Aos poucos eles ocupam espaço e já fazem parte da paisagem de Curitiba. |
Produtos que para a maioria das pessoas não passam de lixo – como embalagens vazias, jornais velhos e vidro quebrado – garantem o sustento de centenas de famílias em Curitiba. Na cidade, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, existem cerca de 15 mil carrinheiros. Eles são responsáveis pela coleta de 90% de todo material reciclável retirado das ruas, superando a quantidade arrecadada pelos caminhões do lixo que não é lixo.
Em geral, os carrinheiros ganham entre R$ 12 e R$ 15 por dia. Os depósitos que compram os produtos coletados pagam, em média, R$ 3,50 por quilo de latinha de alumínio, R$ 0,25 por quilo de plástico e R$ 0,14 por quilo de papel. O trabalho ainda acontece de maneira desorganizada. "Trabalhar com coleta de recicláveis é alternativa para quem não consegue carteira assinada. Uma vez tentamos montar uma cooperativa com os carrinheiros da Vila Torres, mas não deu certo", comenta o presidente da Associação Comercial da Vila Torres (que agrega um grande número de carrinheiros), Timóteo Borges.
O insucesso da cooperativa, de acordo com Timóteo, se deu porque os donos de depósito não mostraram boa vontade de trabalhar em condições de igualdade com os carrinheiros – hoje, muitos compram os produtos dos carrinheiros, obtendo maiores lucros – e porque os próprios carrinheiros não tinham condições de esperar trinta dias para receber salário. Eles geralmente ganham durante o dia o dinheiro com o qual vão comprar alimentos para sustentar suas famílias à noite.
Carrinheiro
Expostos a materiais cortantes e a agentes causadores de doenças, o dia-a-dia dos carrinheiros não costuma ser nada fácil. Os irmãos Daniel Alexandre, de 33 anos, e Moacir Mattos Alexandre, de 28, trabalham juntos coletando materiais recicláveis pelas ruas do município de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Daniel está na atividade há oito meses, desde que realizou seu último trabalho como pedreiro e não conseguiu mais emprego com carteira assinada. Com o dinheiro que recebe, ele sustenta a esposa.
Já Moacir está em Colombo há um mês, vindo do município de Paraíso do Norte, na região Norte do Paraná, onde trabalhava com corte de cana. Sem conseguir emprego com carteira assinada na Região Metropolitana, ele começou a ajudar o irmão como carrinheiro. "Tenho mulher e dois filhos (de cinco e um ano de idade) para sustentar. Trabalhar com a coleta de materiais recicláveis é, por enquanto, a única opção para que minha família tenha o que comer", afirma.
Programas visam à conscientização
Com a constatação de que papéis, vidro, plástico e alumínio podem ser reaproveitados e, assim, obter valor agregado e importância econômica e social, muitos programas de reciclagem começaram a ser desenvolvidos ao longo dos últimos anos.
No ano de 2001, o arquiteto Paulo Henrique de Oliveira Porta desenvolveu o Programa Lixo Limpo, que visa agregar valor a produtos que muitos consideram como lixo. O programa começa pela conscientização da população para que os resíduos não sejam contaminados e para que a separação dos materiais seja feita de forma eficiente. Assim, dentro de suas casas, as pessoas já realizariam a pré-separação do lixo.
Exemplo: em uma garrafa PET, a embalagem plástica já seria separada do rótulo e da tampinha. Um copinho de iogurte, antes de ser destinado à reciclagem, seria lavado para que não restassem resíduos de alimento.
Na seqüência, pessoas ficariam encarregadas de ir até as comunidades e recolher os materiais recicláveis, levando-os para ecopontos. De lá, os materiais seriam levados para barracões onde passariam por prensagem. Depois, os produtos prensados seriam encaminhados aos barracões intermediários e para um depósito final, de onde seriam comercializados para as empresas de reciclagem.
"Quando o lixo chega limpo (sem contaminação), tem maior valor agregado. Em breve, o programa será colocado em prática através da criação de um projeto piloto com a organização não governamental Centro do Menor, em Campo Largo (na região metropolitana de Curitiba). A entidade realiza trabalhos de recolhimento de materiais recicláveis, mas ainda de forma suja", afirma Paulo Henrique.
Sema
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) lançou, em agosto de 2003, o Programa Desperdício Zero, que possui dois objetivos principais: zeramento dos lixões existentes no Paraná e redução de 30% na geração de resíduos. Conforme o coordenador estadual de resíduos sólidos da Sema, Jorge Augusto Calado Afonso, o programa é subdividido em fóruns setoriais de acordo com diversas modalidades, como resíduos industriais, recicláveis, orgânicos, agrícolas, entre outros. "Em cada modalidade, são diagnosticados problemas e levantadas soluções. Os integrantes dos fóruns realizam trabalhos junto a diversos municípios do Estado", comenta.
UVR
Em 23 de junho de 1990, foi criada, no município de Campo Magro, a Usina de Valorização de Resíduos (UVR), administrada pelo Instituto Pró-Cidadania de Curitiba (IPCC) e com o objetivo de arrecadar recursos para ação social e promover a proteção do meio ambiente.
Mensalmente, a UVR recebe cerca de quatrocentas toneladas de resíduos sólidos reaproveitáveis – coletados pelos caminhões do lixo que não é lixo, da Prefeitura de Curitiba -, realiza triagem e venda às usinas de reciclagem.
"O dinheiro arrecadado é revertido em ação social com a FAS (Fundação de Ação Social) e IPCC", explica o gerente da UVR, Alfredo Carlos Holzmann. Em 2004, a usina comercializou 2.182.246 quilos de produtos recicláveis e teve um faturamento de R$ 667.900,63. (CV)
Esforço físico não desanima catadores
A maioria dos carrinheiros costuma sair da cama bem cedo, muitas vezes antes das 6h, voltar para casa por volta do meio-dia para almoçar, uma hora depois sair de novo e só voltar lá pelas 21h. Eles chegam a caminhar, puxando seus carrinhos, 35 quilômetros todos os dias. Embora o trabalho pareça pesado para mulheres, elas estão bastante presentes na atividade e geralmente trabalham acompanhadas dos filhos pequenos, pois não têm com quem deixá-los quando não estão na escola.
"O trabalho é bastante difícil, principalmente quando o carrinho enche e fica difícil de puxá-lo. No final do dia, chego em casa quebrada, com dores nas costas e principalmente nas pernas. Porém, tenho que enfrentar. Está difícil conseguir emprego e juntar produtos recicláveis é minha única alternativa para sobreviver", comenta Zélia de Oliveira, de 36 anos, que sustenta cinco filhos (o mais velho com 15 anos e o mais novo com sete meses). Zélia veio do município de Agudos do Sul há dois meses e espera conseguir emprego como doméstica, embora diga que aceita trabalhar no que aparecer.
Para Isaías de Quadros, que tem 22 anos e trabalha como carrinheiro desde os 18, as dores nas costas e nas pernas não incomodam tanto quanto o preconceito de grande parte da população. "O pior de trabalhar como carrinheiro é que muitas pessoas me olham como se eu fosse um vagabundo ou mesmo ladrão. Pensam que não levo outra vida não porque não consigo outro emprego, mas porque não quero. Não entendem que lidar com lixo reciclável é um trabalho como outro qualquer, que garante o que comer a muitas pessoas", diz. Isaias sustenta a ele e a outras oito pessoas: esposa, dois filhos e outros cinco filhos do primeiro casamento de sua mulher. (CV)