A agressão e o desrespeito ao meio ambiente são comuns em Catanduvas, localidade do município de Contenda, a cerca de 100 km de Curitiba. Há anos, ambientalistas e moradores do local se preocupam com a erosão da lavoura, cuja terra “escorre” e toda a lama e sujeira vão parar dentro dos rios e represas da região, causando assoreamento.

continua após a publicidade

O problema é que esse acúmulo nas águas, além de destruir os rios, degrada a vegetação e ainda provoca enchentes. E em época que as chuvas não param, a situação está ainda mais crítica.

Quem vem denunciando o problema nas lavouras há pelo menos dez anos (a erosão ocorre desde a década de 70) é o presidente da ONG Eco-Rios, Iolando Wojcik, que também é morador e agricultor da região.

Ele conta que já está cansado de tanto reclamar para a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab) para o Ministério Público Estadual (MP) e para outras ONGs que possam ajudar.

continua após a publicidade

Mas até agora nada foi feito. Ele explica que ao fazerem as lavouras com caídas “rio abaixo”, os agricultores (principalmente plantadores de batata) estão cometendo um erro gravíssimo e possibilitando a chegada de água e terra nas águas.

“Eu entendo que todo mundo tem que produzir, ganhar a vida, e sei que com batata não tem como não fazer de outro jeito, senão ela apodrece. Só que então tem que ter uma contenção lá embaixo, nos rios”, reclama Wojcik.

continua após a publicidade

Paulo Amaral, voluntário da ONG, observa que os agricultores que não fazem as práticas conservacionistas na lavoura estão, na verdade, destruindo aquilo que eles mesmos vão precisar no futuro.

“Eles estão acabando com a água que eles mesmos usam. Eu não entendo. Hoje a situação pode não estar tão caótica, mas no futuro com certeza vai ser irreversível”, diz Amaral.

Um dos agricultores de Catanduvas (que faz as lavouras “rio abaixo”), Roberto Karas se defende. Segundo ele, não tem como plantar batatas de outra forma. “Os técnicos dizem que a gente tem que fazer curvas de nível, mas isso tem que ser feito em terreno plano. Aqui não dá”, reclama.

As popularmente chamadas “curvas de nível” são valetas que seguram a água e a terra que desce da lavoura, evitando a chegada nos rios. Indagado sobre as contenções que poderiam ser feitas nas águas, Karas diz que elas só seriam viáveis com pouca chuva.

“Com essa chuvarada que tem caído não tem como, a gente pode até fazer a contenção no rio, mas logo arrebenta. Então é só Deus para parar de mandar tanta água”, explica.

Assoreamento dos rios também provoca alagamentos

Além da degradação do solo e das plantas, o assoreamento dos rios tem provocado outra consequência grave: os alagamentos. Na divisa entre Catanduvas (Contenda) e Araucária, por exemplo, basta chover um pouquinho para os moradores já ficarem com água pelo joelho.

Neste ponto, onde o Rio da Gralha é o vilão, as famílias já chegaram a fazer contenções com sacos de areia na porta das casas para evitar que a água entre. Foi o que aconteceu na residência de Rosane de Jesus de Lima.

“Aqui é só chover um pouquinho que o rio sobe”, reclama. Seu filho Josuel, que mora na mesma rua, fez o mesmo. “Já perdemos móveis, estão todos lá fora molhados”, diz ele, que tem dois filhos.

Em Catanduvas, os alagamentos e o estado crítico das estradas também têm provocado problemas com o transporte. As linhas de ônibus que circulam por lá têm passado por dificuldades.

Como contam os moradores, já aconteceu de veículos atolarem e os passageiros terem que seguir a pé. E também já houve casos de ônibus quebrado, como os que fazem a linha Araucária-Campo do Bastião.

É o caso da TRIAR (Transporte Integrado de Araucária). Um dos funcionários da empresa ,que preferiu não se identificar contou que a chuvarada tem piorado ainda mais a situação. E juntando a água das chuvas e a água que sai dos rios, o trânsito fica caótico.

“E o pior é que com tanta chuva não adianta arrumar a estrada. Arruma de manhã e à tarde já está ruim de novo. Já encalhamos algumas vezes”, contou. Os moradores comentam que a empresa já até cogitou tirar as linhas, pois a situação está ficando insustentável.

Entre a cruz e a espada

Entre a cruz e a espada. É assim que os técnicos da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento (Seab) definem a situação dos agricultores da região de Catanduvas. Isto porque o correto seria que eles fizessem práticas conservacionistas do solo, mas parece que a orientação passada pela Seab não tem sido levada em conta.

“Somente dizer que eles plantam “morro abaixo’ é complicado. Existem fatores que levam os agricultores a fazer dessa forma, como cultura, tradição. Não estou defendendo eles, pois estão errados, mas também temos que ver o lado deles. Por um lado, se fizerem as curvas de nível a batata apodrece, perdem a produção. Mas por outro, os rios estão sendo degradados. Sem falar que eles também reclamam que as técnicas são caras”, comenta o engenheiro agrônomo do Departamento de Fiscalização da Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento (Seab), Gilmar Paiola.

Segundo ele, apesar dos problemas, o agricultor tem a obrigação de procurar orientação e cuidar de suas terras. Caso erre, a Seab tem poder de autuá-lo, dar um tempo para que se adapte às normas, e até poderá multá-lo posteriormente se a situação não mudar.

“O Estado é gestor, tem dispositivos legais que obrigam a autuar se for preciso. Porém, o Estado não tem como consertar o solo degradado, é o agricultor quem tem que cuidar do seu patrimônio”, afirma Paiola.

O presidente da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), Clóvis Borges (que também conhece o problema da região de Catanduvas) reclama da falta de providências com os assoreamentos. Na sua opinião, vários fatores levam ao desrespeito com o meio ambiente, como a cultura que impera na sociedade e a falta de vontade dos políticos.

“Infelizmente, a cultura ainda é de uso dos recursos naturais em curto prazo e que coloca a conservação como prejuízo, e não como protetor das áreas. Sem falar na política equivocada que sustenta este tipo de atividade errada”, explica Borges.

Para ele, o Estado está sendo omisso. “Se você verificar o dinheiro que o Paraná investiu nos últimos anos para a contenção de erosão, não tem desculpa para o Estado não ter estrutura hoje. E acho também que o trabalho de extensão rural não deve mais ser o convencional, e sim a ideia conservacionista”, critica.

A reportagem não conseguiu contato com o MP (nem com o promotor do Centro de Apoio do Meio Ambiente, Saint-Clair Honorato Santos, nem com a promotora da comarca da Lapa, Beatriz Spindler de Oliveira Leite).