Apesar de o Brasil ter contribuído para o avanço nas negociações do Protocolo de Cartagena, assumindo a posição ?contém transgênicos?, como mais de cem países, o consenso parece estar longe de ser alcançado na 3.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), que acontece em Curitiba. Isso porque alguns países ainda insistem em manter a posição do ?pode conter? como a única identificação a ser exigida na comercialização de produtos transgênicos. Entre os poucos países estão o México e Nova Zelândia.
Ontem, no ExpoTrade Pinhais, algumas organizações não governamentais (ONGs) – como a Associação para Agricultura Orgânica no Brasil, representada pela socióloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), Marijane Lisboa, o internacional Greenpeace, representado, entre outros, pelo ativista neozelandês Steve Abel, e pelo mexicano Gustavo Antugnani, da Campanha de Engenharia Genética – comentaram a situação desses países nas negociações do protocolo de biossegurança.
Sobre a posição da Nova Zelândia, Abel diz se sentir envergonhado. ?O maior problema é que eles não estão aqui negociando positivamente. Eles bloquearam o consenso. O Brasil, pelo menos, mudou, mas a Nova Zelândia se mantém irredutível. Eles podem mudar se o Executivo do país intervir, mas parece que a intenção mesmo é bloquear as negociações. Estou envergonhado em relação à postura da delegação neozelandesa?, comenta.
Lisboa também critica a atitude dos delegados da Nova Zelândia. ?A Nova Zelândia não está discutindo nada. Ela simplesmente está adotando um comportamento que não é de negociação. O que reclamamos da Nova Zelândia é a falta de disposição em apresentar qualquer proposta e em discutir as propostas da mesa?, reclama Marijane.
México
Em relação à posição do México, entre outros países do grupo dos latino-americanos e caribenhos que adotam a mesma postura – pelo ?pode conter? -, o representante do Greenpeace naquele país, Gustavo Antugnani, conta que desde fevereiro a organização cobra do governo mexicano uma posição clara a ser defendida na MOP3. No entanto, segundo ele, somente na noite da última terça-feira que eles ficaram sabendo do posicionamento da delegação mexicana. ?A postura do México é a de defender o ?pode conter?, mas a gente acha que não é o suficiente para identificar as cargas de milho e soja que entram no país?, explica.
De acordo com Antugnani, outros segmentos no México, como setores do Senado, Congresso, camponeses, organizações sociais e cientistas, também desaprovam a atitude adotada. ?Foi apresentado no Senado um chamado para os delegados do México, para que mudem de posicionamento. Se um país forte como o Brasil mudou e mostrou solidariedade à biodiversidade, então o México não pode impedir o consenso?, reclama o representante da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.
Antugnani ainda explica que a posição adotada pelo país nas negociações do protocolo gera risco a toda a nação. ?Temos muitos laços comerciais com os Estados Unidos, que não querem identificação clara e cujos interesses estão por trás dessa posição. Importamos cerca de 6 milhões de toneladas de milho dos Estados Unidos e não sabemos o que entra. Queremos que o México defenda a nossa diversidade de milho. Temos 59 raças, que é a riqueza do nosso país. Não se pode pensar biossegurança de um ponto de vista comercial?, desabafa Antugnani.
Milho modificado na realidade africana
Elizangela Wroniski
O milho transgênico esteve em debate ontem durante o terceiro dia do Fórum Global da Sociedade Civil, que acontece paralelo ao evento da ONU sobre biossegurança, no ExpoTrade, em Pinhais. Durante o encontro, a professora Mariam Mayet, do African Center for Biosafety, falou sobre a realidade da África. Dos 50 países, apenas a África do Sul aceita o cultivo e a comercialização do produto.
Em 10 anos de pesquisas com alimentos geneticamente modificados, só a África do Sul permitiu a comercialização do milho transgênico. Ela observa que a introdução da cultura no país provocou uma mudança na postura política. O governo passou a dar mais atenção aos grandes plantadores que cultivam o milho geneticamente modificado e os pequenos produtores que plantam o convencional para a subsistência ficaram de lado.
Mariam disse ainda que aos poucos os agricultores começam a aceitar as sementes modificadas. O governo fez doações durante o processo de reforma agrária, pressionado indiretamente o plantio. Outro problema que o continente africano enfrenta é a pressão internacional para aceitar doações de transgênicos. Devido à pobreza dos países e à escassez de alimentos a ajuda é necessária para que milhares de pessoas não morram de fome.
Brasil apresenta proposta de decisão a grupo
Joyce Carvalho
O Brasil apresentou, na noite de terça-feira, uma proposta de decisão no grupo de contato, equipe com cerca de 50 países provenientes do Grupo de Trabalho I que está acelerando as negociações do parágrafo 2A do artigo 18 do Protocolo de Cartagena, que trata da identificação das cargas com organismos vivos modificados (OGMs) em movimentações transfronteiriças. Até o final da manhã de ontem, outras partes do grupo de contato ainda não haviam apresentado propostas. Há expectativas de que haja um posicionamento definitivo hoje (quinta), que será levado ao Grupo de Trabalho I amanhã para aprovação. O Brasil e a Suíça presidem o grupo de contato.
O texto apresentado pelo Brasil como projeto de decisão traz essencialmente a posição tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira. ?O Brasil apresentou o texto-proposta para contribuir na negociação. Embora não tenha sido discutido, esse texto, para a nossa alegria, teve uma acolhida muito boa. Esperava-se que o Brasil tomasse a dianteira e foi o que fizemos. Mas a questão ainda está aberta?, afirma o ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado, diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores e que está à frente do grupo de contato.