O primeiro ano do governo Lula, cercado de muita expectativa pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e demais grupos que lutam pela reforma agrária, foi traduzido em números pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O relatório dos conflitos no campo em 2003, divulgado ontem pela CPT, mostra uma reviravolta nos interesses relativos à reforma. Todavia, a lentidão no processo continua a mesma da era Fernando Henrique Cardoso.
Por um lado, o Poder Executivo foi mais sensível à questão da terra e deu outro tratamento aos trabalhadores que lutam por ela. Em contrapartida, a ação do MST gerou uma reação organizada dos grandes latifundiários e o aparecimento de milícias privadas, como, por exemplo, o Primeiro Comando Rural (PCR), na região central do Paraná. O número de assassinatos no campo em 2003 foi 69,8% maior do que em 2002 no País. Foram 73 contra 43. Entretanto, o número de conflitos diminui de 743 para 659. No Paraná, foram quatro assassinatos em 2003, sendo dois na região central e um no município de Ramilândia.
Segundo Jelson Oliveira, da CPT, 2003 serviu para mostrar que se os governos federal e estadual estão agindo diferente e a iniciativa privada e o Poder Judiciário continuam seguindo contra a reforma. “O Poder Judiciário deu parecer favorável aos latifundiários 263,2% a mais que no ano anterior, mostrando seu comprometimento com o latifúndio”, afirmou. Oliveira destacou que há uma forte relação entre o número de conflitos e a existência do agronegócio. “Onde o agronegócio é mais forte também há mais trabalho escravo, conflitos no campo e violação da lei ambiental”, contou.
O Paraná aparece praticamente entre os cinco primeiros em todos os critérios de registro com dados absolutos utilizados pela CPT. Em 2003, foram 60 áreas de conflito, envolvendo 10.725 famílias. Novas 51 ocupações aconteceram, envolvendo 7.997 famílias. O Paraná é segundo estado da federação em número de famílias atingidas por pistoleiros, 1,7 mil famílias. No número de manifestações de luta, o Paraná também está entre os primeiros, com 34 manifestações, que envolveram 43.690 sem-terra. Apenas 160 famílias foram assentadas em 2003 no Paraná.
Novo índice
Este ano a CPT apresentou um novo índice de análise da situação no campo. O índice – que varia de zero a dez – mede a conflitividade do local. No Brasil um em cada 26,7 moradores do campo já participou de conflito pela terra ou foi vítima de violência. Na região Sul a relação é de um a cada 38,9. “A região Centro-Oeste é a de maior índice de conflitividade. Mato Grosso tem um índice de 7,03. O Paraná tem a 15.ª posição”, explicou Oliveira.
Desequilíbrio
O bispo auxiliar de Curitiba, dom Ladislau Biernaski, afirmou que apesar de alguma demonstração de boa vontade do governo federal para fazer a reforma, o investimento ainda é muito pouco. “A diferença ainda é muito grande. Foram liberados R$ 1 bilhão para reforma agrária e R$ 14 bilhões para a indústria”, disse, lembrando que não há o interesse por parte de quem tem a terra em que a reforma aconteça. “Eles sempre se dizem favoráveis, mas é tudo da boca para fora”, ironizou.
Celebração
Aconteceu ontem, na Catedral Basílica de Curitiba, a 7.ª Celebração dos Mártires da Terra, em homenagem aos 46 trabalhadores rurais mortos em 1984 quando da fundação do MST e às vítimas do massacre de Eldorado dos Caraja, em 17 de abril de 1996. A celebração serviu também para encerrar jornada realizada pelo MST do Paraná na última semana.
Reforma agrária não avança
Brasília
– O presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, disse ontem que a reforma agrária não avançou em nada durante o governo Lula e que não houve vontade do governo de incluir a reforma no orçamento deste ano.Segundo ele, o plano do governo é tímido e a execução tem ocorrido muito lentamente. “Está fraquíssima. O plano foi tímido e a execução está muito devagar. Estou decepcionado e acho que esta opinião é compartilhada por vários grupos. Não houve vontade de incluir no orçamento de 2004. Seria um gesto muito positivo do governo Lula. Há lentidão no ministério, o Incra está desaparelhado. Resta que, com tudo isso, é o primeiro governo a lançar um plano nacional de reforma agrária, embora tímido, embora aquém das expectativas”, afirmou.
Perguntado se o MST não estaria se excedendo nas invasões de terra, dom Tomás disse os sem-terra são patriotas que tentam mudar a estrutura fundiária do País. “Eu vejo a ação. É uma ação de recuperação da democratização da terra. Desde o Brasil Colônia o que houve é a ditadura do latifúndio. Então esse pessoal é um pessoal patriota que está tentando, expondo suas próprias peles nesses conflitos, mudar essa estrutura fundiária do nosso País”, afirmou.
Dom Tomás defende as ocupações porque mostram a presença dessas organizações populares no campo e que as pessoas não estão esperando passivamente pelas ações do governo. Mostrou-se confiante de que a mobilização trará resultados práticos e disse que os sem-terra são eleitores que lutam por seus direitos e que não estão tentando criar nenhum cenário de violência no País, citando o exemplo da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Pedido de preferência improcedente
A juíza federal Sílvia Regina Salau Brollo, da 1.ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, julgou improcedente o pedido dos ex-funcionários da Fazenda Mitacoré que reivindicavam seu direito de preferência no assentamento de reforma agrária que será realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Fazenda Mitacoré pertencia ao banco Bamerindus e foi transferida para a União em março de 1997, em virtude de dívidas que o banco tinha com o Banco Central do Brasil. De acordo com os funcionários, o Banco Central permitiu que eles permanecessem na área. Em agosto do mesmo ano, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) invadiu a propriedade e expulsou os ex-funcionários.
Os ex-funcionários invocavam o artigo 26 da Norma de Execução/Incra 18/2001 que assegura prioridade no assentamento às famílias relacionadas no Laudo de Vistoria do Imóvel, observada a seguinte ordem preferencial: ao expropriado, aos que trabalhem no imóvel obtido como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários e ao trabalhador assalariado, posseiro, parceiro, arrendatário ou foreiro que trabalhe em outro imóvel. Segundo os funcionários, essa prioridade não foi respeitada porque tinham sido retirados da posse do imóvel pelo MST. Porém, a juíza Sílvia Brollo afirma na sentença que a vistoria do imóvel é efetuada na fase final de classificação para o assentamento e que em nenhum dos momentos anteriores (habilitação e fase preliminar de classificação) os ex-trabalhadores da fazenda manifestaram intenções em ser assentados.
Brollo acrescentou que o conflito existente entre os ex-funcionários e os integrantes do MST teve início com a recusa dos ex-funcionários em participar da reforma agrária no imóvel rural e que o artigo 21 da Norma exclui do programa outros perfis de candidatos, o que significa que a condição de ex-trabalhador do imóvel não assegura prioridade no assentamento. Mesmo que os ex-funcionários estivessem aptos pela norma, teriam ainda que ser avaliados diante de todos os critérios de classificação do Incra que devem ser obrigatoriamente respeitados. De acordo com a sentença, os integrantes do MST e os ex-funcionários têm um péssimo relacionamento, infringindo os artigos 31 e 34 da norma que estabelecem que o assentamento obedecerá, na medida do possível, a ocupação efetuada nas áreas povoadas, evitando disputa por terra, e visa incentivar o beneficiário a interagir com a sua comunidade. “Ora, o relacionamento entre os atuais ocupantes do imóvel rural e os autores é completamente conflituoso(…) o que exclui qualquer legitimação ou interação positiva nessa comunidade”, afirma a juíza.
Fazenda-modelo
A Fazenda Mitacoré era uma propriedade rural de 1.100 hectares no município de São Miguel do Iguaçu, a 45 km de Foz do Iguaçu. A fazenda era pioneira no cultivo de soja e no desenvolvimento de projetos agrícolas, com boa infra-estrutura, equipamentos e com a fértil terra roxa. Desde agosto de 1997, quando foi invadida por cerca de 300 famílias de trabalhadores rurais sem-terra, a fazenda é palco de conflitos sociais. Após a invasão da área, lideranças políticas locais, professores universitários e ex-empregados da fazenda tentaram reaver a área para transformá-la em universidade rural, o que provocou repúdio dos integrantes do MST. A polícia foi chamada para evitar conflito de grandes proporções. No início de 2004, a fazenda foi sede de um encontro nacional do MST e recebeu da Itaipu Binacional 16 tanques e alevinos de pacu para incentivar os agricultores a se tornarem piscicultores.
Rosas para o MST na Câmara
Brasília
– Um grupo de cerca de 200 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi recebido ontem, na Câmara dos Deputados, em Brasília, com rosas brancas. Os sem-terra participaram de uma sessão especial em homenagem aos 20 anos do movimento e aos 19 mortos no massacre de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, em 1996. As rosas foram oferecidas pelo deputado Wasny de Roure (PT-DF). Ao tentar entrar no plenário, os sem-terra foram barrados pela segurança da Casa por estarem com bandeiras do movimento, problema solucionado em seguida.