Não existem estimativas, mas segundo a Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Curitiba a migração forçada é uma situação que preocupa na capital. A cidade atraí gente do interior do Paraná, de outros estados e até de outros países. São pessoas em busca de qualidade de vida, mas quando chegam aqui enfrentam dificuldades para achar emprego e moradia e passam a integrar os bolsões de pobreza em volta da cidade. São vítimas da violência e do preconceito. Hoje é o Dia do Migrante e a igreja convida a sociedade a refletir sobre o problema.
Segundo a assistente social da Pastoral do Migrante, Elizete Santana de Oliveira, a pobreza, a miséria e a falta de trabalho são as principais causas da migração no Estado. "As pessoas têm sonhos, vontade de crescer e de melhorar de vida. Esse desejo é muito intenso dentro de cada um", fala. Mas onde vivem as chances de ter uma vida melhor se esgotaram.
Boa parte dessas pessoas vem da zona rural. Escolhem Curitiba devido à propaganda que vem sendo feita da cidade: é bonita, organizada, limpa, segura e cheia de oportunidades. Mas quando chegam aqui encontram outra realidade. Sem qualificação profissional, só conseguem vagas no mercado informal. O salário é pequeno e não dá para pagar o aluguel, comprar comida, remédios e roupas. A vida acaba se tornando tão difícil quanto antes. "A situação acaba ficando na mesma", destaca Elizete.
Além de engrossar a massa de famílias que vive em áreas irregulares em volta da cidade, os migrantes ficam expostos a todo tipo de violência e acabam perdendo até a identidade. "Onde moravam tinham um nome, vizinhos, pertenciam a uma comunidade. Aqui acabam perdendo seus valores, a sua referência, sendo uma porta aberta para as drogas, crimes e prostituição", comenta.
Não existem estatísticas revelando a quantidade de pessoas que deixam o campo para trabalhar nas cidades. Apenas dados de 1995 do censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostram a redução das pequenas propriedades rurais nas décadas de 1970 e 1980. Cerca de 105 mil foram incorporadas aos grandes latifúndios.
Segundo o secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rogério Nunes, as pesquisas revelam também que a pobreza mora no campo, expulsando as pessoas para os grandes centros. O Paraná tem 19% de sua população na zona rural e 35% destas pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Além disso, os pequenos agricultores enfrentam dificuldades com a falta de políticas públicas. Rogério diz que em 2005, o governo investiu R$ 40 bilhões no agronegócio. A agricultura familiar recebeu apenas R$ 7 bilhões. Além disso, ele afirma que 55% das terras produtivas do Paraná são de pequenas propriedades, as quais empregam 83% da mão de obra no campo. No norte do Estado também existe a migração sazonal, quando moradores do nordeste do País vêm trabalhar na colheita da cana, permanecendo até oito meses fora de casa.
Brasileiros e estrangeiros em busca de oportunidades
Foto: Ciciro Back/O Estado |
O peruano Manoel Campos e Elizete Santana de Oliveira. |
Segundo o secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Rogério Nunes, ao contrário de anos atrás, quando o chefe de família saía de casa para procurar emprego, hoje são os jovens que mais deixam o campo e as mulheres representam 52%. "Elas estudam mais e aqui têm mais chances do que os homens", revela.
É o caso de Jaqueline Alferes, 23 anos, que morava em Tomazina, norte pioneiro do Paraná. Ela fez um curso superior na área de administração no interior e veio para a capital porque lá não tinha oportunidades na área. Aqui ainda não achou emprego que aproveitasse o diploma, mas por ter faculdade conseguiu fácil trabalho em uma empresa de telefonia e atua na área de vendas. Agora pensa em fazer um curso de pós-graduação e aprender uma língua estrangeira para ter mais competitividade no mercado de trabalho. "Se estivesse morando lá na minha cidade, ia ter que trabalhar no supermercado da família", comenta.
Mas a capital não atrai apenas brasileiros. "Hermanos" da América Latina também enxergam Curitiba com bons olhos. "O Brasil está para a América como os Estados Unidos está para o Brasil", fala a assistente social da Pastoral do Migrante, Elizete Santana de Oliveira. No entanto, quando chegam aqui encontram dificuldades com a língua, documentação e preconceito. Manuel Campos, de 39 anos, tinha um bom emprego no Peru, mas foi transferido com um grupo de amigos para o Brasil. Quando chegou em São Paulo, não poderam trabalhar porque os sindicatos afirmavam que estariam tirando o emprego de brasileiros. Alguns voltaram e outros resolveram ficar no País.
Manuel casou com uma curitibana e agora tenta conseguir a nacionalidade brasileira e a Carteira de Trabalho. Para isso, precisa de um atestado de antecedentes criminais, mas devido à burocracia chegou aqui vencido. Esse processo durou três meses e foram gastos R$ 3 mil. Ele ia desistir, mas descobriu a Pastoral do Migrante. A entidade entrou em contado com o consulado do Peru em São Paulo, pedindo ajuda. Manuel obteve a resposta na última semana e agora espera resolver o problema com a Polícia Federal. "Agora vou tirar a Carteira de Trabalho e seguir em frente", conta.
Outro caso é o da argentina Yolanda Pinnola, de 59 anos, e do marido que escolheram a capital do Paraná para viver. Abandonaram o país de origem em 2002, devido à crise econômica. Ela era diretora de comunicação de uma agência de publicidade e o marido analista de sistemas. Aqui montaram uma empresa que presta serviços. "Consideramos o Brasil como uma terra de muitas oportunidades. Estamos conseguindo viver com qualidade", conta. Mas a saída da terra natal significou a separação da família. O filho foi para a Espanha e a filha pensa em voltar para a Argentina. "É triste a separação da família", lamenta.
Elizete conta que a pastoral é procurada com muita freqüência atendendo até 40 casos por mês, sendo metade estrangeiros. "As pessoas precisam aprender a olhar para o sofrimento do ser humano, independendo da sua nacionalidade, da sua origem. Ele não é o culpado da situação. É uma vítima de todo um sistema", enfatiza.
Depois de toda uma semana de programações voltada para a reflexão sobre a situação dos migrantes, será realizado hoje, na paróquia São José, em Santa Felicidade, a Missa do Migrante, presidida por D. Moacyr José Vitti, arcebispo de Curitiba.
Atendimentos prestados aos que chegam em Curitiba
Também dá para ter uma idéia da quantidade de gente que chega à capital observando os números da Fundação de Ação Social (FAS), da Prefeitura de Curitiba. Na Rodoferroviária existe a Casa da Acolhida e do Regresso (CAR), e todo mês ela atende em média 1.900 pessoas que vêm de vários lugares. Todos os seus bens estão guardados em poucas malas ou sacos.
Segundo a coordenadora da Central de Resgate Social, Eliana Oleski, esses migrantes já esgotaram todas as outras possibilidades de sobreviver na cidade de origem. "A viagem é um ato de desespero", fala. Aqui são encaminhadas para o Sistema Nacional de Emprego (Sine), mas em geral, não sabem ler e escrever e não têm qualquer tipo de qualificação, sendo difícil a sua inserção no mercado de trabalho. Na CAR podem ficar até 30 dias. Depois disso a instituição entra em contato com a ação social do município de origem para dar suporte para que o migrante possa retornar. Mas tem gente que prefere arriscar e vive nas ruas. Em Curitiba hoje vivem nessa situação 121 pessoas do interior do Estado, de outras regiões do Brasil e de outros países, além de mais 133 da RMC.
A busca pelo emprego também leva muita gente à cidade grande para atendimento médico. É o caso de Paulo Estevão de Lima, 50 anos, de Pernambuco, que passou por várias cidades e albergues até conseguir um transplante em Curitiba. Chegou em 2002 e a cirurgia só foi feita em 2005. Durante todo este tempo ficou no albergue Casa dos Pobres São João Batista, que há 50 anos acolhe gente de todo o País. Segundo a administradora social da casa, Vilma Geopato, em média as pessoas permanecem ali seis meses, podendo chegar até dois anos. A maioria vem tratar de algum tipo de câncer.