Quando Aguinaldo chega na área, se está em serviço, não é um bom sinal. Ele vem acompanhado das más notícias. Dia após dia, o motorista do Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba se depara com uma das mais temidas situações para a maioria das pessoas: a morte.

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Aguinaldo Nery da Fonseca Junior, 42 anos, não imaginava que carregar corpos seria seu futuro. Ele era funcionário de um banco que foi privatizado. Em 2005, ficou desempregado e prestou concurso para o governo do Estado. “Eles me chamaram no ano seguinte e fiquei sabendo que era para trabalhar no IML. Se não aceitasse, iria perder a vaga. Eu nunca tinha trabalhado com cadáver na minha vida, até então só trabalhava em escritório”, conta.

A primeira impressão de Aguinaldo foi chocante. “Quando cheguei aqui dei de cara com um esfaqueado, um queimado, um baleado e um putrefeito”, revela. Ele recorda bem de sua primeira missão. “O primeiro que eu peguei foi no Hospital Evangélico, nunca tinha encostado em um cadáver”.

O início da função afetou a vida pessoal do motorista. “Nos primeiros 10 dias eu não consegui comer carne vermelha, eu olhava e me dava enjoo”, diz. Durante a noite, sonhava com os cadáveres. “Gradativamente, fui assimilando e, em dois meses, eu tinha me adaptado”, afirma Aguinaldo. Os amigos e a família ficaram curiosos com o novo trabalho dele. “Quando eu fazia um churrasco, passava o dia inteiro falando de mim, porque a família e os amigos ficavam só perguntando sobre o IML”, lembra.

Atila Alberti
Aguinaldo: “Quando não estou no plantão, desligo totalmente”.
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O trabalho de Aguinaldo vai além de recolher os corpos. “Por mais que a visita no local seja rápida, em torno de dez, quinze minutos, primeiro eu converso com a família para que ela se sinta segura, pois é um momento em que está muito sensibilizada”, ressalta. “Uma coisa é quando o corpo está no local, mas quando a gente tira o bandejão e leva o corpo, cai a ficha de que quando estiver na viatura a pessoa não voltará mais”.

Em um dia, 32 corpos

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Alguns momentos no IML foram mais complicados para o motorista, especialmente antes da intervenção do instituto. “Teve um tempo em que eu puxei plantão 24 horas por 24 horas. Ficamos 28 plantões assim, foi muito cansativo”, comenta. “Há uns cinco, seis anos atrás era bem precário; tínhamos bastante problema com viatura, quando estragava tinha que usar uma Kombi”, destaca Aguinaldo. Ele chegou a, sozinho, recolher 32 corpos em um só dia.

Para manter a sanidade mental, Aguinaldo conta que quando não está trabalhando “esquece” do IML. Ele prefere não acompanhar as notícias e investigações sobre as mortes. “Quando não estou no plantão, desligo totalmente para não me envolver com os casos”, explica.

Imagem misteriosa

A experiência de Aguinaldo envolve até um caso sobrenatural. “Em Piraquara um cara foi atropelado no trilho do trem. Na época, a gente tirava foto no local. Quando botei a máquina embaixo do trem para fotografar a parte do tórax da vítima, apareceu um homem bem pequenininho no visor”, diz. Segundo ele, era o homem que tinha sido atropelado, com a mesma jaqueta, só que estava de pé. “Chamei os policiais militares, os vigilantes e o fotógrafo da Tribuna para que vissem, também”, conta. Mas ao chegar no IML e mostrar as fotos para outros funcionários, o homem que aparecia em pé nas fotos tinha desaparecido. “Eu não acreditava em vida após a morte até então, mas é o que dizem que a gente só acredita vendo”, finaliza o motorista.

Memórias marcantes

Entre os casos que mais marcaram Aguinaldo no IML está um dia em que ele e um companheiro de trabalho estavam lanchando próximo ao instituto quando ouviram disparos. “Um senhor levou dois tiros na face em um hotel em frente à lanchonete. Ele estava vivo, tentando falar. Isso me marcou porque a gente sempre chega e a pessoa já está morta, nunca tinha visto agonizando”, recorda.

O motorista conta também histórias trágico-cômicas. “Uma vez deram um tiro em uma mulher e jogaram o corpo no trilho do trem. O trem passou por cima e ela foi esquartejada e decepada”, afirma. Quando ele foi recolher o cadáver, não encontrou o braço da vítima. “Tive que procurar, à noite, com lanterna. Encontrei um cachorro com o braço na boca e tive que correr atrás dele. Demorei uns 40 minutos para conseguir resgatar o braço”, relata.

Assista no vídeo a conversa com Aguinaldo.