A hipnose, técnica difundida em consultórios clínicos, hoje é uma aliada da polícia para desvendar crimes. O Paraná possui o primeiro Laboratório de Hipnose Forense da América Latina e, em vinte anos de atividades ? desde 1993 em fase experimental até a oficialização em 1999 ?, a técnica contribuiu com a elucidação de mais de seiscentos casos. Os resultados desse trabalho vêm chamando a atenção de profissionais de diversas áreas, sendo um dos destaques 9.º Congresso Brasileiro e Pan-americano de Hipnose e Medicina Psicossomática, que aconteceu no início de agosto, no Rio de Janeiro.
O trabalho é feito pelo médico e psicólogo Rui Fernando Cruz Sampaio. Trabalhando como perito criminal há 25 anos, ele começou a perceber que vítimas e testemunhas de crimes não conseguiam montar o retrato falado ou dar detalhes de fatos que poderiam ajudar nas investigações devido ao trauma emocional. “Geralmente vítimas de crimes, assaltos ou estupros, que na hora de falar bloqueavam as informações”, disse. Sampaio começou a utilizar a hipnose de forma experimental, e deu tão certo que hoje até o Ministério Público e a Justiça solicitam o trabalho.
O profissional comenta que a técnica é empregada apenas em testemunhas ou vítimas, pois o réu ou indiciado podem mascarar os fatos. Ele salienta que a hipnose é feita com consentimento dos envolvidos. Uma minoria se recusa a fazer. Sampaio entende que a hipnose não pode ser a única prova conclusiva de um crime. “Acho que ela é apenas um instrumento que vai levar à prova. O que vai comprovar é o laudo pericial”, explicou.
Um exemplo citado por ele foi o atropelamento de dois adolescentes, ocorrido em Ponta Grossa há cerca de três anos. Quatro jovens voltavam de uma festa, quando um Omega desgovernado atropelou dois deles, que morreram no local. As testemunhas disseram que se tratava de um veículo bordô e a polícia trabalhava, sem sucesso, com essa informação. Depois de passar por uma sessão de hipnose, as testemunhas lembraram que o veículo era azul, o que facilitou a localização do carro. Mas o autor só foi descoberto depois que o Omega passou pela perícia, quando encontraram gotas de sangue e provaram que o veículo teve a lataria amassada.
Defesa
A hipnose é um estado alterado da consciência ou, como prefere definir Sampaio, um estado intermediário entre o sono e a vigília. Nesse estágio, comenta, é possível resgatar lembranças que foram apagadas pela mente. “Esse esquecimento é uma mecanismo de defesa, que apaga da mente lembranças desagradáveis que não queremos lembrar”, explicou. Durante a hipnose, acontece a hiperminésia, que é a potencialização da memória, favorecendo o resgate de informações. Segundo Sampaio, 95% da pessoas têm condições de entrar em transe ou ser hipnotizado. Para os outros 5% existem várias explicações, diz o médico, como sofrer de algum problema neurológico que afeta a concentração ou não confiar no profissional que conduz o trabalho.
De acordo com o profissional, a hipnose sempre foi empregada no tratamento de traumas e fobias, mas hoje tem aplicabilidade em diversas áreas, como a medicina e odontologia. O trabalho na criminalística ainda é novidade, até porque o Código de Processo Penal não cita a técnica como elemento de prova. Porém, em outros países, como os EUA, ela vem sendo empregada há vários anos. O trabalho do Paraná também foi destaque na sexta edição do livro A Hipnose de Hoje, da russa Galina Solovey. “Isso demonstra que ela é possível e pode ser um instrumento que deve ser difundido de formas série e ética para ajudar nas investigações”, finalizou.