Todos os dias quando os quatro filhos de Geovânia do Carmo Souza, 23 anos, vão para o quintal, ela precisa ficar atenta. O pequeno terreno fica ao lado do mangue e as crianças teimam em brincar no meio da lama. Quando a maré sobe, a situação chega a ficar perigosa e os cuidados precisam ser dobrados. A mesma situação vivem os outros moradores da rua, que fica a poucos metros da Baía de Paranaguá. Esse é o reflexo da pobreza e da falta de planejamento urbano de Paranaguá que, não tendo para onde crescer, foi tomando lugar dos manguezais.
O chefe do Escritório Regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Lício Domit, calcula que desde a fundação da cidade, em 1648, Paranaguá já perdeu cerca de 40% de seus manguezais, sendo 20% só nos últimos 20 anos. Tamanha é a destruição que nem parece que a vegetação é considerada área de proteção permanente desde 1965.
Com média de crescimento de 2,1% ao ano, uma das maiores do Estado, a população de baixa renda se viu empurrada para cima dos manguezais. O presidente do Conselho do Litoral, José Álvaro Carneiro, comenta que ao longo dos anos a administração municipal simplesmente fechou os olhos para o problema. Os mais privilegiados pagam caminhões de terra para suprimir o mangue e dar forma ao terreno, os demais usam carrinhos de mão e aproveitam qualquer entulho, principalmente restos de materiais de construção.
Mas no meio dessa gente, não existe apenas pessoas lutando por um cantinho. Também há aqueles que vêem na invasão uma ótima oportunidade para ganhar dinheiro. Depois de consolidarem o terreno passam o lote adiante e começam o processo mais uma vez. "É tradição invadir e vender em Paranaguá", comenta Domit.
A cidade de Paranaguá não tem para onde crescer, é cercada pela Baía de Paranaguá, por manguezais e a floresta que são áreas protegidas por lei. O problema existe em praticamente todo o município e os órgãos ambientais enfrentam dificuldades para fazer a fiscalização. O Ibama, por exemplo, conta com sete servidores e dois funcionários terceirizados, sendo que a maior parte deles trabalha diretamente com o setor de exportação de madeira. "A situação é preocupante, precisamos intensificar as ações de fiscalização", fala Domit.
Este ano, motivados pela Procuradoria da República os órgãos ambientais e outros ligados ao assunto se organizaram para combater o problema. Estão envolvidos Ibama, Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Polícia Federal, Polícia Florestal, Justiça Federal, Ongs e o Conselho do Litoral. Devido a falta de pessoal as visitas aos locais ocorrem a cada 20 dias. Mas Domit, espera que seja possível deslocar pessoas de outras unidades para ajudar neste trabalho. Nos últimos cinco anos, apenas 15% das casas irregulares foram notificadas e embargadas. Uma das primeiras medidas dessa "força-tarefa" foi a proibição de instalação de água e luz e benfeitorias nestes locais, que são consideradas irregulares nessas áreas. "Mas para controlar o problema, ainda será preciso despender muito esforço", analisa Domit.
Para José Álvaro, além da fiscalização também há necessidade de desenvolver a economia. Além disso, destaca a necessidade de terminar o Plano Diretor que vai determinar para onde a cidade pode crescer.
Segundo a secretária de Urbanismo da cidade, Vânia Foes, o documento ainda está em fase de elaboração. Ela explica que Paranaguá possui muitas restrições ambientais e o documento precisa ser feito para saber para onde as famílias poderão ser deslocadas. Segundo ela, existem 15 mil pessoas nesta situação. Por enquanto, a Companhia de Habitação do Estado, em parceria com a empresa Terra Nova Regularizações Fundiárias, está reordenado uma área invadida há dois anos no Jardim Iguaçu.
Órgãos ambientais precisam de aviso
Os manguezais pertencem a União, mas por serem áreas de proteção permanente os órgãos ambientais são os responsáveis pela fiscalização. O gerente regional da Secretaria Regional do Patrimônio da União, Dinarte Antônio Vaz, explica que quando o órgão é notificado no início da invasão tem poder para pedir força policial e fazer a retirada dos invasores. Mas geralmente, quando o governo toma conhecimento da situação, as famílias já estão instaladas e cria-se um problema social.
O problema existe em todas as cidades do litoral, mas é mais grave em Paranaguá. Segundo o presidente do IAP, Rasca Rodrigues, o órgão vem atuando com rigor na fiscalização das áreas. No ano passado, 56 famílias invadiram uma área de mangue em Pontal do Paraná, mas foram autuadas e retiradas do local. (EW)
Quintal compartilhado com caranguejos
Ser pobre em Paranaguá significa ter que morar em cima do mangue. Geovania do Carmo Souza, 23 anos, vive com o marido e os quatro filhos em uma rua que foi criada pelos próprios moradores, como a maioria das que ficam no bairro Vila Guarani. O fundo do quintal das casas é o próprio manguezal. O cheiro no local devido à decomposição de materiais orgânicos não é dos mais agradáveis, sem contar os mosquitos que atacam os moradores.
A Rua Eugênio J. de Souza é um bom exemplo do problema em Paranaguá. Os moradores cortaram a vegetação, demarcaram os lotes e aos poucos foram aterrando o lugar. Quando faltava cerca de cem metros para atingir a Baía de Paranaguá, a fiscalização chegou e interrompeu o processo de ocupação. A área está embargada e ninguém pode aterrar ou construir mais nada.
Os moradores também reclamam que não agüentam esse clima de indecisão, não sabem se um dia vão ser retirados do local. "Vivo com medo, achando que posso ser despejada a qualquer momento. A minha casa é a única coisa que eu tenho", fala Dora Bagui, 63 anos. Conta que com ela moram apertados seis adultos e duas crianças. Gostaria de poder aumentar a casa para acomodar melhor os familiares, mas qualquer obra ou aterro para ampliar o quintal está proibido.