Mocós proliferam pelas ruas de Curitiba

As ruas de Curitiba abrigam mais de 437 moradores cadastrados. A maioria é homem, alcoolista e usuário de drogas, tem entre 31 e 45 anos de idade e é curitibano. Quando não estão dormindo nas praças ou nas escadarias, estão debaixo de um teto de verdade, mas um teto que não lhes pertence e em condições desumanas. Em imóveis abandonados, ou mesmo pontes ou viadutos, eles constituem o que se conhece como -mocós – : um problema de fácil diagnóstico, mas difícil solução. Ao serem acolhidos, trazem consigo as várias ?doenças da rua?, desde as mais diversas doenças de pele até hepatite e aids.
 
?Algumas coisas resultam nos mocós: enquanto não finalizado o inventário, os herdeiros não se interessam pelos imóveis e não se responsabilizam; ou são empresas que vão à falência e os imóveis são abandonados, como é o caso dos postos de gasolina; ou ainda são obras inacabadas. É uma situação difícil de ser solucionada, mas que é de responsabilidade única e exclusiva do proprietário do imóvel abandonado (podendo ser a própria Secretaria de Administração, quando se trata de prédios públicos), que não cumpre sua parte?, explica o diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo, José Luiz Filippetto.
A solução se torna difícil por simples razões. ?A gente resolve um, surge outro, em função dessa negligência dos proprietários?, justifica Filippetto. Ele ainda explica que quando são informados sobre locais que se tornaram mocós, a equipe da Secretaria de Urbanismo chega a interferir, o que resulta em dinheiro e esforço públicos usados em questões de propriedade particular. ?Temos que localizar o proprietário, notificá-lo, pedir que regularize o imóvel, impedindo que moradores adentrem no prédio e façam moradia. Em alguns casos ainda, os cadastros dos imóveis estão desatualizados e chegamos ao mocó e não conseguimos localizar o responsável e temos que fazer trabalho de verdadeiros detetives?, lamenta.
Social
Se para o urbanismo já não há perspectiva de solução para os mocós da cidade, do lado social, então, as situações são mais delicadas e ainda mais difíceis de serem contornadas. ?Eles (moradores de rua) vão circulando. Invadem a propriedade e formam os mocós. Tem mocó que é utilizado como ponto de uso e distribuição de droga, outros que são utilizados como moradia. Estão pela cidade inteira e aparecem de repente. Não tem como acabar com essa situação?, explica Eliana Oleski, responsável pelo Resgate Social do município.
As situações desses mocós são as mais diversas, assim como as localidades. Recebendo os relatos de moradores dos bairros sobre a existência dos mocós, pelo 156, a equipe da Fundação de Ação Social (FAS) se organiza, junto com a Guarda Municipal, por motivos de segurança, e é feita uma abordagem. Um trabalho bastante simples, mas delicado. ?Fazemos um trabalho de convencimento. Por mais que você oriente e faça a abordagem, mesmo limpando e retirando colchões, fogões e tudo mais que eles levam, eles já retornam. Muitas vezes não é na primeira abordagem que eles vão aceitar ajuda?, explica a educadora social Ana Márcia Noga.
Situações
Ana Márcia conta o que viu em uma das muitas abordagens em mocós de Curitiba. ?No Boqueirão, no último dia 8, pela manhã, os moradores estavam debaixo de uma ponte, dentro da manilha. Nesse caso, quando fomos verificar, vimos que não se tratava de moradia, mas de ponto utilizado para usar drogas. Essa não é a única situação de pontes e manilhas que são utilizadas como pontos de drogas e sexo, encontramos o mesmo no Sítio Cercado. Também no Portão, há dez dias, fomos a um mocó. Era uma casa imensa. Na frente já havia lixo e o proprietário até chegou a lacrar as janelas, mas eles entraram mesmo assim. Lá estava uma família: pai, filho, mulher, uma outra mocinha, grávida de dois meses e com outro bebê de oito meses. Todos estavam se alcoolizando e usando crack. Nesse caso, a Polícia Militar interferiu e retirou a criança de lá?, conta a educadora.

Depois das abordagens, eles voltam

O Estado acompanhou a equipe da FAS em uma abordagem em um mocó formado há pelo menos seis anos: um posto de gasolina abandonado, na rua Coronel Luiz José dos Santos, no Boqueirão. Lá encontramos o morador mais antigo do mocó, Adalberto de Souza, 32 anos. Ele contou que morava com outras sete pessoas, mas que não tinha contato com as demais. No local que ele fez de moradia, o antigo banheiro do posto, colchões, um sofá velho, as roupas e os trapos usados como coberta. O cheiro e a aparência do local não são nada agradáveis.
?Antes eu trabalhava com entrega de móveis, era amasiado e morava aqui perto. Depois que a gente se separou, eu fiquei desempregado, já tinha tentado conversar com minha família e eles não quiseram me acolher, então achei que me viraria sozinho. Gostar de morar assim a gente não gosta, mas vou sair daqui e vou para onde??, questiona Adalberto. Apesar de Adalberto considerar sua presença no bairro como beneficente, pois ficava de olho para que nada acontecesse na vizinhança, os vizinhos têm reclamações. ?Com certeza eles incomodam. Eles ameaçam a segurança do bairro?, afirma Rogério Gessner. Outra moradora do bairro, Rosy Silva, reclama da gritaria de um casal que mora no mocó.
Viaduto
O Viaduto do Capanema, próximo à Rodoferroviária, é outro grande e antigo mocó que, assim como os outros, é desmanchado, mas sempre torna a se formar. As muitas pessoas que moram lá dizem viver de esmola nos semáforos e doações. Um deles, A.C., disse que mora no viaduto há trinta anos. O grupo dos moradores se divide em dois, um de cada lado. O colchão era um carpet velho e as cobertas, trapos. O fogo é feito no chão sujo mesmo. Lá, mulheres e homens reclamam não ter documentos. Debaixo desse viaduto, entre os moradores, vivem até cachorros e, em um colchão ralo, descansa um paraplégico, sem ter para onde e como ir.
Também esse mocó foi abordado pela FAS. ?Fomos junto com a Guarda Municipal e a PM. Às 9h, encontramos mais ou menos 15 pessoas, dez de um lado e cinco de outro. Eles estavam dormindo, mas assim que chegamos, muitos se dispersaram, entre eles dois menores. De sete pessoas, cinco foram encaminhadas à Central de Resgate: um era migrante, que seria retornado à cidade de origem, e outros quatro eram catadores de papel que fizeram a higienização e saíram. O que os mantém lá é principalmente a esmola?, conta o educador Paulo Nazário Neto.

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