Enquanto muitos dependentes pelo jogo reclamavam do decreto do governador Roberto Requião proibindo o funcionamento de casas de bingo, o grupo Jogadores Anônimos (JA) de Curitiba comemorou a medida. Embora não levante a bandeira contra os jogos de azar, o grupo reconhece que o fechamento das casas pode evitar que jogadores compulsivos retomem o vício e que novas pessoas caiam nessa armadilha. O governo, no entanto, ainda trava uma queda de braço com os proprietários dessas casas.
Grande parte das pessoas que freqüentam o JA chegou ao fundo do poço: perdeu bens, emprego e até a família. L.M., de 57 anos, começou a jogar aos 20 anos e só resolveu parar depois que perdeu casa, carro e emprego. Tudo foi usado para pagar dívidas contraídas com agiotas e bancos. L.M. conta que, na época, o que chamava a atenção dos jogadores compulsivos eram os carteados, o jogo do bicho e as loterias. “Demorava mais para viciar”, comenta.
Hoje, as casas de bingo oferecem vários jogos, cujos resultados são instantâneos e que exigem a presença do jogador. “As pessoas viciam mais rápido, jogam mais e perdem mais dinheiro. Se você está jogando, não está trabalhando ou com a sua família”, ressalta.
C.L.M., 25, começou a jogar em casas de bingo. Ele lembra que foi ao estabelecimento a convite de uma amiga. Gastaram R$ 20 e foram embora. No outro dia, ele matou aula e estava lá mais uma vez. Durante quatro anos perdeu dois empregos, parou a faculdade e a família pediu para que saísse de casa. Para ele, apesar da reabertura das casas significar mais empregos, não compensa o sofrimento que jogador compulsivo e famílias passam.
Segundo ele, o Ambulatório do Jogo Patológico (AMJO) do Hospital de Clínicas de São Paulo, único do País, constatou que 4% da população brasileira tem pré-disposição para o jogo patológico. Em Curitiba, 15 mil pessoas desenvolveram o problema, 1% procurou ajuda e 0,5% conseguiu largar. As maiores vítimas têm sido mulheres e jovens.
Para C.L.M, o fechamento das casas vai ajudar outras pessoas a não desenvolver a compulsão pelo jogo e evitar recaídas. “Quem tem a pré-disposição, mas não tem contato com o jogo, não desenvolve”, explica C.L.M.
Paz
O JA existe em Curitiba desde 1997, mas surgiu nos EUA em 1954. Foi nessa época que L.M. começou a freqüentar o grupo de auto-ajuda. “Hoje eu tenho paz”, garante. Ele explica que o grupo é semelhante ao Alcóolicos Anônimos (AA). O grupo faz reuniões semanais e cada participante desabafa, contando o que viveu.
Além das reuniões, muitos jogadores compulsivos precisam de ajuda psicológica e, às vezes, psiquiátrica. “Mas tudo isso não resolve, se realmente a pessoa não quiser parar”, adverte. O JA também tem um grupo destinado às famílias dos jogadores compulsivos. As reuniões ocorrem toda terça-feira, às 19h30, na Avenida Marechal Floriano Peixoto, 250, 3.º andar.
Proprietário contesta Lacerda
Ao contrário do informado na edição de ontem, o bingo Village está aberto por ter conseguido uma liminar junto à 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba. O procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda, havia informado que a liminar era apenas uma extensão de outra, também dada pela 2.ª Vara para bingo Carlos Gomes. A liminar do Carlos Gomes foi cassada pelo Tribunal de Justiça (TJ) na sexta-feira.
Um dos proprietários do Village, Celso Lanzoni, informou que a casa vai permanecer aberta durante o fim de semana. “Claro que nós sabemos que o Estado vai tentar cassar a liminar. Se isso acontecer nós fechamos, mas por enquanto vamos continuar trabalhado”, garantiu.