Amanhã o mundo celebra o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, data que para as entidades envolvidas com o assunto, serve para catalisar o crescente movimento mundial contra essa violação. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foca as comemorações desse ano para lembrar as descobertas do novo Relatório Global da entidade sobre o tema, intitulado O fim do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance. Esse segundo relatório mostra que houve grandes progressos no movimento pelo fim da exploração das crianças e, pela primeira vez, pode ser observada uma redução em todo o mundo nos índices de trabalho infantil.
E o Brasil, acostumado a ficar sempre atrás nesse tipo de avanço, parece que está encontrando o caminho certo para erradicar o problema. Segundo o delegado regional do Trabalho no Paraná, Geraldo Serathiuk, desde que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) foi posto em prática no País, há 10 anos, a adoção de crianças como mão-de- obra caiu 50%. E melhorar esse índice é uma das propostas da Delegacia Regional do Trabalho (DRT/PR) para 2006. "A Seção de Inspeção do Trabalho (Seint) irá focar as ações da fiscalização na economia informal e no campo, que ainda possuem inúmeras crianças trabalhando", revela.
No Paraná, o problema tem duas dimensões. A primeira é econômica. O trabalho infantil no Estado se acentua nas regiões com piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). A segunda é cultural, especialmente no campo, onde segundo Serathiuk, a tradição torna difícil a conscientização de que se ganha muito mais deixando as crianças na escola do que ajudando na lavoura. E não é preciso ir longe para perceber que o problema, além de esbarrar nesse tipo de conceito, ainda alia a questão econômica.
Raul tem apenas 11 anos e trabalha como engraxate no centro de Curitiba. Assim como Carlos, de 12 anos, que também engraxa sapatos, ele usa o dinheiro que ganha para completar a renda familiar. "Minha mãe não vê problema. Ela até meio que me obriga. Com esse dinheiro eu ajudo lá em casa", diz o garoto, que mora no bairro Sítio Cercado. Durante a entrevista com os jovens, um senhor que era atendido por Carlos, e que preferiu não ser identificado, manifestou o que a coordenadora do Núcleo de Apoio à Programas Especiais (Nape), Marilza Lima da Silva, chama de "descaso da sociedade". "Não entendo o que tem demais. Muito melhor estar aí trabalhando do que roubando", falou o homem. A frase, que parece até um chavão, é considera perigosa por quem se dedica a combater o trabalho infantil. "As pessoas desconhecem as alternativas e contrapartidas que as diferentes esferas do governo oferecem às famílias para manterem os filhos na escola", diz Serathiuk.
Muita gente pode achar que os recursos provenientes de políticas como a Bolsa Família, que variam de R$ 65 a R$ 95, são pouco atrativos se comparado aos quase R$ 200 que Carlos e Raul conseguem mensalmente engraxando sapatos. Mas, certamente, o contato com "o mundo da rua", como esclarece o delegado, representa um enorme perigo e uma perda que com certeza não terão dinheiro para recuperar, pois dessa forma a criança fica privada da chance de receber uma qualificação melhor.
Marilza afirma que, como a sociedade parece aceitar o trabalho dos jovens, a quantidade de denúncias referentes ao trabalho infantil que chega à DRT ainda é muito pequena. "As pessoas pensam que é melhor a criança estar trabalhando do que estar na rua", relata.
Entender a lei para poder reivindicar direitos
Arquivo/O Estado |
Geraldo Serathiuk, da DRT. |
O delegado da DRT, Geraldo Serathiuk, explica que para compreender o que representa o trabalho infantil, é importante ver o que diz a lei brasileira. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecem que até os 14 anos a pessoa não pode trabalhar. Dos 14 aos 16, o adolescente pode trabalhar apenas como aprendiz. A partir daí, até os 18 anos, ele já pode ter carteira de trabalho.
Segundo o Fórum de Combate ao Trabalho Infantil no Paraná, que reúne diversas entidades em torno de ações para enfrentar o problema, ao analisar a última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/PNAD), em 2001, 12,6% de crianças e adolescentes, com idade entre 5 a 17 anos de idade, eram ocupadas no Brasil. A maioria estava concentrada em pequenos empreendimentos familiares, principalmente no setor agrícola.
Arquivo/O Estado |
Coordenadora Denise Colin. |
No Paraná, que possui mais de 2,4 milhões de crianças e adolescentes, 348.249 realizavam algum tipo de atividade. Destes, 122.642 trabalhavam até 20 horas por semana, 97.161 desempenhavam suas atividades entre 21 a 39 horas e 128.082 trabalhavam mais de 40 horas semanais, o restante não declarou. Do total de crianças ocupadas, 260.796 freqüentavam a escola e 87.453 não estavam estudando. "É possível que esse quadro tenha melhorado. Encomendamos ao Ipardes um mapa atualizado sobre o trabalho infantil no Estado", conta Denise Colin, coordenadora do núcleo de assistência social da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social. Dessa forma, o fórum espera melhorar o planejamento integrado de ações.
Multas e denúncias
A empresa que propicia o trabalho infantil, como consta no Artigo 434 da CLT, está sujeita a uma multa mínima de R$ 402,53 para cada criança empregada. Para denunciar o trabalho infantil: (41) 3219-7716 ou via e-mail (marilzal.drtpr@mte.gov.br). (DD)
Cartão vermelho para a propagação do trabalho infantil
Em meio à expectativa provocada pela Copa do Mundo, a OIT decidiu mostrar um cartão vermelho para expulsar o trabalho infantil, como parte das comemorações do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, amanhã.
O ex-jogador de futebol camaronês Roger Milla, que participa ativamente de ações em favor das crianças, assim como personalidades vinculadas aos mais variados esportes, ao movimento escoteiro e ao mundo laboral estarão presentes nas atividades planejadas em Genebra, na Suíça, para pedir a eliminação do trabalho infantil como parte da campanha do cartão vermelho, que tem o patrocínio da Fifa.
O Programa Internacional para a eliminação do trabalho infantil (Ipec) da OIT informou que haverá atividades em cerca de 100 países, incluindo programas de televisão, caminhadas, debates públicos que serão realizados neste ano sob o lema A eliminação do trabalho infantil: juntos nós conseguimos!, e claro, jogos de futebol.
"Muitos acreditam que o trabalho infantil sempre estará presente entre nós", afirma o diretor-geral da OIT, Juan Somavia.
"Mas a mobilização mundial contra esta prática demonstrou que estão equivocados. Esse é o significado de mostrar simbolicamente o cartão vermelho ao trabalho infantil. Não é apenas um gesto, é uma maneira de ressaltar esta luta pelo direito de cada criança viver sua infância". (DD)