Foto: Cíciro Back/O Estado

Prédios altos na avenida principal de Caiobá, no município de Matinhos, chamam a atenção dos turistas e moradores.

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Em dezembro de 1990, Caiobá, no município de Matinhos, foi apontada por uma reportagem da revista Veja como o terceiro metro quadrado litorâneo mais caro do Brasil, atrás apenas do Rio de Janeiro e do Guarujá. Até mesmo a Garota de Ipanema, Helô Pinheiro, possuía um apartamento no badalado balneário. Para a elite curitibana, o chique da temporada era desfilar pela orla com roupas de grife. Mas dez anos de descaso com a infra-estrutura e ocupações irregulares bastaram para afugentar o turista endinheirado para as praias catarinenses, e fazer florescer favelas em áreas de proteção ambiental, numa história que se repete em todos os municípios litorâneos do Estado.

A segunda reportagem da série Raio-X do Litoral aborda como ocupações irregulares estão alterando a cara dos balneários paranaenses e afetando todo o mercado imobiliário. ?Um apartamento comprado no começo da década de 90 vale hoje um terço do que valia na época?, afirma o presidente da Associação Comercial e Industrial de Matinhos, Nelson Cotovicz.

O retrato da Caiobá de hoje é assim: de um lado prédios de alto padrão, mas atravessando para o outro lado do trecho urbano da PR-508, a Alexandra-Matinhos, em direção à Serra do Mar, ocupações que estão dentro de áreas de proteção ambiental formam um intrincado sistema de vilas que se assemelha às favelas encontradas em Curitiba. Estão lá as valas, a utilização de córregos que desembocam no mar como esgoto, lixo se empilhando sem coleta, casas sem mínimas condições de habitação, miséria, violência.

Do outro lado da PR-508, muitas dificuldades com as moradias precárias. Diversas invasões estão se formando na região.

Tudo isso compõe um aspecto que se repete em trechos de Guaratuba, Pontal do Paraná e em Paranaguá, e que contrapõe milhares de casas vazias aguardando seus habitantes, que só chegam no verão, ante um défict habitacional que, segundo a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), chega a quase quatro mil casas nos municípios litorâneos.

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?Há mais ou menos dez anos acompanhamos o crescimento das invasões e com ele todo o tipo de problema que antes só havia em Curitiba: criminalidade, desemprego, o esgoto todo que vai para o mar?, lamenta Cotovicz, que se mudou para Matinhos há 20 anos. Ele é proprietário de uma famosa rede de sorveterias que chegou a ter dez lojas na região (hoje restam apenas quatro). ?O turista mais endinheirado, que tinha imóvel caro aqui, vendeu ou tenta vender, e agora passa a temporada em Santa Catarina?, diz.

Vende-se

O quadro descrito por Cotovicz pode ser observado em um breve passeio pelas ruas de Caiobá. Nas áreas mais nobres, quase todos os prédios têm pelo menos um ou dois apartamentos à venda, com anúncios de ?vende-se? presos às janelas. ?Isso é agravado, pois muitos dos proprietários são do interior do Paraná e a safra deste ano, prejudicada pela seca, está fazendo com que muitos tenham que vender esses imóveis?, explica Luiz Roberto Vivi, gerente de uma imobiliária em Caiobá.

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?Mas o mercado está se aquecendo novamente. Depois da chegada da Universidade do Litoral e com a abertura do novo campus em Pontal, a expectativa é que o mercado melhore muito?, analisa. A expectativa é que a região tenha cerca de 10 mil alunos universitários até 2010.

Áreas de invasão e condomínios à venda

Aliocha Maurício/O Estado
José Marcílio: ?Preocupação?.

Soraia Soares nasceu em Paranavaí, no norte do Estado. Filha de agricultor, seguiu para Curitiba para conseguir estudar. ?Morei lá por quase dez anos e nunca consegui botar o pé na .? Em 2003, já casada e mãe de três filhos, foi despejada da casa em que morava, na Vila São Braz, numa ação da PM que retirou 60 famílias de uma área particular. ?Não tinha para onde ir. Acabei aqui na Vila Marinho?, lembra. Vive de catar material reciclado e construiu um barraco na área de invasão, a maior de Paranaguá, que há mais de ano passa por um processo de regularização fundiária e de urbanização.

O processo é fruto da parceria entre a Cohapar e a Terra Nova Regularizações Fundiárias, a primeira empresa no País responsável pela negociação direta e amigável entre as famílias que vivem nas ocupações e os proprietários das áreas. Dessa forma, não é preciso que o Estado faça a desapropriação. Quem compra a terra e depois a financia aos moradores é a empresa. E esse tipo de iniciativa desperta esperança em quem vive por lá. Soraia Soares diz que, do sonho de estudar, já desistiu faz tempo, mas que se esforça para que os filhos desfrutem desse privilégio.

Abandono

Imóveis colocados à venda.

No Balneário Santa Terezinha, em Pontal do Paraná, condomínios inteiros estão à venda. ?Os proprietários se assustam com a violência e com a desvalorização por causa da grande quantidade de invasões?, afirma José Marcílio de Azevedo, vice-presidente da Associação de Moradores e Proprietários de Imóveis dos Balneários de Santa Terezinha e Itapuã (Amosi).

Alguns outros balneários em Matinhos e Pontal do Paraná dão a impressão de estarem inteiramente abandonados. Ao andar pelas ruas de Grajaú, a sensação é fantasmagórica. Residências e comércio fechados, quase ninguém à vista. Em uma das casas, a família de João Alcines Rocha separava o material reciclado que havia recolhido no dia. ?Aqui está tudo abandonado mesmo. Mas na temporada vem mais gente?, relata. Na praia, passando a restinga, a reportagem ainda testemunhou algumas barracas improvisadas na areia, que, segundo Rocha, são de pessoas que saíram de outras invasões no litoral.