O principal problema do metrô de Curitiba foi a falta de planejamento. A cidade precisa dele, mas não discutiu a implantação. E aí nasceram quase todos os problemas que a iniciativa enfrenta. Este é o resumo da opinião do engenheiro Valter Fanini, diretor financeiro do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR), sobre o assunto. “Não existe um estudo de mobilidade. Eles partiram de um pressuposto empírico. Por isso que o debate se arrastou e por isso é que não se sabe como o metrô, na prática, vai funcionar quando estiver pronto”, comenta.
A falta de planejamento provoca atrasos no cronograma, que encarecem a obra por não prever problemas que são até corriqueiros como, por exemplo, para onde vão os ônibus que circulam nas canaletas durante o tempo em que for aberto o buraco da linha Norte-Sul. Outra coisa: para onde vão os caminhões da terra que será tirada para abertura do buraco de 15 metros de profundidade? Mais um detalhe barulhento: como ficam os comerciantes durante o tempo em que a obra for construída (previsão de quatro anos, que podem ser espichados)? Dúvidas que transformam a obra numa incógnita.
Fanini acha que as dúvidas se acumulam e desaguam na dificuldade de se prever como vai funcionar o sistema. O sistema será multimodal? Ou seja, incluindo sistema BRT (Bus Rapid Transit), do qual Curitiba é pioneira? Além dele, quais outras formas de locomoção urbanas serão contempladas? Isto nunca ficou claro, segundo ele. Por isso que ele enfatiza que um estudo de mobilidade é fundamental para alicerçar em bases científicas a inserção do novo metrô no transporte de massas da cidade. “Este estudo é importante porque Curitiba é uma cidade de alta densidade demográfica com escassez de espaço viário”, afirma. E como se trata de projeto público, o natural seria que houvesse estudos avançados. Não tem.
Sistema corre sério risco de virar uma bomba-relógio
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Fanini: aumento da tarifa para pagar empresas é comprometedor. |
Fanini resume o quadro da seguinte forma: a realidade é que o metrô de Curitiba não tem projeto de mobilidade, não tem projeto de viabilidade, não avançou no projeto de engenharia, nem sabe qual será ao certo o seu custo. O engenheiro ainda torce o nariz para a presença da iniciativa privada. “Chamar o empresariado para um processo cheio de dúvidas é arriscado: ele vem, mas vai cobrar caro o risco que vai correr”, opina. Se o empresário entrar com recursos para o investimento inicial, este custo vai ser transferido futuramente para a tarifa, porque esta terá que arcar com o custo de manutenção do sistema e ainda com este investimento, mais os juros.
Este é outro problema que poderá transformar o metrô de Curitiba numa bomba-relógio que vai explodir na tarifa mais adiante, alega. “Este aumento da tarifa para pagar o custo da iniciativa privada poderá comprometer o sistema”, pondera. Para evitar isso, ele acha que o ideal seria o Estado assumir os custos de construção, como ocorre em outros países e assumir futuramente também o gerenciamento, como ocorre nestes países e em São Paulo. “Metrô é um bem público. Ele tem ganhos difusos. A sua construção não representa um ganho apenas para os usuários, mas para toda a cidade. Por isso, o ideal é a gerência pública”, analisa Fanini.
Cultura de desinteresse atrapalha
Outro problema que Fanini aponta é que não se sabe quantas pessoas o metrô de Curitiba vai transportar, o que influencia em seu futuro orçamento. &,ldquo;Projetar demanda é futurologia. Tem que levar em conta toda a cidade e não apenas operar num determinado eixo”, declara. Fanini acha que o metrô acena mais com incertezas do que com certezas. Para ele, falta de planejamento e tendência ao empirismo podem estar relacionados com a cultura de desinteresse pelo metrô que se desenvolveu em Curitiba por algumas décadas.
Em parte, porque a construção demanda grande soma de recursos, que o município, sem apoio da União e do Estado, não tem como investir. E, depois, a cidade ficou cativa do sistema BRT, que ela desenvolveu e a tornou famosa em todo o mundo, achando que ele ia resolver infinitamente todos os problemas de mobilidade que fossem surgindo. E isto não aconteceu. O sistema está próximo da saturação, necessitando de tecnologias mais eficientes, rápidas e massivas.
“É bom que se diga que o sistema BRT não é ultrapassado. Na realidade, ele está se mostrando insuficiente para resolver as questões de mobilidade urbana que foram se acumulando com o tempo”, diz Fanini. O sistema BRT tem um teto de 15 mil passageiros hora/sentido e no caso Norte-Sul ele está perto de atingir este limite. E só não está sobrecarregado porque as linhas paralelas aliviam a demanda, que é muito maior. Por isso, Fanini acredita que um sistema multimodal tem grande contribuição para oferecer à cidade. E neste sistema, se insere o metrô. Mas é preciso discutir onde e como ele entra na história. Uma discussão que não foi feita.
Concorrente do automóvel pode ser alívio pro trânsito
Fanini alerta que o BRT não compete com o metrô e que este pode competir com o automóvel, aliviando o impacto dos veículos particulares na mobilidade urbana, coisa que o ônibus não foi capaz de fazer. “O metrô ganha em qualidade, conforto e pontualidade. Além disso, atrai o usuário do automóvel. Imagine se alguém vai deixar de usar o automóvel em Curitiba para ficar uma hora se apertando e sacolejando dentro de um ônibus, levando tranco! No metrô não acontece isso”, compara.
O engenheiro frisa que não pode se repetir com o metrô o erro histórico de negligência com os trilhos dos trens. “Um dos maiores erros estratégicos da cidade foi desabilitar o espaço existente no leito das ferrovias, que poderia ser usado posteriormente para fluir um sistema de transporte coletivo metropolitano”, assinala. Este espaço foi prejudicado pela implantação de projetos habitacionais populares, muitos dos quais vieram a se tornar nova fonte de problemas urbanos. Outro equívoco do setor público com a mobilidade urbana é a Linha Verde. “Aquilo está demonstrando o que pode produzir a falta de planejamento em obras do gênero”, pontua.
Marco André Lima |
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Mundialmente famoso, sistema BRT está quase saturado. |