Mulheres retardam o sonho de ser mãe

Carreira, realização profissional e graduação em altos níveis são alguns dos fatores que levam algumas mulheres a retardar a gravidez o quanto for possível. Algumas nem chegam a ter filhos, justamente pela rotina que levam, sem espaço para a responsabilidade de gerar e criar um bebê. Quando as mulheres decidem ser mães, acabam desejando poucas crianças, uma situação bem diferente de até 20 ou 30 anos atrás. Ter uma "penca" de filhos não passa mais pela cabeça da maioria das mulheres com nível sócioeconômico elevado.

"É um fenômeno que não tem retorno. E cada vez mais se encaminha para isso", opina o médico Rosires Pereira de Andrade, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas em Reprodução Humana e Fertilização Assistida de Curitiba (CERHFAC) e professor titular de Reprodução Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A gravidez se torna um assunto com diversos questionamentos, por diferentes períodos, nas mulheres nesta situação. Porém, quanto mais tardia a decisão, menores as chances de uma gravidez tranqüila e bem-sucedida. As mulheres jovens de até 30 anos possuem mais facilidade para engravidar, enquanto as mulheres após os 35 anos sentem dificuldades maiores. As possibilidades vão diminuindo a cada ano que passa. Isso acontece porque os óvulos da mulher estão no corpo dela antes mesmo de nascer, ainda no útero da sua mãe. Eles vão ficando velhos, perdendo a capacidade de reprodução, e não existe renovação destas células.

O retardamento da gravidez também está diretamente relacionada com o aumento da expectativa de vida da mulher, que hoje gira em mais de 80 anos no País. Há 30 anos, a mulher brasileira vivia entre 40 e 50 anos. Além disso, há o fenômeno dos divórcios e separações. Muitas mulheres querem filhos do segundo ou terceiro casamento. "O desejo da maternidade vira uma nova realidade, mesmo a mulher já tendo outros filhos", constata o ginecologista e obstetra Jonathas Borges Soares, doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

O aumento na eficiência dos métodos anticoncepcionais e a diminuição dos efeitos colaterais gerados pelos uso deles são outros dois fatores que contribuem para adiar a gravidez. "Aconteciam falhas mais freqüentemente. Agora a mulher consegue adiar a gravidez de maneira eficiente", diz Soares.

Ele explica que as taxas de nascimento são maiores em mães com até 30 anos. O médico cita uma pesquisa americana feita em 2004, que mostra uma taxa de crescimento de 22 bebês a cada mil mulheres entre os 15 e 17 anos. O índice vai crescendo até chegar no auge na faixa entre 25 e 29 anos, com 115 nascimentos a cada mil mulheres. De 30 a 34 anos, a taxa cai para 95 nascimentos por mil mulheres; entre 35 e 39 anos, 45 a cada mil mulheres; dos 40 aos 44 anos, 9 a cada mil mulheres. "Isso demonstra que até 34 anos a taxa de nascimento é estável, crescendo até os 29 anos e caindo um pouco até os 34. A queda acentuada começa aos 35 anos. Sendo assim, a idade ideal para se ter filho é dos 18 ou 19 anos, quando a elasticidade dos tecidos é melhor, até 30", afirma Soares. Com o passar do tempo, a mulher também fica suscetível a diversas patologias e outras exposições, que podem complicar futuras gestações. A gravidez, em uma idade avançada para este fenômeno, vai exigir muito mais da saúde da mulher. "Os cuidados precisam ser maiores com esta gestante. As chances da gravidez ser acompanhada por diabetes e hipertensão é oito vezes maior do que nas mulheres que ficam grávidas com menos de 30 anos. A gravidez pode ser complicada ou trazer doenças", alerta Soares. Fatores como fumo, obesidade ou magreza extrema, consumo de álcool, estresse e excesso de atividades físicas (mais de seis horas de exercício aeróbico por semana) podem influenciar neste quadro.

Professora de música teve gêmeos aos 37

A carreira e os estudos estavam em primeiro lugar para a professora de música Patrícia Lins. "Sempre me preocupei em desenvolver o lado profissional e, quando me casei, achei mais interessante curtir a vida de casada", lembra. O desejo de ser mãe veio aos 33 anos. Ela tentou engravidar durante dois anos "por conta", mas sem obter sucesso. Por causa disso, ela procurou tratamentos para engravidar com o médico Rosires Pereira de Andrade, da CERHFAC. Foram mais dois anos e meio de diversas tentativas, com acompanhamento mensal da ovulação, injeções que simulavam esse processo, três inseminações artificiais e duas fertilizações em vitro.

Foi no último procedimento que veio a boa notícia, quando estava com 37 anos. Patrícia ficou grávida dos gêmeos Joaquim e Miguel, que hoje têm dois anos e meio de idade. "Foi uma decisão madura, mas em uma idade com uma série de riscos. Os cuidados durante a gravidez foram muito maiores. Mas tive a sorte de ter dois filhos", afirma.

A professora teve momentos de forte angústia durante o período de tentativas. Chegou até a questionar a divindade, sua condição de mulher e se valia a pena tanto sofrimento. "É a pior experiência que uma mulher pode passar. Não só porque não está dando certo. Você começa a se questionar: ‘Todas podem e eu não’. É uma situação muito complicada, que dá uma sacudida na auto-estima da mulher. Eu não queria só a barriga. Queria ser mãe de um filho meu", avalia Patrícia.

Com a chegada de Joaquim e Miguel (depois de nove meses completos de gestação), a vida de Patrícia mudou totalmente. Um mês depois do parto a professora voltou a dar aulas. "Até um ano, vivi quase completamente para eles. Agora, continuo dando aula, mas é muito difícil. Vivo quase um momento de opção, se continuo trabalhando ou fico só com eles. Essa dúvida passa constantemente pela cabeça", diz. Mesmo assim, Patrícia não tem nenhuma dúvida sobre o quanto valeu a pena todo o esforço que fez para gerar Joaquim e Miguel. E dá um recado para as mulheres: "Tenham filhos o mais cedo possível". (JC)

Quanto mais tarde a gravidez, maior o risco de aborto

A gravidez tardia ainda traz riscos para o bebê. Quanto mais tarde a mulher engravidar, maiores as chances de abortos acontecerem. Os bebês que conseguem passar por este risco podem ainda nascer prematuros ou com doenças genéticas, explica o médico Rosires Pereira de Andrade. "A doença mais importante é a síndrome de Down, uma alteração no cromossomo 21", aponta.

Ele comenta que as mulheres que já atingiram uma idade "avançada" e não conseguem engravidar acabam recorrendo aos tratamentos de reprodução. Primeiramente, as possíveis mamães são totalmente esclarecidas sobre todos os riscos e possibilidades, que acontecem mesmo estando assistidas. São feitos exames na mulher e no companheiro para avaliar a fertilização dos dois. Após esta fase, os tratamentos são propostos, com acompanhamento constante. "As mulheres devem ser tratadas rapidamente. A cada ano que passa, os riscos são maiores e as chances diminuem", conta Andrade.

Os tratamentos levam mais chances às mulheres, mas não podem ser considerados milagrosos. Pode ser que a mulher não engravide mesmo com a assistência e ao longo de diversas tentativas. Os tratamentos mais utilizados são a estimulação da ovulação com hormônios (com o casal tendo relação normalmente), inseminação artificial e a fertilização in vitro. "Com facilidade indicamos a fertilização in vitro", informa Andrade.

Ele alerta que nos casos de mulheres que engravidaram com mais de 50 anos foram utilizados óvulos doados, que depois são reintroduzidos no útero da mulher interessada em ser mãe. "Depois dos 45 anos, quase sempre os óvulos são doados", relata. De acordo com Andrade, há quase 30 anos houve a primeira fertilização in vitro no mundo. As técnicas foram evoluindo com o tempo e, hoje, são eficazes para as necessidades das mulheres que desejam ter filhos. Apesar disso, ainda existem muitas pesquisas na área. (JC)

Tratamentos não são cobertos pelos planos de saúde

Os tratamentos para engravidar podem custar a partir de R$ 5 mil, em cada tentativa, realizados em clínicas particulares. Planos de saúde não cobrem este tipo de procedimento. No Brasil, apenas 0,07% das mulheres que necessitam de tratamento para engravidar são atendidas, tanto em nível público quanto privado, sendo o último de maior incidência. Com o objetivo de fazer com que parte da alta demanda fosse atendida, principalmente aquela que não pode arcar com os altos custos dos tratamentos, um grupo de 50 médicos de São Paulo formulou o Projeto Beta. "Um casal sem condição econômica teria que ficar na fila do serviço público, que pode demorar sete anos", revela o médico Jonathas Borges Soares, ginecologista e obstetra que faz parte do Projeto Beta.

O programa tenta diminuir os custos dos tratamentos para engravidar. "Não tem como ser gratuito para todos, mas conseguimos viabilizar um pouco economicamente, por meio de parcerias. Propomos algo de não pese tanto no orçamento, mas que seja da mesma qualidade em relação ao tratamento pago totalmente", explica Soares.

Os interessados participam de reuniões, que acontecem duas vezes por mês em um centro próprio do projeto, onde são orientados sobre todo o processo. Se aceitam a inserção no programa, passam por consultas para definir o diagnóstico. Uma assistente social conversa com o casal para saber qual é a possibilidade econômica da família e o quanto pode pagar. "Em vez de gastarem entre R$ 7 mil e 10 mil, pagam entre R$ 1,5 mil e 3 mil", exemplifica Soares. No ano passado, o Projeto Beta realizou 300 tentativas. Mais informações no telefone (11) 3826-7017. (JC)

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