Além de acabar com a tarifa única, a separação financeira da Rede Integrada de Transporte (RIT) entre Curitiba e as cidades da região metropolitana provocou mudanças que complicaram a vida de quem mora nos municípios vizinhos e precisa se deslocar para a capital diariamente. Usuários de linhas metropolitanas, geridas pelo governo estadual através da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), tem várias queixas, como: extinção e encurtamento de itinerários, alto custo da tarifa, ônibus lotados, horários reduzidos e atrasos.
Outro ponto negativo foi a perda de praticidade para pagar a passagem. Se o passageiro embarca na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), o pagamento tem de ser feito em dinheiro ou cartão eletrônico Metrocard – ou ainda o Vale Eletrônico Municipal (VEM), no caso de São José dos Pinhais. Se o embarque é realizado em Curitiba, o passageiro tem de pagar em dinheiro ou com o cartão-transporte da Urbanização de Curitiba S/A (Urbs).
Ligeirinhos de curto alcance
A principal causa de reclamações é o encurtamento de trajetos. Cinco linhas que saíam da (RMC) e deixavam os passageiros no Centro ou em pontos estratégicos da capital foram encolhidas: Colombo/CIC, Araucária/Curitiba, Campo Largo/Curitiba, São José/Barreirinha e Tamandaré/Fazendinha. Um total de 94 quilômetros foi suprimido, obrigando os usuários a fazer baldeação. Apesar de não terem de pagar uma nova passagem, a perda de tempo e o deslocamento necessário para fazer outro embarque são incômodos, segundo os usuários do transporte coletivo.
“Ficou muito ruim”, disse José Braga. |
Passageiros na bronca
No Terminal Maracanã, em Colombo, é unânime o descontentamento com a mudança no ligeirinho Colombo/CIC, que virou Colombo/Cabral. O ônibus que seguia até a Cidade Industrial de Curitiba (CIC) agora tem seu ponto final no Terminal Cabral. “Ficou muito ruim pra quem trabalha no Pinheirinho, tem que pegar três ônibus pra ir trabalhar. Você fica quase mais tempo no trajeto do que em casa. Meu filho trabalha em Curitiba e agora tem que sair mais cedo. E além de tudo, a passagem subiu”, diz José Braga, 58 anos, que está desempregado.
O encurtamento da linha impôs dificuldades para a dona de casa Lourdes Souza, 62, que tem mobilidade reduzida. “Piorou, piorou bastante. Tenho que trocar de ônibus no Terminal Cabral e não aguento descer a escada porque tenho cirurgia na perna”, conta. Como não consegue utilizar a passagem subterrânea, Lourdes tem de procurar um fiscal e pedir que ele abra o portão que dá acesso ao outro lado do terminal.
Robson Hubert Artigas, 27, voluntário de um projeto social, notou ainda uma redução no número de viagens. “O Colombo/CIC vinha um atrás do outro, está demorando mais. Quando eu trabalhava no Centro, só pegava um ônibus, descia na Praça Tiradentes. Agora, até eu conseguir pegar o outro ônibus, dá uma diferença de 20 minutos”, calcula.
Pagamento somente na |
Comec alega racionalização
O assessor técnico da Diretoria de Transportes da Comec, Euclides Rovani, diz que era inviável manter as antigas extensões dos ligeirinhos: “A partir do momento que houve desintegração financeira, o sistema metropolitano ficou muito mais caro, muito mais caro que o de Curitiba. Em Curitiba, são deslocamentos curtos, em média, de 11 quilômetros. A média dos metropolitanos é de 23 quilômetros. Tivemos que racionalizar, se não, não há tarifa qu,e pague”.
De acordo com a percepção dos passageiros, o número de ônibus diminuiu. Questionado sobre redução de frota, o técnico afirma que se trata de uma consequência dos encurtamentos de trajeto. “A linha Araucária/Curitiba, por exemplo, que mudamos para Araucária/Capão Raso, passou de 55 quilômetros para 37 quilômetros. Reduziu o número de ônibus porque reduziu a extensão. A frota é calculada em função da extensão, demanda e velocidade”, justifica.
Quanto às queixas sobre ônibus lotados e número insuficiente de viagens, Euclides disse que a Comec “está prestando atenção a tudo”, acompanhando o sistema através dos dados da bilhetagem eletrônica e fazendo alterações diárias para otimizá-lo. “Todas as modificações que fazemos nós verificamos antes as demandas das linhas, é feito redimensionamento e em seguida nós monitoramos a adequação de oferta à demanda, a adequação de trajetos. Não adianta ter muita linha com intervalo de uma hora, é melhor ter corredores operacionais com intervalos de 10 minutos. Isso é importante no sistema de transporte.”
Licitação sem previsão
Em maio de 2015, o Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) determinou um prazo de doze meses para realização de licitação das linhas metropolitanas que fazem parte da RIT. Em agosto do ano passado, o presidente da Comec, Omar Akel, garantiu que o edital para licitação seria lançado no início deste ano. O prazo não foi cumprido e não existe uma nova previsão. “Estamos elaborando os projetos para encaminhar para cada prefeitura. Não sei se as Câmaras Municipais vão aprovar rapidamente as leis”, diz Euclides Rovani, assessor técnico da Comec.
O processo está atrasado, segundo ele, por causa da dificuldade de achar soluções envolvendo todos os atores. “É extremamente complicado, porque não depende exclusivamente da gente, teremos que ter um acordo com todos os municípios da região metropolitana. São José dos Pinhais, Campo Largo e Araucária têm sistema local. Se fosse um sistema independente de tudo, se não houvesse integração nenhuma, seria fácil licitar. Nosso sistema é integrado, precisamos de um arranjo institucional muito complexo, por isso está atrasado.”
Euclides afirma que, mesmo sem licitação, as empresas de transporte metropolitano cumprem regras, como mínimo de viagens e frota. “Tem um regulamento do transporte metropolitano que determina todas as normas de serviço. A empresa tem que cumprir horários, se não cumprir, leva multa”, esclarece, citando o decreto 2009/2015.
Desorganização
Para Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento Econômico e autor do livro Movimento Popular e Transporte Coletivo de Curitiba, a Comec não tem estrutura para organizar a RIT. “Sequer tem parâmetros de custo tarifário, ainda usa os parâmetros da Urbs, que são da Geipot (Grupo de Estudos para Integração da Política de Transportes), dos anos 80.” Esses parâmetros estão defasados, segundo o especialista, pois levam em conta motores de primeira geração, que eram “gastadores”. Hoje, rodam motores de quarta geração, bem mais econômicos. Ele afirma que os atuais sistemas de frenagem também são mais modernos, com custos menores. Na visão de Neves, uma licitação bem feita e transparente, com parâmetros atualizados, poderia por ordem no sistema.
Segundo a Comec, os degraus tarifários das linhas metropolitanas foram calculados de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Geipot, do Ministério dos Transportes, e pela Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), com as devidas considerações regionais. A Comec tem 48 servidores, dos, quais 23 na área técnica. Questionado sobre presença física de fiscais nos terminais, o órgão se limitou a responder que fiscaliza os equipamentos, além de realizar a fiscalização eletrônica pelo Centro de Controle Operacional (CCO). O usuário que queira fazer reclamações ou sugestões tem de acessar o campo “Fale Conosco/Ouvidoria” do www.comec.pr.gov.br . É necessário preencher um formulário com dados pessoais.