em missão. Antes do terremoto, ela finalizou sua paletra dizendo que a Pastoral da Criança era uma pastoral essencialmente de amor ao próximo”.

Além do choque pela morte da seminarista, a assessora revelou que não esquece os gritos das crianças e dos adultos feridos durante o terremoto. “A cidade estava um verdadeiro caos, havia pessoas sem pernas, sem braços e com ferimentos abertos. Todos estavam totalmente desesperados e nas ruas, que eram os únicos locais seguros. Não dá para definir o sofrimento de toda aquela gente. Mais tarde, vi cadáveres nas calçadas e ao longo das estradas”.

O senador Flávio Arns, que acompanhou Rosângela em seu depoimento à imprensa, também estava muito abalado com a morte da tia. “Eu tinha uma afinidade muito grande com ela, desde criança. Meu sentimento é de muita tristeza, mas também me consola saber que ela morreu fazendo aquilo em que acreditava”, comentou.

Sobre a situa,ção do Haiti, o senador confirmou que a situação é de pavor, mas elogiou o trabalho do corpo de paz brasileiro, formado por cerca de 6.500 soldados.

“O corpo de paz está atuando em algumas frentes: cuidar dos mortos, cuidar dos feridos, garantir a segurança da população e cuidar dos escombros. A partir daí, deve ser elaborado um plano de reconstrução do Haiti. O governo brasileiro está mandando água, alimentos, medicamentos e materiais ao país”.

Ciciro Back
Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, senador Flávio Arns e a irmã Rosângela Altoé: comoção na coletiva à imprensa.

Admiradores formaram fila de três quilômetros

Leonardo Coleto

Emocionados com a morte de Zilda Arns, cerca de 2,5 mil admiradores e parceiros da médica formaram, ontem, uma fila de cerca de três quilômetros nas proximidades do Palácio das Araucárias, onde acontece o velório da médica, conforme informou a Polícia Militar do Paraná e a Pastoral da Criança de Curitiba.

A maioria delas era de Curitiba, mas havia ônibus provenientes de Santa Catarina, o estado natal de Zilda; interior do Paraná, Rio de Janeiro e até mesmo da região nordeste do Brasil chegavam ao Palácio para prestar a última homenagem à médica sanitarista.

“É emocionante, estamos tentando retribuir esse carinho imenso pela minha tia-avó”, contou o sobrinho-neto de Zilda, Alexandre Arns, ao recepcionar a população.

Dentre as caravanas, estava o grupo de Aloísio Boeing, de Blumenau, Santa Catarina. De acordo com ele, logo que a morte de Zilda foi divulgada, 40 integrantes da Arquidiocese de Blumenau rumaram para Curitiba.

“Todos são líderes comunitários que presenciaram a atuação de Zilda ao longo dos anos. Estamos chocados com a forma que ela perdeu a vida, mas ao mesmo tempo orgulhosos do trabalho feito por ela”, disse.

Segundo Boeing, todos deviam tomar atitudes como as dela em prol de um futuro melhor. “Podemos comparar a criação de uma criança como uma planta. Se não plantamos certo, a árvore não cresce e não dá frutos. Devemos dar condições mínimas para essas crianças carentes. Assim teremos um futuro melhor, tanto para elas quanto para a sociedade”, avalia.

Vinda de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, a coordenadora da Pastoral da Melhor Idade da Arquidiocese de Veisópolis, naquela cidade, Luiza Kropzak, diz que Zilda deixou um grande ensinamento para a sociedade.

“Ela assumiu um trabalho que não tem ligação com o lucro. Trabalhou para salvar os mais necessitados e nos ensinou a amar sem olhar a quem. Ao pensar nela tenho um sentimento grande de humildade e de doação total”, lembra.

A atuação de Zilda Arns emocionou Maria Neuza Rosa, que foi ao velório vestida com uma bandeira do Brasil. “Hoje é um dia de muita tristeza, mas ao mesmo tempo de reflexão. Zilda viveu e morreu para ajudar os outros”.