Na conta do trabalhador

Motorista recebe conta de R$ 22 mil por acidente de ônibus

Bateu, pagou. Motoristas de ônibus estão expostos a pagar altas despesas relativas a acidentes e não contam com a lei para ampará-los. De acordo com o primeiro parágrafo do artigo 462 da CLT, o empregador está autorizado a descontar dos salários dos empregados despesas geradas por danos causados pelo mesmo. As cobranças desse tipo estão aprovadas em convenções coletivas de trabalho.

Em Curitiba, a maioria das empresas de ônibus não conta com seguro para seus próprios veículos, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano e Metropolitano de Passageiros de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp). Ou seja, o motorista paga a conta caso comprovada sua culpa.

O seguro que a maioria das empresas possui garante o reembolso de prejuízos materiais ou corporais de terceiros, chamado de Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos (RCF-V). Como o próprio nome diz, fica a critério de cada empresa ter a cobertura desse tipo de seguro e não existe nenhuma obrigatoriedade legal no contrato dos consórcios com a Urbs. Dessa maneira, sem obrigação, motoristas que trabalham para empresas que não possuem RCF-V ficam sujeitos a pagar valores que podem ultrapassar os vencimentos de um ano de trabalho.

“A lei realmente permite esse tipo de cobrança. Mas existem casos que são difíceis de provar de quem é a culpa. Quando não existe o seguro, pior ainda”, explica João Luís Vieira Teixeira, advogado especialista em direito do trabalho.

No mês passado, um ex-motorista da Auto Viação São José Filial se envolveu em um acidente que não teve a presença do Batalhão da Polícia de Trânsito (BPTran), o que dificultou a avaliação de culpa. Na apuração feita pela empresa, que não possui o RCF-V, o motorista acabou sendo obrigado a pagar R$ 21.991,00 pelo conserto. Se não gastasse um centavo durante o ano, receberia menos que isso: R$ 21.779,28.

O empregado optou por pedir demissão afirmando ser “inviável” a permanência devido aos descontos. A reportagem da Tribuna teve acesso a Rescisão de Contrato de Trabalho (ver imagem), na qual o motorista não concorda com a decisão e alega não ter havido apuração das responsabilidades. Por pedir demissão, o trabalhador não recebeu qualquer valor pela rescisão contratual.

Em nota, o Setransp afirmou que as empresas filiadas têm, por procedimento interno, a preocupação de garantir o amplo direito de defesa de seus colaboradores. A apuração consiste em análise de fotos, relato de testemunhas, do Boletim de Ocorrência e depoimento dos envolvidos. Quando comprovado o dolo, a empresa faz a cobrança de forma que o valor se enquadre dentro da capacidade de pagamento do funcionário. Além da São José Filial, a Auto Viação Redentor também não possui RCF-V.

Sindicato: “Faz seguro ou assume”

“Se a empresa assumiu o risco de não contratar o seguro, que não transfira a responsabilidade para o trabalhador”, diz Anderson Teixeira, presidente do Sindicato dos Motoristas e Cobradores (Sindimoc). Por situações como essa, o sindicato fez um protesto na garagem da empresa na madrugada de segunda-feira e estuda nos próximos dias entrar com uma ação coletiva por danos morais no Ministério Público do Trabalho.

No caso de um acidente de um ônibus sem esse seguro que tenha vítimas, o proprietário do veículo responsável é obrigado a arcar com todas as despesas que ultrapassem o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), que tem o teto de R$ 2.700,00 para acidentados e R$ 13.500,00 para morte ou invalidez permanente. O DPVAT não cobre danos materiais.

O Setransp diz que as empresas realizam um trabalho de conscientização tanto no ato de admissão de seus funcionários quanto na Semana In,terna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (Sipat). Afirmou também que promoveu o Curso de Desenvolvimento de Motoristas, de setembro de 2012 a março de 2014, para 3.616 motoristas de Curitiba, o que representa quase 30% do total.

 Reprodução
Termo de recisão mostra salário de R$ 1.814 e desconto de R$ 21.991.

Colaborou: Brunno Brugnolo

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